sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Assembleia Espiritual que desapareceu

Por Sepehr Atefi (BBC-Persa).

No dia 11 de Novembro de 1979, o Dr. Alimorad Davoodi, secretário da Assembleia Espiritual Nacional (AEN) dos Bahá’ís do Irão, e professor de Filosofia da Universidade de Teerão, foi fazer o habitual passeio no parque Laleh de Teerão e nunca regressou.

Vários telefonemas ameaçadores recebidos nos dias anteriores e investigações dos seus amigos no próprio dia indiciam que se tratou de um rapto.

O Dr. Alimorad Davoodi, secretário da AEN dos Bahá’ís do Irão, e professor de Filosofia da Universidade de Teerão,
 raptado no dia  11 de Novembro de 1979 em Teerão.


A sua filha, Marjan Davoodi, que na época tinha 18 anos, recorda: “Fomos ao parque com alguns dos seus amigos à procura dele. O guarda vigilante do parque disse que apareceu um jipe e que ele foi forçado a entrar no carro. Assumimos que o jipe pertencesse ao governo, pois a maioria dos carros não pode entrar no parque. Quando os amigos regressaram ao parque no final desse dia, o guarda negou tudo”.

Alimorad Davoodi não foi o primeiro Bahá’í a ser raptado. Os raptos tinham começado vários meses antes, com o sequestro de Mohammad Movahed. Este tinha nascido numa família de clérigos de Shiraz e seguiu estudos islâmicos durante vários anos, durante os quais tinha conhecido e aceite a Fé Bahá’í. Ter-se tornado Bahá’í foi algo tão inacreditável para a sua família e amigos que ele foi internado numa instituição psiquiátrica, e posteriormente transferido para Teerão. Apesar das numerosas reuniões, demoradas discussões e até ameaças, ele nunca renunciou ou escondeu as suas crenças. Anos mais tarde, após a Revolução, a pressão aumentou. Finalmente após várias sessões de interrogatório e convocações pelo Comité Revolucionário, foi raptado numa rua, em Maio de 1979. O rapto seguinte que criou grande ansiedade na Comunidade Bahá’í teve lugar em Dezembro desse ano. Ruhi Roshani, secretário da Assembleia Espiritual Local (AEL) de Teerão, que tinha sido alvo de ameaças por parte de fanáticos religiosos após a publicação do seu livro “Khatamiyyat” (a crença de que o Profeta Maomé foi o último mensageiro de Deus) também desapareceu. O seu destino, tal como o de Davoodi e Movahed, permanece desconhecido.

Rapto dos Membros da AEN do Irão e Execução dos Membros da segunda AEN

Enquanto crescia a pressão sobre as instituições Bahá’ís, dois Bahá’ís de Shiraz foram acusados de “espiar para Israel” e executados em Abril de 1980. As instituições Bahá’ís (ou “Assembleias”) encarregam-se dos assuntos administrativos da Comunidade Bahá’í, e são constituídas por nove membros eleitos pela Comunidade Bahá’í em cada cidade ou aldeia. A negação de qualquer envolvimento pelas autoridades governamentais amplificava os rumores sobre o destino das pessoas desaparecidas. Marjan Davoodi afirma: “Apelámos a praticamente todos os organismos responsáveis, mas todos negaram envolvimento. Durante muito tempo tivemos esperança de encontrá-lo, mas suspeitávamos que, tal como outros durante esse período, ele tivesse sido torturado e forçado a negar a sua fé, ou a confessar-se culpado de uma acusação falsa. Estas especulações eram extremamente perturbadoras para nós”.

Em circunstâncias semelhantes, vários homens invadiram a casa do Hossein Naji, membro da AEN do Irão, para prendê-lo; não o tendo encontrado em casa, detiveram a sua esposa, Vajdieh Rezvani. Esta recorda: “Vieram à nossa casa quatro vezes; de cada vez eram sete ou oito homens armados. Na primeira vez disseram que procuravam armas; mas nas ocasiões seguintes queriam ver o Dr. Naji, e uma vez levaram-no para ser interrogado”.

Em 21 de Agosto de 1980, homens armados prenderam todos os membros da AEN (na foto), assim como dois dos seus colegas.
Essas 11 pessoas raptadas nunca mais foram vistas por familiares e amigos.

Hossein Naji escreveu ao Ayatollah Khomeini, ao Presidente Abul-Hassan Bani-Sadr, ao Ministro da Saúde Hadi Manafi, e ao Procurador-Geral do Tribunal Revolucionário Ayatollah Ali Qodusi, descrevendo as rusgas em sua casa por homens armados e a detenção da sua esposa, e solicitou uma investigação. Mas os seus apelos enfrentaram uma total ausência de resposta pelas autoridades, e nenhum organismo assumiu a responsabilidade pela detenção da sua esposa.

Finalmente em 21 de Agosto de 1980, homens armados prenderam todos os membros da AEN, assim como dois dos seus colegas, quando realizavam uma reunião rotineira. As 11 pessoas raptadas nunca mais foram vistas por familiares e amigos.

A investigação aos desaparecimentos começou imediatamente. As famílias reuniram-se com o Procurador-Geral do Tribunal Revolucionário, o Chefe do Sistema Judicial Iraniano e o Presidente do Parlamento.

Vajdieh Rezvani recorda: “Fomos a todos os locais que podíamos pensar… esta prisão, aquela prisão; fomos ver o Ayatollah Beheshti, o filho do Ayatollah Montazeri, o Ayatollah Behjat, o Ayatollah Gilani… todos negaram saber qualquer coisa, mas descobrimos mais tarde que eles os tinham executado na primeira noite... apesar de 35 anos depois ainda não sabemos o que aconteceu verdadeiramente”.

Numa reunião com o Presidente do Parlamento, Akbar Hashemi Rafsanjani, este prometeu investigar os desaparecimentos. Alguns dias mais tarde, ele confirmou que tinha sido emitida uma ordem de detenção para os onze Bahá'ís, mas que eles deviam permanecer incomunicáveis até que os interrogatórios estivessem concluídos. Menos de um mês depois, Rafsanjani negou a sua primeira declaração e culpou um grupo independente pelos desaparecimentos. Os membros da Comunidade Bahá'í do Irão também suspeitavam de outros grupos - incluindo a Sociedade Hojjatieh [1] - estarem envolvidos nos desaparecimentos.

Em Dezembro de 1981, durante uma das raras ocasiões em que oito dos nove membros da AEN seguinte estavam reunidos, todos foram detidos. Farideh Samimi recorda: “…não nos mostraram um mandado de captura. O Sr. Amin Amin, que era advogado, perguntou se eles tinham um mandado para os prender; não tinham um mandado - a sua palavra era a lei”.

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Mina Yazdani, historiadora, comenta a extensão do envolvimento do governo nos raptos[2]: 
No caso do Dr. Davoodi e de Mohammad Movahed, não há dúvida que algumas organizações governamentais estiveram envolvidas. O facto de todos os apelos por justiça terem sido ignorados, e o facto de algum tempo mais tarde se ter sabido que um poderoso e influente membro do clero tinha decretado a execução de Mohammad Movahed, não deixa qualquer dúvida que alguns ramos do governos estiveram envolvidos”.

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Após o rapto da primeira AEN formada após a Revolução, foi formada uma segunda AEN. Esta tratou dos assuntos da comunidade Bahá’í durante um ano com condições extremamente difíceis. A pressão e execução de membros das AEL's de Yazd, Hamadan, Tererão e Tabriz, e a execução de dois Bahá’ís de Mashad por um pelotão de fuzilamento, foram alguns dos tormentos sentidos pela Comunidade Bahá’í entre 1980 e 1981.

Mais tarde, em 27 de Dezembro de 1981, os oito membros da AEN foram mortos por um pelotão de fuzilamento. Inicialmente, a sua execução foi negada, mas acabou por ser posteriormente confirmada pelo Chefe do Sistema Judicial Ayatollah Ardebili, que anunciou que eles tinham sido executados devido a “espionagem para potências estrangeiras”. Assim, a prisão e execução dos Bahá’ís tornaram-se oficiais.

Dissolução das Instituições Bahá’ís e execução de vários membros da terceira AEN

Em 29 de Agosto de 1983, Hassan Mousavi Tabrizi, Procurador-Geral do Tribunal Revolucionário afirmou:
 “As instituições Bahá’ís são consideradas... como renegadas e conspiradoras, e qualquer colaboração com estas está proibida”.

Em 29 de Agosto de 1983, Hassan Mousavi Tabrizi, Procurador-Geral do Tribunal Revolucionário afirmou numa entrevista: “Os Bahá'ís fazem espionagem; são arruaceiros... Hoje, proclamo que devido às suas actividades imorais e subversivas, as instituições Bahá’ís são consideradas pelo Procurador-Geral do Tribunal Revolucionário da República Islâmica como renegadas e conspiradoras, e qualquer colaboração com estas está proibida”.

Na sua última mensagem aos amigos Bahá’ís do Irão, a terceira AEN anunciou a suspensão de todas as actividades Bahá’ís, de acordo com o princípio Bahá'í de obediência às leis do governo. Simultaneamente, enviou uma carta aberta a dois mil dos mais influentes e proeminentes membros do governo, pedindo o fim das perseguições, detenções, torturas e execuções de Bahá’ís. Nessa carta questionava: “Como pode um homem com 85 anos de idade de Yazd, que nunca saiu da sua aldeia, ser um espião? Como se pode acusar de espionagem estudantes, donas de casa, meninas inocentes e homens e mulheres idosas? Que documento e informações secretas tinham? Que aparelhos de espionagem possuíam?

Apesar disso, a perseguição aos Bahá’ís e a hostilização das Assembleias Espirituais locais e nacional não parou. Nos meses seguintes, sete membros da terceira AEN formada após a Revolução - Jahangir Hedayati, Shapour Markazi, Farhad Asdaqi, Farid Behmardi, Ardeshir Akhtari, e Amir Hossein Naderi - foram presos e executados.

Os Bahá’ís e a Revolução Islâmica

Apesar dos Bahá'ís também terem sido alvo de discriminação durante o regime de Pahlavi, com o advento da Revolução Islâmica a discriminação intensificou-se e institucionalizou-se. A Constituição da República Islâmica distingue claramente os seguidores do Islão Xiita de outras minorias reconhecidas. Ao excluir os Bahá'ís das “minoria não-reconhecida” criou o pretexto para pressioná-los. O Ayatollah Khomeini, que nunca escondeu a sua hostilidade aos Bahá’ís, afirmou numa entrevista em Dezembro de 1978 com o professor James Cockroft da Rutgers University, em resposta a uma questão sobre a liberdade religiosa e política dos Bahá’ís sob o novo regime: “A liberdade não será concedida a pessoas que são perigosas para o país”.

Assim, não foi surpreendente que desde os primeiros anos da Revolução os Bahá’ís, perseguidos pelos inimigos do passado, também o fossem pelo poder dominante.

Mas qual foi a reacção dos Bahá’ís à Revolução? Mina Yazdani, professora de história que é Bahá’í, afirma: “Considerando as circunstâncias e eventos desse período, por exemplo, os incêndios de residências Bahá’ís em Shiraz dois meses antes da Revolução, as premonições dos perigos que se adivinhavam não tiveram grande impacto. Muitos de nós sentíamos que haveria dificuldades e sofrimento no futuro”.

As confiscações das suas propriedades, as expulsões das escolas e universidades, os despedimentos nos empregos, a proibição de transacções legais etc - foram alguns dos efeitos da Revolução para os Bahá’ís.

Três décadas após a Revolução, os direitos humanos dos Bahá'ís não melhoraram. Por exemplo, sete membros da comunidade que administram os assuntos da comunidade (na ausência de uma instituição eleita) estão actualmente a cumprir 20 anos de prisão cada um.

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FONTE: The Spiritual Assembly that Vanished (Iran Press Watch, via BBC-Persian)

REFERÊNCIAS:
[1] - Para mais informações sobre a Sociedade Hojjatieh, ver este link na Wikipedia
[2] - O artigo completo da Drª Yazdani: The Islamic Revolution’s Internal Other: The Case of Ayatollah Khomeini and the Baha’is of Iran

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