sábado, 25 de fevereiro de 2017

Estaremos a viver num Mundo “Pós Verdade”?

Por David Langness.


A verdade é uma; os caminhos são muitos. (Mahatma Gandhi)
Eis uma pergunta difícil: existem múltiplas verdades, ou apenas uma verdade? Não é a verdade, por definição - e em última análise - uma coisa única?

Estas questões importantes têm uma relevância enorme nos tempos modernos, porque chegámos a um ponto em que algumas pessoas afirmam que diferentes grupos podem ter "verdades diferentes" - o que é verdade para você pode não ser verdade para mim; os factos são substituíveis e a verdade é apenas uma questão de perspectiva.

Os defensores mais radicais desta teoria dizem agora que entrámos num mundo “pós-verdade” ou “pós-factual” - uma cultura política onde a "veracidade" (para usar o eufemismo cómico de Stephen Colbert) é enquadrada pelo apelo às emoções em vez do intelecto; e a verdade real e factual está completamente perdida ou irremediavelmente obscurecida.

Em 2016, os Oxford Dictionaries escolheram "pós-verdade" (post-truth) como a sua Palavra do Ano, em grande parte devido ao seu impacto nas muitas eleições e debates políticos em diversas nações e culturas.

Para descobrir as respostas a estas perguntas espinhosas sobre a verdade, vamos fazer uma breve caminhada pela floresta desconcertante daquilo que constitui a verdade no mundo, e ver se podemos encontrar qualquer sentido de tudo.

A maioria dos filósofos diz que os seres humanos reconhecem três tipos diferentes de realidade: 1. verdade subjectiva; 2. a verdade dedutiva ou lógica; 3. verdade indutiva ou científica.

A verdade subjectiva significa experiência pessoal: por exemplo, eu odeio beringela. Para mim, isso é a verdade, e por isso evito comer beringela sempre que puder. Mas tenho uma boa amiga que adora beringela, e usa-a em muitas das suas refeições. Por causa da nossa amizade, concordamos em discordar sobre assuntos relacionados com beringela. A verdade subjectiva, portanto, é simplesmente uma opinião pessoal, influenciada pela experiência de vida, pelo gosto e pelo condicionamento cultural e tão amplamente variável quanto as pessoas no mundo. Assim, a verdade subjectiva é válida - mas apenas de maneira pessoal.

A verdade dedutiva - que alcançamos através da lógica - provavelmente pode ser melhor explicada pelo exemplo de um silogismo: todos os peixes nadam; uma truta é um peixe; portanto, uma truta nada. Esse é um argumento rígido e lógico - se as premissas são verdadeiras, então a conclusão também deve ser verdadeira. Obrigado Aristóteles, Wittgenstein e Alfred North Whitehead. Então, quando queremos ter uma discussão produtiva sobre a verdade, normalmente usamos a estrutura razoável e racional de um caminho lógico para a alcançar. Assim, a verdade dedutiva é universalmente válida.

A verdade indutiva, ou científica, a terceira categoria de verdade, é um pouco mais complicada. A partir de observações científicas, feitas com cuidado e feitas repetidamente, extraímos conclusões indutivas sobre realidades maiores: por exemplo, sabemos que é verdade que a Terra está a ficar mais quente, porque medimos as temperaturas em muitos lugares, muitas vezes, durante um período de tempo muito longo. Temos os dados científicos para provar a verdade dessa afirmação.

Mas porque a ciência exige a constante revisão e re-imaginação das suas conclusões (basta perguntar a Newton ou Einstein), com a investigação científica, só podemos chegar a uma versão actual do que é "verdadeiro". Por exemplo, se eu for astrofísico, posso observar repetidamente que os buracos negros não têm massa; mas algum cientista mais inteligente e com melhor informação pode, no futuro, vir a provar que conseguiu medir a massa de um buraco negro. Lá se vai minha teoria. A ciência, portanto, pela sua própria natureza, nunca descobre uma verdade completamente estabelecida, porque a verdade indutiva, ou científica, irá inevitavelmente aprofundar-se, evoluir, expandir e mudará conforme nossa capacidade de a medir e de a entender. Por natureza, a verdade indutiva, ou científica, evolui sempre. Assim, a verdade científica ou indutiva é válida até ao momento em que muda.

Com essas três categorias de verdade em mente - subjectiva, dedutiva e indutiva - temos um problema: se ignorarmos, confundirmos ou baralharmos estes três tipos de verdade, obteremos o caos. Isso acontece quando a verdade pessoal, subjectiva começa a ultrapassar os seus limites e entra nos reinos dedutivos ou indutivos, e as pessoas começam a realmente acreditar que não existem factos, ou que as suas opiniões fortes significam que eles podem ter o seu próprio conjunto de factos.

As escrituras da Fé Bahá’í ajudam-nos a pôr ordem neste caos e confusão. Isso acontece porque uma verdade válida - dizem os ensinamentos Bahá’ís - é essencialmente uma realidade indivisível:
Primeiro, incumbe a toda a humanidade investigar a verdade. Se tal investigação for feita, todos devem concordar e estar unidos, pois a verdade - ou a realidade - não é múltipla; não é divisível. As diferentes religiões têm uma verdade subjacente; portanto, sua realidade é uma. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 105-106)
Não é múltipla e não é divisível, diz 'Abdu’l-Bahá sobre a verdade. Se isso é verdade, significa que toda a verdade e toda a realidade se combinam para fazer uma única verdade derradeira.

Assim, de acordo com os ensinamentos Bahá’ís, a verdade é uma, mas todos nós a experimentamos de forma diferente. O mundo tem um oceano, mas nós damos-lhe nomes diferentes consoante a nossa geografia. Todos nós vivemos num globo, num sistema solar, num universo, mas ninguém tem exactamente a mesma vida que qualquer outra pessoa. A realidade é uma, mas cada um de nós processa-a e compreende-a através da sua cultura, mentes e alma individualmente distinta das outras. As manifestações da verdade são uma, mas as Escrituras, os Profetas e os sábios variam de uma era para a outra. A religião é uma, embora nos venha de diferentes mensageiros que aparecem em diferentes épocas para diferentes povos.

Assim, a nossa tarefa como seres humanos individuais, inclui descobrir uma verdade mais elevada, e despertar para a consciência da sua unicidade. No próximo ensaio desta série, examinaremos como isso pode acontecer - se mantivermos uma mente aberta sobre o pluralismo da religião; e se dizemos a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.

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Texto original: Are We Living in a “Post-Truth” World? (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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