A literatura Bahá’í traduzida no Brasil e a
terminologia usada pelos Bahá’ís de Portugal apresentam a palavra inglesa Covenant traduzida como Convénio.
No entanto, a palavra “convénio” é rara na literatura
religiosa portuguesa. Não consta nas duas traduções mais comuns da Bíblia para português-PT
(Capuchinhos e João Ferreira de Almeida), nem português-BR (Bíblia de
Jerusalém). Também não a encontro nas obras do Pe. António Vieira.
Nestas traduções Bíblicas - e na esmagadora maioria de
literatura religiosa em Português - este conceito é descrito como Aliança. Assim, penso que é legítimo
questionar a utilização do termo convénio
na literatura Bahá’í.
Vamos começar por ver o que nos dizem os dicionários sobre o
significado destas palavras.
No dicionário Inglês-Português da Porto-Editora,
encontramos as seguintes traduções possíveis para a palavra Covenant:
covenant, 1. s. ajuste, pacto, tratado; convénio || Ark of the C. (bíbl.) Arca da Aliança
|| land of the C., terra Prometida; 2.
vt. e i. concordar, convir
Podemos perceber que a tradução literal da palavra covenant para convénio está correcta. Mas num contexto religioso também é adequado
usar a palavra aliança.
No dicionário de Língua Portuguesa da Porto-Editora
(2004) encontramos as seguintes definições:
aliança s.f. 1. acto ou efeito de aliar; 2. laço entre pessoas ou entidades que
se prometem mútuo auxílio; pacto; acordo; 3.
anel de casamento; 4. casamento
convénio s.m. 1. convenção política; 2. pacto internacional; 3. ajuste; acordo
Graças a estas definições, percebemos que a palavra Aliança
tem um significado mais amplo do que Convénio. Mais do que um mero acordo, uma
Aliança implica um laço, uma ligação entre as partes envolvidas.
Vejamos agora como são usadas estas palavras na Bíblia.
Na tradução Capuchinhos (português-PT) da Bíblia encontramos
diversas referências à aliança de Deus com os que aceitam a revelação do Seu
Manifestante. Como sabemos, esta é a Eterna Aliança que se renova com o
aparecimento de cada Manifestante de Deus. Vejamos alguns exemplos:
Abrão tinha noventa e nove anos,
quando o Senhor lhe apareceu e lhe disse: «Eu sou o Deus supremo. Anda na minha
presença e sê perfeito. Quero fazer uma aliança contigo e multiplicarei a tua descendência
até ao infinito. (Gn 17: 1-2)
Deus respondeu: Vou fazer uma aliança contigo: na
presença de todo o povo, realizarei prodígios, como jamais se fizeram em parte
alguma, nem em nenhuma nação; e o povo que te cerca há-de ver então a obra do Senhor,
porque espantosas são as coisas que vou fazer por teu intermédio. (Ex 34:10)
Em seguida, tomou um cálice, deu
graças e entregou-lho, dizendo: «Bebei dele todos. Porque este é o meu sangue,
sangue da Aliança,
que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados. (Mt 26:27-28)
As traduções de João Ferreira de Almeida (português-PT) e
Jerusalém (português-BR) também usam a palavra Aliança para definir este mesmo
conceito. A palavra Convénio nunca está presente nestas traduções. Nas
traduções inglesas da Bíblia, este conceito é descrito com a palavra covenant.
No entanto, esta mesma Aliança é referida como Convénio nas
traduções Bahá’ís em português-BR e em português-PT.
Na minha opinião, a utilização da palavra convénio como tradução da palavra
inglesa covenant, é uma tradução
literal que empobrece e descontextualiza os textos.
Recordemo-nos que uma tradução não é apenas uma conversão de
um texto de uma língua para outra. Frequentemente a tradução exige também a
transposição de uma cultura para outra e até mesmo uma fusão de culturas.
No caso da tradução da palavra covenant para português, é necessário fazer a transposição
cultural. O uso do termo convénio - estranho à cultura religiosa e à
literatura religiosa portuguesa - não só empobrece o texto (retirando-lhe o
significado mais correcto e abrangente) como também o torna mais difícil de
perceber por pessoas de origens cristãs.
Uma tradução que considera o contexto religioso do texto - i.e.,
onde é feita a transposição cultural - leva-nos a usar a palavra aliança
para descrever a ligação estalecida entre Deus e a Humanidade desde os tempos
de Abraão (a “Eterna Aliança”) e a ligação estabelecida entre Bahá’u’lláh e os
Seus seguidores para preservar a unidade da Comunidade (a “Aliança de
Bahá’u’lláh”).
Por último, recordemo-nos que a Fé Bahá’í é herdeira das
religiões do passado; por esse motivo deve usar terminologia conhecida quando
se trata de designar os conceitos comuns a essas religiões.
Por todos estes motivos, sugiro que sejam corrigidas as
traduções existentes.
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Exemplos de
utilização da palavra “Aliança” na literatura Bahá’í.
Nas Escrituras do Báb
O Senhor do universo jamais levantou um profeta, nem
fez descer um Livro, sem que tivesse estabelecido a Sua aliança com todos os homens,
apelando à sua aceitação da Revelação seguinte e do Livro seguinte… (Selections from the Writings
of the Bab, pag. 88)
Nas Escrituras de Bahá’u’lláh
Recitai os versículos de Deus cada manhã e noite. Quem
não os recita, em verdade falhou no seu compromisso com a Aliança de Deus e Seu
Testamento, e quem, neste dia, se afastou deles, afastou-se de Deus desde os
tempos imemoriais. (Spiritual Foundations, p. 1)
Este é o Dia, ó meu Senhor, que revelaste a toda a
espécie humana como o Dia em que revelarias o Teu Próprio Ser... Além disso,
celebraste uma aliança com eles, nos Teus Livros e nas Tuas Escrituras, nos
Teus Pergaminhos e nas Tuas Epístolas, sobre Aquele que é a Alvorada da Tua
Revelação, e nomeaste o Bayán para ser o Arauto do Teu Mais Grandioso e
Todo-Glorioso Manifestante... (Prayers and Meditations, pag. 275)
... Os que violaram a Aliança de Deus desobedecendo
aos Seus mandamentos e voltando as costas, esses têm errado severamente aos
olhos de Deus, o Possuidor de Tudo, o Altíssimo. (GWB, CLV)
Nas Escrituras de
‘Abdu’l-Bahá
Enquanto não atingirdes esta condição, não podereis dizer ter
sido fiéis à Aliança e Testamento de Deus. Pois Ele, através de Textos
irrefutáveis, celebrou uma Aliança vinculativa com todos nós, exigindo que agíssemos
de acordo com as Suas sagradas instruções e conselhos". (SWAB, #35)
Quanto à referência n'As Palavras Ocultas sobre a Aliança estabelecido
no Monte Paran, isto significa que aos olhos de Deus, o passado, o presente e o
futuro são um só e o mesmo... E é um princípio básico da Lei de Deus que em
cada Missão Profética, Ele estabelece uma Aliança com todos os crentes – uma
Aliança que se mantém até ao fim dessa Missão, até ao dia prometido em que a
personagem estipulada no início da Missão se torna manifesta. Considerai
Moisés... Em verdade, no Monte Sinai, Moisés estabeleceu uma Aliança referente
ao Messias, com todos aqueles que viveriam no tempo do Messias. E essas almas,
apesar de terem aparecido séculos depois de Moisés, estavam - no que se refere à
Aliança que é intemporal - ali presentes com Moisés. (SWAB, #181)
... com a Sua própria pena Ele escreveu o Livro da Sua
Aliança, dirigindo-se aos Seus familiares e a todos os povos do mundo, dizendo:
«Em verdade, nomeei Aquele que é o Centro da Minha Aliança. Todos devem
obedecer-Lhe; Ele é o Explicador do Meu Livro, e Ele está informado sobre o Meu
propósito. Todos se devem voltar para Ele. Qualquer coisa que Ele diga está
correcto...» O propósito desta afirmação é que nunca exista discórdia ou divergência
entre os Bahá'ís, mas que estejam sempre unidos e em concórdia... Assim, quem
obedece ao Centro da Aliança nomeado por Bahá'u'lláh obedece a Bahá'u'lláh; e
quem Lhe desobedece, desobedece a Bahá'u'lláh... (PUP, pag. 322-323)
Os verdadeiros amantes da beleza de Abhá, e aqueles
que sorveram do Cálice da Aliança, não temem calamidade, não desanimam na hora
da provação... (SWAB, #229)
Nos textos de Shoghi
Effendi
[Existe uma] Aliança geral que, conforme inculcam os
ensinamentos Bahá'ís, o próprio Deus estabelece com a humanidade quando
inaugura uma nova Dispensação. (WOB, pag. 137)
Então, [quando se estabelecer a Comunidade Mundial Bahá'í] a
maturidade de toda a espécie humana será proclamada e celebrada por todos os
povos e nações da terra. Então, o estandarte da Mais Grandiosa Paz será
hasteado. Então, a soberania mundial de Bahá'u'lláh - o Fundador do Reino do
Pai predito pelo Filho, e antevisto pelos Profetas de Deus antes e depois d'Ele
- será reconhecido, aclamado e firmemente estabelecida. Então, uma civilização
mundial nascerá, florescerá e perpetuar-se-á, uma civilização com uma plenitude
de vida como o mundo nunca viu, nem pode ainda conceber. Então, a Eterna
Aliança cumprir-se-á plenamente. Então, a promessa contida nos Livros de Deus
será redimida, e todas as profecias proferidas pelos Profetas do passado cumprir-se-ão,
as visões dos videntes e poetas realizar-se-ão. Então, o planeta... será...
capaz de cumprir esse destino indescritível que lhe foi determinado desde tempos
imemoriais, pelo amor e sabedoria do Seu Criador". (PDC, pag. 123-124)
No que respeita ao significado da Aliança Bahá’í, duas
formas de Aliança... A primeira é a Aliança que todos os Profetas fazem com...
o Seu povo para que aceite e siga o Manifestante seguinte... A segunda forma de
Aliança é do género que Bahá'u'lláh fez com o Seu povo para que aceitassem o
Mestre. Isto é apenas para estabelecer e fortalecer a sucessão de uma série de
Luzes que surgem após cada Manifestante. Sob a mesma categoria encontra-se a
Aliança do Mestre feita com os Bahá'ís para que aceitassem a Sua administração
depois d'Ele... (Escrito em nome de Shoghi Effendi, Lights of Guidance,
pag. 147)
Nos textos da Casa
Universal de Justiça
Existe, por exemplo, a Grande Aliança que todos os
Manifestantes de Deus fazem com os Seus seguidores, prometendo que na plenitude
dos tempos será enviado um novo Manifestante, e recebendo deles o compromisso
de O aceitarem quando isso ocorrer. Também existe a Aliança Menor que o
Manifestante de Deus faz com os Seus seguidores para que depois d'Ele aceitem o
Seu sucessor nomeado. (The Power of the Covenant, Part II, 4)
[É] a Aliança de Bahá'u'lláh… que liga o passado e o futuro
com etapas progressivas em direcção ao cumprimento da antiga Promessa de
Deus... Concentração neste tema permitir-nos-á a todos obter uma mais profunda
apreciação do significado e propósito da Sua Revelação As questões a que este
estudo cuidadoso deverá responder devem indubitavelmente incluir o significado
da Aliança Bahá'í, a sua origem e qual deve ser a nossa atitude em relação a ela"
(Mensagem de Ridván, 1987)
Cada Bahá'í é livre, ou melhor, é instado, a expressar
livremente a sua opinião e compreensão sobre os Ensinamentos, mas tudo isto
está numa categoria totalmente diferente de um Bahá'í que se opõe claramente
aos Ensinamentos de Bahá'u'lláh, ou que expressa a sua opinião como uma
interpretação correcta e autorizada dos Ensinamentos, e que ataca ou opõe-se às
próprias instituições que Bahá'u'lláh criou para proteger a Sua Aliança. Quando
uma pessoa declara a sua aceitação de Bahá'u'lláh como Manifestante de Deus,
ela torna-se parceira da Aliança, e aceita a totalidade da Sua Revelação. Se
ela depois muda de posição, ataca Bahá'u'lláh ou a instituição central da Fé,
ela viola a Aliança. Se isto acontece, devem-se fazer todos os esforços para
ajudar essa pessoa a ver o erro e falta de lógica das suas acções; mas se ela
persistir, de acordo com as instruções do próprio Bahá'u'lláh, ela deve ser
afastada como violadora da Aliança. (carta de 23/Março/1975)
4 comentários:
Je suis d'accord qu'il faut utiliser les mots usités par les fois précédentes. Les francophones ont choisi "alliance".
We have just had this discussion also among ourselves when recently participating in a local municipal event called "Oracao pela Paz em Nome do Convenio". Both "alliance" and "covenant" exist in English, which is of course, one of the major languages in which Shoghi Effendi wrote in.
Alliance is used in English more in the context of equal partners agreeing. So we see alliance used in the political realm between nations acting as partners, where one country is allied with another.
The word "covenant" denotes an agreement in a religious sense where the parties are not igual. It is much more serious and binding. It is truly a term used often in the Bible - at least in English.
You can see the definitions here: https://www.merriam-webster.com/dictionary/alliance
Webster's big dictionary was used by Shoghi Effendi, according to Rhuhiyyih Khanum.
It would make sense to me that Leonora Armstrong would translate covenant into convenio and not allianca.
For me the most important points are these: since we cannot join partners with God - it is not an alliance but a covenant which has been made.
Thank you for your comment, Wandra.
What you wrote may be valid for English language.
But for Portuguese language culture, things are different.
The fact is that in our culture, we use the word “Aliança” to describe a religious Covenant. And in Portuguese, “Aliança” means a stronger link than a “convénio”; and it does not imply equal partners.
Therefore, our culture and language lead us to use the word “Aliança” instead of “Convénio”.
Concordo plenamente, Marco. Acho que há uma resistência devida ao fato de que esta palavra convênio se tornou consagrada em português porque a primeira tradutora da literatura bahá'í para a língua portuguesa foi dona Leonora e, embora ela tenha feito um empreendimento heróico para traduzir para uma lingua que desconhecia inicialmente, com certeza ela não conhecia essas particularidades da língua portuguesa. Tenho até mesmo a sensação de que essa resistência de muitas pessoas atualmente é justamente devida ao apreço que elas têm por essa palavra justamente por ter sido a palavra escolhida pela dona Leonora que é a mãe espiritual da América do Sul, mas francamente acho que isso não se justifica.
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