sábado, 22 de outubro de 2016

O Cristianismo é a mãe da Ciência Moderna?

Por Maya Bohnhoff.

Suposições teológicas únicas ao Cristianismo explicam porque é que a ciência nasceu apenas na Europa Cristã. Ao contrário da sabedoria transmitida, a ciência e a religião não só eram compatíveis, mas também eram inseparáveis… A teologia Cristã foi essencial para o surgimento da ciência. (Rodney Stark, For the Glory of God [2003])
Parafraseando Newton, o ensaísta Noah Efron (da cadeira de Ciência, Tecnologia e Sociedade na Universidade Bar-Ilan, em Israel) nota que “para cada mito existe um mito igual e oposto”. E prosseguindo o seu raciocínio, produz um mito que nunca tinha ouvido antes: o Cristianismo não apenas deu à luz a ciência moderna, mas também – supõe Rodney Stark – seria o único antepassado possível para essa disciplina.

Mas ele não está só na defesa desta ideia. O Pe. Stanley L. Jaki – professor de Física em Seton Hall – tem afirmado que a ciência foi um nado-morto em todas as culturas antigas e apenas teve um nascimento bem-sucedido na Europa Cristã.

Qualquer pessoa conhecedora de história da ciência na Europa tem motivos para questionar esta afirmação, apesar de reconhecer que os ensinamentos Bíblicos encorajam (em vez de desencorajar) o tipo de investigação racional que está no âmago da ciência moderna:
Os céus proclamam a glória de Deus; o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
Um dia passa ao outro esta mensagem e uma noite dá conhecimento à outra noite.
Não são palavras nem discursos cujo sentido se não perceba.
O seu eco ressoou por toda a terra, e a sua palavra, até aos confins do mundo.
(Salmos 19:2-5)
Este trecho da Bíblia dá-nos um convite aberto para explorar o mundo, o cosmos e o nosso ser interior. O Universo físico “passa a mensagem” e “dá conhecimento” sem palavras. Esta ideia – de que o Universo físico fala eloquentemente sobre o seu Criador – é um conceito fundamental em todas as religiões reveladas. Igualmente é a expectativa de que a humanidade use as suas múltiplas e únicas faculdades para “ouvir” o que universo tem a dizer.

Jesus Cristo explica que devemos julgar as coisas pelo seus “frutos” ou resultados (Mat 7:17-20). Posteriormente, Ele reforça esta ideia usando a metáfora que sabemos que o verão está próximo ao observar as evidências dos fenómenos naturais (Mat 24:32). Estas são apenas dois dos muitos trechos em que Cristo invoca a prática da observação e da faculdade racional humana para compreender o mundo e tomar decisões.

Os ensinamentos originais do Judaísmo e do Cristianismo promovem claramente a exploração do universo através da observação e da razão. Assim, não deveria ser surpresa o facto de muitos eruditos Cristãos terem estudado história natural. De Descartes a Newton, de Occam a LeMaitre, os homens da fé Cristã mergulharam de cabeça no estudo do universo que acreditavam ter sido criado por Deus. Mas será correcto dizer que apenas o Cristianismo poderia ter dado origem às ciências físicas?

Sábios Muçulmanos
Tal como Noah Efron salienta no seu ensaio, as ideias Cristãs sobre o universo não são exclusivamente Cristãs. Têm as suas raízes no Judaísmo, foram partilhadas por outras religiões tão diversas como o Budismo ou o Zoroastrismo, e emergiram em culturas tão díspares como a Chinesa e a Grega. Eruditos Muçulmanos como Ibn Sina, Ibn Rushd e outros também tiveram influência na ciência e na cultura.

De facto, todas as pessoas envolvidas no desenvolvimento da ciência dependeram de outros eruditos que existiram anteriormente. Nenhuma ciência surgiu completamente formada numa cultura, religião ou filosofia. Na realidade, os sábios Cristãos da Europa medieval devem muito da sua ciência ao trabalho que os antepassados indianos, persas e gregos herdaram e expandiram. No séc. IX existiam mais livros sobre temas científicos escritos em Árabe do que em Latim ou qualquer outra língua.

A afirmação de que o Cristianismo é a mãe da ciência moderna é significativa numa era em que a unidade na diversidade se tornou uma técnica de sobrevivência. O Dr. Efron nota que quando as pessoas expressam esta ideia, não estão apenas a dizer qualquer coisa sobre o Cristianismo e “os outros”; também estão a dizer algo sobre a ciência. Esta afirmação pretende – na sua essência – que a ciência teve apenas uma história, um único ponto de origem e apenas pode ser entendida de uma única perspectiva.

Esta afirmação sobre o caminho da ciência lembra-me outra semelhante feita por um amigo Evangélico sobre o caminho para Deus. Ele perguntou como é que eu e o meu marido nos tornámos crentes. Eu fui educada como Cristã e o meu marido como Agnóstico; ambos chegámos à Fé Bahá’í – que inclui a aceitação de Cristo – através do amor à razão. O meu amigo evangélico insistiu que isto estava errado. Apenas havia uma maneira de chegar a Deus e esse era através do temor e reconhecimento da nossa própria inutilidade. Esse era o caminho que ele tinha seguido para chegar à fé e nada nas Escrituras que evidenciasse o contrário podia convencê-lo que se podia encontrar Deus por outro caminho.

Basta um breve momento de reflexão para perceber que este conceito particular de Cristianismo está a anos-luz da crença e da fé que inspiraram os primeiros cientistas e filósofos cristãos. Esse conceito reduz a religião e a ciência de sábios não-cristãos a uma admirável insignificância, privada da qualidade intelectual que supostamente apenas os eruditos Cristãos possuem.

Jesus Cristo pediu que os Seus seguidores que avaliassem as afirmações de verdade com a medida da razão - julgar as coisas pelos seus frutos ou resultados. Qualquer olhar objectivo para a história da ciência revela que ela, antes de mais, é um esforço humano e que os humanos que lhe deram forma – para o bem e para o mal – surgiu em todos os cenários possíveis. É certo que podemos afirmar houve contributos mais significativos realizados nos primeiros anos das ciências por crentes de diversas religiões; mas a partir do séc. XIX, o número de cientistas sem religião, agnósticos e ateus tem vindo a crescer.

No entanto, independentemente do sistema de crenças do cientista (e é importante ter presente que a ciência em si não é um sistema de crença), a ciência pode ser usada de forma maligna se não tiver um enquadramento moral que que se aproxime da regra de ouro de Jesus (“O que quiserdes que os outros vos façam, fazei-lho vós também”) e do triplo filtro de Sócrates (“É verdade? É bom? É útil?”).

Tanto a ciência como a religião podem ser, e têm sido, veículos de interesses humanos dogmáticos. No coração da Fé Bahá’í está a firme convicção que devemos fazer o nosso máximo para impedir que isso aconteça. Tal como disse 'Abdu’l-Bahá numa palestra em Nova Iorque em 1912:
A Razão é a primeira faculdade humana e a religião de Deus está em harmonia com ela. (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 231)

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Texto original: Did Christianity Give Birth to Modern Science? (www.bahaiteachings.org)

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Maya Bohnhoff é Baha'i e autora de sucesso do New York Times nas áreas de ficção científica, fantasia e história alternativa. É também compositora/cantora (juntamente com seu marido Jeff). É um dos membros fundadores do Book View Café, onde escreve um blog bi-mensal, e ela tem um blog semanal na www.commongroundgroup.net.

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