sábado, 24 de junho de 2006

Ser Baha'i, no Egipto

Segue-se a tradução de uma artigo de Mariam Fam, divulgado pela Associated Press (em 22 de Junho), e publicado em vários jornais e sites noticiosos (Washington Post, Forbes, ABCNews, Yahoo). As frases a bold são apenas aspectos do artigo que me parecem merecedores de destaque. Nos últimos dias, a situação dos baha'is no Egipto também mereceu a atenção do jornal francês La Croix( Bataille judiciaire autour de la reconnaissance des baha'ïs en Egypte).
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CAIRO - Oculto nos bolsos de Labib Iskandar está um pedaço de papel cuidadosamente dobrado com os cantos gastos que nos conta a história de uma comunidade que luta pelo reconhecimento. É um recibo que Iskandar recebeu quando solicitou o documento de identificação informatizado que o Egipto começou a emitir – há mais de cinco anos

Iskandar é um bahai, um membro de uma comunidade religiosa que considera um Persa do séc. XIX, Bahá'u'lláh, como um profeta – um desafio à crença muçulmana que Maomé foi o último profeta. Dado o papel central do Islão na vida do Egipto, o governo não emite um cartão de identidade para um baha'i, mas apenas para muçulmanos, cristãos ou judeus.



O actual documento de identificação de Labib Iskandar
vai perder a validade no final do ano.

O assunto surgiu nas notícias em Abril, quando um tribunal decidiu que os membros da pouco conhecida comunidade baha'i do Egipto tinham o direito de ter a sua religião registada em documentos oficiais. Esse facto levantou um clamor e o Ministro do Interior apressou-se a preencher um recurso; no mês passado, um outro tribunal congelou o caso.

No entanto, a controvérsia mantém-se. Alguns clérigos muçulmanos declaram abertamente que a Fé Baha’i é uma heresia, e os defensores dos direitos civis queixam-se que esta abordagem com mão de ferro ameaça que surjam motins semelhantes aos que ocorreram em muçulmanos e a minoria cristã [copta] em Alexandria.

Apesar da disputa afectar apenas os baha'is do país - cerca de 2000 pessoas entre os 72 milhões de egípcios – proporciona um vislumbre de como uma sociedade outrora cosmopolita se afundou numa cultura onde o fanatismo esmaga as protecções teóricas de liberdade religiosa.

"Antigamente, tudo era mais simples; todos sabiam que eu era baha'i e não tinha qualquer problema com isso" diz Iskandar, um professor de engenharia de 59 anos. "Não havia preconceitos. O fanatismo só agora veio à superfície"

A família cujo processo levou à decisão do tribunal sobre a Fé Baha’i recusou falar aos jornalistas. Mas a experiência dos baha’is no Egipto pode ser vista através de Iskandar e da sua família.

A sua certidão de nascimento e o seu anterior documento oficial de identificação identificam-no como baha'i. Os seus filhos têm certidões de nascimento semelhantes. Mas quando o seu filho mais velho, Ragi, de 24 anos, pediu o cartão de identidade, os funcionários oficiais concordaram em colocar um traço - para indicar um espaço em branco - na secção da religião.

Mais tarde quando o seu filho Hady, de 19 anos, pediu um cartão de identidade, foi-lhe dito que se devia identificar como uma das três religiões oficialmente reconhecidas e nunca mais recebeu os seus documentos, conta Iskandar.

"Ficamos muito preocupados quando eles saem à noite e regressam tarde a casa, especialmente o filho mais novo, pois como ele não tem documentos de identificação, isso pode trazer-lhe problemas" conta Iskandar. "Porque eles são jovens, eles podem aborrecer-se e dizer «Vamos embora do Egipto!»" – uma opção que o velho Iskandar rejeita.

Lahib Iskandar"Eu sou um egípcio. Nasci no Egipto ... e não vou deixar o Egipto" diz ele.

O velho Iskandar pôde requerer o novo documento de identificação, mas nunca o recebeu. Os requerimentos dos seus dois filhos para novos documentos de identificação nem sequer foram aceites. E no final do ano o Egipto não vai reconhecer os antigos documentos de identificação, agora substituídos pelos novos cartões informatizados.

Iskandar lembra-se de frequentar todas as actividades baha’is até que um deceto presidencial de 1960 dissolveu as assembleias baha’is. Em Outubro do ano passado, a sua irmã faleceu e a família não conseguiu obter uma certidão de nascimento por causa da sua fé.

Eles não querem reconhecer a Fé Baha’i. Muito bem. Não há problema. Mas como cidadão egípcio é, ou não, meu direito obter uma certidão de nascimento e um documento de identificação? pergunta ele. “Porque é que querem que eu mude de religião? Porque é que querem que eu seja hipócrita? Eu recuso mentir”.

Abdel Moeti Bayoumi, um intelectual muçulmano, afirma que o pedido dos baha’is de reconhecimento em documentos oficiais fortaleceria um sistema sectário que podia fracturar o país.

Acredite no que quiser acreditar, você e os seus filhos, enquanto o fizer em casa e com portas fechadas”, afirmou ele. “Mas não subverta a ordem pública”.

Bayoumi é um membro do centro de investigação islâmico de Al-Azhar, uma proeminente instituição do saber muçulmano sunita. Tal como muitos intelectuais muçulmanos acredita que o Bahaismo [sic] é uma dissidência do Islão e não uma religião por direito próprio. Afirma que as crenças e práticas baha’is – incluindo considerar Bahá'u'lláh como um profeta – ofendem os muçulmanos.

Acrescentou que os baha’is tiveram sorte pelo facto do Ministro do Interior ter recorrido do veredicto de Abril, pois caso contrário os extremistas podiam tê-los atacado.

Uma declaração de Al-Azhar instava o Egipto a “manter-se firme contra este grupo que agride a religião de Deus”. Instava o governo a criminalizar a Fé Baha’i, e outra declaração do centro de investigação de Al-Azhar, jogando com os sentimentos anti-israelitas da região, argumentava que o Bahaismo[sic] “serve os interesses do Sionismo

Os baha'is afirmam que os os seus lugares sagrados em Israel são usados para desacreditar a sua comunidade. Bahá'u'lláh faleceu em Akko, no que fazia parte do então Império Otomano – e faz parte de Israel. O centro mundial dos 5 milhões de baha’is está em Haifa, Israel, e eles têm outros lugares sagrados na Turquia e no Irão.

Hossam Bahgat, director do Egyptian Initiative for Personal Rights, que acompanhou o caso dos baha’is afirmou que a ignorância dos egípcios em matéria de fé alimentou uma “campanha de difamação.

É outra manifestação da abordagem limitada e de mão pesada com que o Ministro do Interior trata os assuntos religiosos. Existem fortes semelhanças entre estes eventos e os tumultos de Alexandria em termos de falta de tolerância” afirmou ele, referindo-se aos confrontos que opuseram muçulmanos e cristãos e causaram dois mortos e quarente feridos em Abril.

A socióloga política Hoda Zakareya afirma que o Egipto – que até 1950 era o lar de um número significativo de judeus, arménios, gregos e outros – tornou-se menos tolerante.

Acrescentou que a crescente influência de grupos islâmicos, tais como a Irmandade Muçulmana, que pretendem galvanizar as pessoas através da religião e não do nacionalismo, contribuíram para a mudança: “A Irmandade afirma que pretende reconstruir a fracturada consciência colectiva com base na religião. Mas as pessoas estão-se a dividir, e não a unir, em torno do Islão”.

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