Reza Fani-Yazdi é um activista Iraniano-Americano dos direitos humanos e um escritor freelancer que tem publicado muitas coisas sobre a situação dos iranianos sob o regime actual. Fani-Yazdi não está ligado à Comunidade de Baha’i. Mas em 8 de Agosto 2008, publicou um artigo no jornal persa online Irão-Emrooz: iran-emrooz.net. Esse artigo foi traduzido por Ahang Rabbani e publicado no Iranian.com. O texto que se segue apresenta excertos desse artigo.
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CONFISSÃO: Se eu fosse xiita...
Poderei expressar o meu orgulho em ser um muçulmano que está disposto a defender os direitos civis do Bahais?
por Reza Fani-Yazdi
11-Set-2008
Se eu fosse Xiita, se eu fosse um alto-clérigo Xiita, se eu ocupasse um lugar objecto da veneração dos Xiitas, então, ao mesmo tempo que amasse o credo Xiita, também pensaria na humanidade. O meu coração condoer-se-ia com todas as atrocidades cometidas sobre os povos, Xiitas ou outros. E quando visse registos das torturas bárbaras que foram feitas nas prisões da República Islâmica, as lágrimas jorrariam dos meus olhos.
Ao mesmo tempo, se eu tivesse alguma coragem e tivesse a posição de um alto-clérigo religioso, se a sede de poder político e a cobiça pela liderança não tivessem cegado os meus olhos e não tivessem transformado o meu coração em pedra, eu faria o mesmo coisa que o Ayatollah Montazeri fez nos anos 80, com a sua coragem incomparável e sem preocupações com as implicações do seu acto sobre a sua pessoa.
Quando agiu, o Ayatollah Montazeri não era membro dos Mujahedins,[1] nem era um apoiante de qualquer do grupo marxista ou esquerdista. Era um dos arquitectos do regime islâmico; ocupou o lugar do Líder Supremo delegado e a “esperança dos povos e do Imã”. Mas quando testemunhou a carnificina realizada pelo regime e pelas torturas desumanas nas prisões da nação e quando ouviu sobre os massacres que ocorrem dentro das paredes da prisão, então não só o seu coração se condoeu e os seus olhos choraram, como também ele abriu a boca e protestou fortemente e opôs-se a essa tirania.
(...)
O recente esforço do Ayatollah Montazeri na defesa dos direitos civis dos Baha’is é mais outra evidência da sua coragem histórica. [2]
O significado da sua notável defesa da comunidade Baha’i e dos direitos civis dos baha’is é ainda mais acentuado quando, mesmo depois da sua declaração, ainda encontramos apenas uma mão cheia de intelectuais religiosos que concordam em apoiar os direitos civis dos baha'is. E um ou dois que tiveram coragem de falar em apoio dos direitos civis da comunidade baha'i, apenas tiveram essa coragem após a declaração corajosa do Ayatollah Montazeri; caso contrário, continuariam, provavelmente, remetidos ao silêncio neste assunto vital.
A defesa da comunidade Baha’i pelo Ayatollah Montazeri expressa o seu profundo compromisso com os direitos humanos.
Como clérigo xiita, ou como devoto xiita, é evidente que o Ayatollah Montazeri não tem simpatia pela comunidade Baha’i ou pelos seguidores dessa religião. De facto, na sua perspectiva religiosa e convicção jurisprudente, provavelmente ele considera a Fé Baha’i como uma seita perversa, oponente e inimiga do credo xiita.
Mas não obstante, ele defendeu os direitos cívicos dos Baha’is do Irão, querendo com isso dizer que ele possuem todos os direitos inerentes à sua cidadania.
A importância histórica deste veredicto reside no facto de que durante 150 anos, nenhuma autoridade religiosa ter mostrado a mesma coragem na defesa dos direitos dos Baha’is , particularmente num momento em que o Governo em nome do “Islão” se tem dedicado a suprimir os seguidores dessa religião.
O acto do Ayatollah Montazeri representa um novo capítulo na defesa dos direitos civis dos Baha’is, tornando-se direitos reconhecidos por uma das mais altas autoridades religiosas dos meios Xiitas. Não sei se eu fosse um clérigo de nível tão elevado, ou se me tivesse tornado alvo de tanto respeito entre os Xiitas, ou se tivesse sido Líder Supremo delegado, se teria a coragem, a humanidade e a profunda convicção nas virtudes e direitos humanos que levaram o Ayatollah Montazeri a defender os seus opositores detidos. Não sei se eu seria capaz de agir de forma tão nobre quanto ele.
(...)
Durante estes anos, uma corajosa advogada, a Sra. Shirin Ebadi, tem consentido defender aqueles que têm sido frequentemente rejeitados como clientes por outros advogados. Repetidamente ela tem demonstrado esta audácia.
Aceitar a defesa dos Bahá’ís detidos foi o seu mais recente gesto de coragem.
(...)
Para neutralizar uma maliciosa campanha dirigida contra si, a Sra Ebadi anunciou numa conferência de imprensa que ela é xiita e tem orgulho de pertencer a essa religião, mas que ao mesmo tempo vai continuar a defender os direitos civis dos Baha’is.
(...)
Não sei quantos entre nós, se vivêssemos no Irão e se fossemos Xiitas (e se acreditássemos verdadeiramente na nossa religião!), e se fossemos advogados, e se a nossa vida estivesse constantemente ameaçada pelas autoridade oficiais e pelos seus capangas contratados, continuaríamos, tal como a Sra Ebadi, a defender os Baha’is. Existem centenas, talvez milhares, de advogados Xiitas no Irão e poucos deles ponderaram aceitar um caso destes.
Quando a Sra Ebadi afirma que é Xiita, ela não está a mentir. Ela é Xiita, da mesma maneira que o Ayatollah Montazeri é Xiita. Ela aceitou defender os Baha’is e os seus dirigentes nos tribunais da Republica islâmica após três décadas em que os Baha’is têm sido brutalmente suprimidos, apesar de existirem milhares de outros advogados e juristas no Irão.
Porque é que ela não pode expressar o seu orgulho em ser Xiita ao mesmo tempo em que se levanta para defender os direitos dos Baha’is? Deveria seguir a situação que os editores do jornal Kayhan insistem, nomeadamente que se insiste em defender a situação dos Bahá’is, então deve abandonar a sua fé xiita? Está escrito nalgum lado que apenas os Baha’is podem defender os Baha’is?
Eu posso ser judeu e ter orgulho em ser judeu. Eu posso ser cristão e ter orgulho em ser cristão. Eu posso ser xiita e ter orgulho em ser xiita. Eu posso não ter religião e ter orgulho em não ter religião.
Mas ao mesmo tempo que tenho orgulho das minhas convicções, se me levantar para defender os direitos de outros, então também posso ter orgulho da minha humanidade.
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NOTAS
[1] Existem diversos grupos no Irão que se intitulam Mujahedin (guerreiros santos). O mais conhecido destes grupos é o Mujahedin do Povo do Irão, que actualmente são uma organização sediada no Iraque e que defende o derrube do actual regime iraniano e acredita que o socialismo e a religião podem viver lado a lado.
[2] – Sobre a iniciativa do Ayatollah Montazeri em defender os Baha’is, ver este post.
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