Por John Hatcher.
Mais cedo ou mais tarde, todos nós colocamos a questão antiga: um Deus omnipotente e omnisciente provoca — ou pelo menos não consegue impedir — o sofrimento dos inocentes?
Vários princípios importantes nas Escrituras Bahá’ís impelem-nos a encontrar uma solução para este dilema fundamental. Por exemplo, Deus não se restringe a esta vida física para corrigir as injustiças que sofremos nas nossas vidas individuais, nem se limita a um determinado período de tempo para exercer justiça na história.
Esta observação pode parecer óbvia, mas é o factor mais crucial para se chegar a um acordo sobre a teodiceia — a importante questão de por que razão um Criador bom permite que o mal exista. Isto significa que não podemos avaliar ou julgar o que nos acontece (ou a qualquer outra pessoa) em termos do que suportamos nesta vivência terrena. Se o sofrimento, em última análise, resulta em justiça ou injustiça, algo benéfico ou prejudicial, seria semelhante a tentar avaliar como alguém se irá sair na sua profissão enquanto ainda se encontra numa fase formativa dentro do útero materno.
Como o nosso desenvolvimento está destinado a outro plano de existência, dificilmente podemos avaliar o que beneficia ou não este processo, tal como uma árvore de fruto não poderia avaliar os resultados benéficos da sua própria poda. Do nosso ponto de vista limitado, a morte de uma criança parece inútil e injusta, tal como o sofrimento de um inocente. No entanto, é claro nas Escrituras Bahá’ís que estas crianças são cuidadas, assim como todos os que sofrem inocentemente:
Estas crianças permanecem à sombra da Providência Divina e, como não cometeram qualquer pecado e não estão contaminadas pelas impurezas do mundo natural, tornar-se-ão manifestações da generosidade divina e os olhos da misericórdia divina estarão voltados para elas. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 277-278)
Quanto ao assunto dos bebés, crianças e fracos que são atormentados pelas mãos dos opressores: isto contém uma grande sabedoria e é de importância primordial. Em síntese, para estas almas existe uma recompensa noutro mundo e muitos pormenores estão relacionados com este assunto. Para estas almas, este sofrimento é a maior misericórdia de Deus. Em verdade, esta misericórdia do Senhor é muito melhor e preferível a todo o conforto deste mundo e ao crescimento e desenvolvimento deste lugar de mortalidade. (Tablets of Abdu’l-Baha, Volume 2, pp. 336-337)
Por outras palavras, enquanto aqueles de nós que têm a oportunidade de fazer uso da nossa existência física são encorajados, até mesmo obrigados a fazê-lo, aqueles que por qualquer razão são privados dessa oportunidade recebem outros meios de serem preparados para a sua existência contínua no reino do espírito.
Compreendido correctamente, então, o verdadeiro sofrimento em relação ao que consideramos a "morte prematura" ou o "sofrimento injusto" de outras almas é vivenciado por aqueles de nós que ficam para trás, privados da sua companhia. Na sua perspectiva, a justiça foi realizada porque progridem sem impedimentos. Não são de forma alguma prejudicados por terem sido impedidos de participar plenamente nesta vida. Da mesma forma, temos a garantia de que aqueles que, devido a doenças mentais ou físicas, já não nos parecem estar a progredir espiritualmente, na verdade não são negativamente afectados por essa experiência:
… o homem está enaltecido acima de tudo e é independente de todas as enfermidades do corpo ou da mente. O facto de uma pessoa doente apresentar sinais de fraqueza deve-se aos obstáculos que se interpõem entre a sua alma e o seu corpo, pois a própria alma permanece inalterada por quaisquer enfermidades corporais. (Gleanings from the Writings of Baha’u’llah, LXXX)
Não perceber este conceito essencial do paradigma Bahá’í de que a vida é um continuum e não se limita ao mundo físico é ver como ridículos os sofrimentos e todas as indignidades que os próprios profetas suportam voluntariamente:
Como poderiam essas Almas ter consentido em entregar-se aos seus inimigos se acreditassem que todos os mundos de Deus estavam reduzidos a esta vida terrena? Teriam elas sofrido de bom grado tamanhas aflições e tormentos como nenhum homem jamais experimentou ou testemunhou? (Idem)
Mas ainda temos um dilema quanto à intervenção de Deus. Se Deus previu o nosso sofrimento, não seria Ele de alguma forma responsável? Porque é que Ele não intervém para evitar o nosso sofrimento, para que possamos colher os benefícios da sala de aula metafórica que Ele tão criativamente concebeu para a nossa educação?
Já vimos que a presciência divina de algo não é a causa da sua ocorrência, tal como o nosso conhecimento da operação de uma lei física não faz com que essa lei seja aplicada. Mas, se Deus previu o nosso sofrimento, porque não o impede?
A resposta mais importante a esta questão essencial da teodiceia é que Deus intervém!
Intervém repetidamente, consistentemente, progressivamente, até mesmo diariamente, a título pessoal, se optarmos por estar conscientes dessa intervenção e aproveitar ao máximo as oportunidades que ela nos oferece. Por exemplo, no contexto mais amplo da história humana neste planeta, Deus dirige precisamente o rumo da história, enviando sucessivos Manifestantes de acordo com a antiga Aliança entre Deus e a humanidade, não porque mereçamos tais dádivas, mas porque Deus é amoroso, perdoador e tem a intenção de nos ajudar a desenvolvermo-nos como indivíduos e como comunidade global.
Os ensinamentos Bahá’ís asseguram-nos também que a mesma assistência está disponível nas nossas vidas pessoais se a pedirmos:
Deus é misericordioso, e na Sua misericórdia responde às orações de todos os Seus servos quando, de acordo com a Sua suprema sabedoria, é necessário. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 247)
As Escrituras Bahá’ís confirmam esta perspectiva ao afirmarem que a história humana é uma dinâmica espiritual e que, sem a intervenção de Deus através dos intermediários que são os mensageiros de Deus, não existiria história humana:
… os santos Manifestantes de Deus são os Centros focais da luz da verdade, as Fontes dos mistérios ocultos e a Fonte das efusões do amor divino. Lançam o Seu esplendor sobre o reino dos corações e das mentes, e concedem a graça eterna ao mundo dos espíritos. Conferem vida espiritual e brilham com o esplendor das verdades e significados interiores. A iluminação do reino do pensamento provem destes Centros de luz e Expoentes de mistérios. Não fosse a graça da revelação e da instrução destes Seres santificados, o mundo das almas e o reino do pensamento tornar-se-iam trevas sobre trevas. Não fossem os ensinamentos sólidos e verdadeiros destes Expoentes de mistérios, o mundo tornar-se-ia a arena das características e qualidades animais, toda a existência tornar-se-ia uma ilusão evanescente e a verdadeira vida perder-se-ia. É por isso que se diz no Evangelho: “No princípio era o Verbo”, isto é, era a fonte de toda a vida. (‘Abdu’l-Bahá, Some Answered Questions, newly revised edition, pp. 184-185)
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Texto original: Does God Cause the Suffering of the Innocent? (www.bahaiteachings.org)
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John S. Hatcher é formado em Literatura Inglesa pela Universidade de Vanderbilt e Doutorado em Literatura Inglesa pela Universidade da Georgia (EUA). É professor Emérito na Universidade de South Florida (Tampa, EUA). É também conhecido como poeta, palestrante e autor de numerosos livros sobre literatura, filosofia e teologia e escrituras Baha’is. Entre as suas obras contam-se Close Connections; From the Auroral Darkness: The Life and Poetry of Robert E. Hayden; A Sense of History: The Poetry of John Hatcher; The Ocean of His Words: A Reader's Guide to the Art of Baha'u'llah; and The Purpose of Physical Reality; The Kingdom of Names.
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