domingo, 23 de agosto de 2015

Laudato Si': Riqueza Extrema e a Pobreza Extrema

Por Arthur Lyon Dahl.


Deus criou o mundo como um só – as fronteiras foram marcadas pelo homem. Deus não dividiu as terras ... É por isso que Bahá'u'lláh diz: "Que vão se vanglorie o homem que ama o seu país, mas que aquele que ama a sua espécie." Todos são uma família, uma raça; todos são seres humanos. ('Abdu'l-Baha, Abdu'l-Bahá in London, p. 55)
Ao longo da sua nova encíclica sobre a pobreza e o ambiente, o Papa entrelaça preocupações ecológicas e sociais:
Não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver, no coração, ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos… exige-se uma preocupação pelo meio ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade. (¶91)

Hoje, crentes e não-crentes estão de acordo que a terra é, essencialmente, uma herança comum, cujos frutos devem beneficiar a todos. Para os crentes isto torna-se uma questão de fidelidade ao Criador, porque Deus criou o mundo para todos. Por conseguinte, toda a abordagem ecológica deve integrar uma perspectiva social que tenha em conta os direitos fundamentais dos mais desfavorecidos. O princípio da subordinação da propriedade privada ao destino universal dos bens e, consequentemente, o direito universal ao seu uso é uma regra de ouro do comportamento social… (¶93)
No capítulo 3 da Laudato Si ', o Papa explora as raízes humanas da crise ecológica, com foco no paradigma tecnocrático dominante, no lugar dos seres humanos e na acção humana no mundo. Aqui, a consciência social do Papa é particularmente evidente:
... deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos que outros. Deixámos de notar que alguns se arrastam numa miséria degradante, sem possibilidades reais de melhoria, enquanto outros não sabem sequer o que fazer ao que têm, ostentam vaidosamente uma suposta superioridade e deixam atrás de si um nível de desperdício tal que seria impossível generalizar sem destruir o Planeta. Na prática, continuamos a admitir que alguns se sintam mais humanos que outros, como se tivessem nascido com maiores direitos. (¶90)
Este foco na enorme desigualdade entre as pessoas, tão fortemente proclamado na Laudato Si' , é um eco claro do mesmo que encontramos nos ensinamentos Bahá'ís:
Um financeiro com riqueza colossal não deveria existir, enquanto perto dele houver um homem pobre em necessidade extrema. Quando vemos que se deixa a pobreza chegar a uma situação de fome, isso é um sinal certo de que em algum lugar se encontra a tirania. Os homens devem agir nesta matéria, e não devem adiar mais a alteração das condições que trazem a miséria da pobreza opressiva a um vastíssimo número de pessoas. Os ricos devem doar parte da sua abundância, suavizar os seus corações e cultivar uma inteligência compassiva, pensando naqueles pobres seres que sofrem com a falta de meios elementares de subsistência.

Devem existir leis especiais que tratem destes extremos de riqueza e pobreza. Os membros do Governo devem considerar as leis de Deus quando elaborarem planos para dirigir os povos. Os direitos gerais da humanidade devem ser protegidos e preservados.

Os governos dos países devem seguir a Lei Divina que confere justiça igual para todos. Este é o único meio pelo qual podem ser abolidas a deplorável superabundância de grande riqueza e a miserável, desmoralizante e degradante pobreza. Enquanto isto não for feito, a Lei de Deus não será obedecida. ('Abdu'l-Bahá, Paris Talks, pp 153-154.)
Taxa de Pobreza, baseada na Paridade de Poder de Compra

Ao isolarmo-nos da realidade natural e espiritual, caímos na armadilha da sociedade de consumo. O nosso excessivo antropocentrismo atravessa-se no caminho da compreensão mútua e impede qualquer esforço para fortalecer os laços sociais. "Se o ser humano se declara autónomo da realidade e se se constitui dominador absoluto, desmorona-se a própria base da existência." (¶117) Centrámo-nos em nós próprios e demos prioridade absoluta às nossas conveniências imediatas, e relativizámos todo o resto. Qual foi o resultado? Individualismo desenfreado, com muitos problemas sociais relacionados com a actual cultura egocêntrica de satisfação imediata. O mercado tenta promover o consumismo extremo num esforço para vender os seus produtos; por isso, somos facilmente apanhados num consumismo compulsivo de compras e gastos desnecessários. Quando as pessoas se tornam egocentristas, a sua ganância aumenta:
...quanto mais vazio está o coração da pessoa, tanto mais necessita de objectos para comprar, possuir e consumir. Num tal contexto, parece não ser possível para uma pessoa, que a realidade lhe imponha limites… a obsessão por um estilo de vida consumista, sobretudo quando pouco têm possibilidade de o manter, só poderá violência e destruição recíproca. (¶204)

O ser humano não é plenamente autónomo. A sua liberdade desvanece-se quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro de um lúcido domínio de si. (¶105)
Qualquer sociedade que se foca exclusivamente na vida material da humanidade - afirmam o Papa e os ensinamentos Bahá'ís - interrompe o seu progresso espiritual e ignora o enorme impacto negativo que tem sobre a própria Terra.

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Texto original: Extreme Poverty and Extreme Wealth, Explained (bahaiteachings.org)

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Arthur Lyon Dahl foi investigador do Museu de História Natural de Washington e consultor da UNCED (United Nations Conference on Environment and Development). É autor de diversas publicações e actualmente é Presidente do Forum Ambiental Internacional, em Genebra (Suiça)

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