Daniel Oliveira, ontem no Expresso:
A violência e o caos são telegénicos. A distopia de uma sociedade sem Estado - nestes momentos recordamos a falta que ele nos faz - excita a imaginação dos europeus. No meio da ausência de regras e de Estado o instinto de sobrevivência não resulta apenas em barbárie sem limites.
A Rádio Caraíbas transformou-se num autêntico centro de operações. No início era apenas um guichê de perdidos e achados. Mas porque no Haiti não há Estado passou a ser a voz de comando para que os moradores de Port-au-Prince organizassem as suas vidas em comunidade. Para combater o caos e o boato. Para levar os pedidos de ajuda às organizações internacionais. Como nos mostram alguns canais de televisão internacionais que não se dedicam ao voyeurismo, em vários bairros os haitianos organizam-se para se ajudarem uns aos outros. Sem a ajuda de ninguém, juntam o pouco que há para a sobrevivência de todos.
A solidariedade humana não é menos natural que a barbárie e o egoísmo. Não cabe é em cinco segundos de imagens num telejornal e não alimenta o cinismo sistemático sobre a natureza humana. Mas não é obra de pessoas extraordinárias. Nem é excepção que confirma a regra. Ela não existe apenas por imposição moral do poder. Surge na luta pela sobrevivência tão espontaneamente como a violência. Porque é tão humana como a violência.
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