segunda-feira, 2 de março de 2009

Hans Küng: a Igreja e a Teoria da Evolução

O mais importante argumento contra a teoria da evolução de Darwin, então e com frequência mesmo hoje: Não se pode passar por cima das importantíssimas consequências para a fé e os costumes, da revolução que essa teoria provoca, inclusive para a própria religião. Não perde a criação a sua beleza ficando transformada em um processo sem finalidade, sem objectivo e sem sentido? Não fica o homem deposto de sua condição de coroa da criação, tornando-se semelhante ao macaco, em vez de semelhante a Deus? Não é desacreditada igualmente a ética: em lugar da solidariedade humana, a luta com todos os meios pela sobrevivência? Tudo isto não faz com que Deus se torne inteiramente supérfluo? Haverá ainda lugar para Deus neste mundo e no desenvolvimento do mundo?

Da mesma forma como já havia ocorrido antes com os novos conhecimento da física e da astronomia, e mais uma vez demonstrando incapacidade para aprender, torna-se a identificar a mensagem bíblica com uma determinada teoria científica. Obstinados, os adversários de Darwin julgam estar apoiados em uma rocha pretensamente segura na sua luta contra as ondas do pernicioso "evolucionismo" e em favor de um "fixismo" em concordância com a Bíblia e a tradição. Na igreja anglicana e nas outras igrejas, as armas foram as mesmas que já tinham sido empregadas contra Galileu: livros, panfletos, artigos, caricaturas e as pregações e o catecismo, naturalmente.

(...)

O tratamento do caso Darwin, precisamente na Igreja Católica, foi tão sintomático quanto o do caso Galileu. Já em 1860, um ano após a publicação da Origem das Espécies, e no ano em que foi publicada a tradução da importante obra de Darwin, o episcopado alemão posicionou-se oficialmente no concílio particular de Colônia contra a teoria da evolução, com esta explicação: Que o corpo do homem tenha evoluído das espécies animais superiores está em contradição com a Sagrada Escritura, devendo ser rejeitado como inconciliável com a fé católica. A maioria dos teólogos católicos, e mais tarde também o magistério romano, seguiram a mesma linha. (...)

Só em meados do século 20 é que Roma começa a ceder, forçada pelo grande peso dos resultados científicos. Ainda em 1941, quase um século após a publicação da Origem das Espécies de Darwin, o Papa Pio XII, em uma alocução aos membros da Academia Pontifícia de Ciências, afirmava que a origem da vida humana a partir de ascendentes animais não estava de maneira alguma comprovada, e - involuntariamente, levando-nos a traçar um paralelo com a encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, sobre a regulação da natalidade (1968) - que é preciso aguardar novas pesquisas. Só em 1950, na encíclica Humani generis, sobre opiniões falsas que ameaçam a doutrina católica (reaccionária do princípio ao fim), Pio XII, com muitas advertências e reservas, condescendentemente admite a contragosto que o problema ainda não esclarecido de uma evolução do corpo humano precisa de ser mais estudado pela ciência e teologia - dentro de certas condições, é claro. Pois é preciso ater-se à criação direta da alma humana por Deus e à origem do gênero humano a partir de um único casal (monogenismo). De resto é necessário que em todos os casos se siga o juízo do magistério eclesiástico. Poucas semanas mais tarde, em 1º de novembro de 1950, o papa proclama solenemente o dogma "infalível", difícil de entender não apenas para os cientístas - pois não é atestado nem na Bíblia nem nos primeiros séculos do cristianismo - da ascensão corporal de Maria ao céu!

Hans Küng, O Princípio de Todas as Coisas, pags. 129-132
(Editora Vozes, Petropolis, 2007)

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