Como mulher Bahá'í, muitas vezes me pergunto se o feminismo é compatível com a religião. E na maioria das vezes, tendo a responder que não. O feminismo é definido como um movimento para acabar com o sexismo, que é depois definido como preconceito, estereótipo ou discriminação, geralmente contra as mulheres, com base no sexo. Um movimento desses deve tentar erradicar as normas sociais e valores religiosos e culturais que pressionam as pessoas a adoptar determinadas funções, atributos ou obrigações, ou limitam os seus direitos e responsabilidades, com base no seu sexo. Por outro lado, as religiões atribuem muitas vezes funções, obrigações e direitos para as pessoas com base no seu sexo. Uma religião só pode ser compatível com o feminismo se estiver em silêncio no tema do sexo das pessoas, ou se afirmar que o sexo não é um factor determinante nos papéis e estilos de vida das pessoas.
A Fé Bahá'í, definitivamente, não é assim. Nascida há cerca 170 anos, no Irão, a Fé Bahá'í é uma religião relativamente nova, supostamente adequada aos tempos actuais. Ainda assim, tem situações particulares de atribuição de diferentes papéis para mulheres e homens no nível da vida individual, familiar e social. Os homens, por exemplo, são obrigados a fazer uma peregrinação se tiverem capacidade financeira para tal, e as mulheres têm o direito a fazê-la, mas não são obrigadas. As mulheres podem decidir não jejuar, e dizer orações obrigatórias ou uma oração alternativa, durante a menstruação. As mulheres estão privadas do direito de ser eleitas como membros da Casa Universal de Justiça. As mães têm o direito ao apoio financeiro dos seus maridos, mas o contrário não acontece. Um homem necessita dar um dote à mulher para o casamento. Nas situações em que não existe um Testamento de uma pessoa falecida (o que não é suposto acontecer com muita frequência, pois os Bahá'ís são obrigados por Bahá’u’lláh a escrever um testamento para definir como desejam distribuir os seus bens), alguns dos seus familiares do sexo feminino recebem uma herança um pouco menor do que os parentes do sexo masculino. As meninas têm prioridade na educação, se as oportunidades para educar as crianças forem limitadas.
A Fé Bahá'í, tal como muitas outras religiões, não é completamente compatível com o objectivo feminista de acabar com "a discriminação em função do sexo." No entanto, é definitivamente compatível com o objectivo de acabar com preconceitos e estereótipos com base no sexo. Com efeito, o princípio da "igualdade entre homens e mulheres" é um dos princípios fundamentais da Fé, todos eles focados no objectivo final da unidade da humanidade. 'Abdu'l-Bahá, o filho do fundador da Fé Bahá'í e Seu sucessor nomeado como líder da Fé Bahá'í, descreve homens e mulheres como "iguais aos olhos de Deus" e dotados de "perfeições e inteligência [...] sem diferenciação ou distinção quanto à superioridade [1]"; considerar as mulheres como inferiores não está de acordo com o plano de Deus. Também explicou que a única razão para o atraso das mulheres é a "falta de educação e formação, [... e] de igualdade de oportunidades [2]". Este ponto de vista não é o único aspecto promissor que podemos encontrar na Fé Bahá'í sobre as mulheres.
A Fé Bahá'í ainda tem o potencial para melhorar a actual opinião do mundo em relação a assuntos que ainda são um problema, mesmo no Ocidente. Por exemplo, ‘Abdu’l-Bahá reconhece que a desigualdade entre homens e mulheres não é apenas uma questão feminina: Ele descreve o mundo da humanidade como um pássaro, em que uma das asas são mulheres e a outra são os homens, e afirma que o pássaro não pode voar, a menos que as duas asas sejam suficientemente fortes. Portanto, a desigualdade actual é uma questão que provoca sofrimento a todos, independentemente do seu sexo, e que atrasa o progresso da nossa civilização pode fazer neste mundo.
Outro exemplo é o reconhecimento implícito de 'Abdu'l-Bahá do assim chamado "efeito menina". Ao descrever porque é que se deve dar prioridade à educação das meninas quando as oportunidades são limitadas, ‘Abdu’l-Bahá afirma que isto se deve ao facto de elas virem a ser mães e as primeiras educadoras dos filhos. O "efeito menina" refere-se a uma descoberta recente na área do desenvolvimento socio-económico sobre como tornar as meninas a primeira prioridade na educação nas áreas pobres faz com que os programas de desenvolvimento sejam mais sustentáveis, evitando gravidezes precoces e ter filhos pobres, permitindo-lhes criar os filhos capacitados que não precisam de tanta ajuda caridade quando crescem na geração seguinte.
Outro exemplo é a culpabilização das vítimas. Bahá'u'lláh, o fundador da Fé Bahá'í sugere que nenhuma mulher merece ser agredida, independentemente do seu aspecto ou onde que esteja:
"O meu objectivo ao vir a este mundo corrupto [...] é estabelecer, através do poder de Deus e Seu poder, as forças da justiça, confiança, segurança e fé. Por exemplo, se uma mulher [...], que seja insuperável na sua beleza e adornada com as mais requintadas e valiosas jóias, viajar sozinha e sem véu, do oriente ao ocidente, passando por todas as terras e visitando todos os países, haverá um tal padrão de justiça, confiança e fé por um lado, e a ausência de traição e degradação por outro, que não se encontraria alguém que gostasse de lhe roubar os seus bens ou lhe lançasse um olhar pérfido e lascivo sobre a sua bela castidade! [3]"Considerando isto no contexto de onde Bahá’u’lláh veio, onde todas as mulheres costumavam usar véu e viajar sem um guardião masculino seria considerado quase uma impossibilidade, isto foi bastante revolucionário. A Fé Bahá'í afirme que os seus mandamentos são enviados por Deus para os tempos actuais, e válidos durante pelo menos alguns séculos; sendo assim, isto acaba por não ser uma surpresa, e até se poderia esperar ainda mais!
Tendo em conta todos os seus princípios e ensinamentos por um lado positivo, e todas as discriminações que faz com base no sexo do outro lado, eu ainda não tenho resposta clara para esta pergunta: Será a Fé Bahá'í, tal como ela é, e sem qualquer filtro, compatível com o feminismo?
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NOTAS:
[1] The Promulgation of Universal Peace; p.174
[2] Ibid
[3] Adib Taherzadeh’s The Revelation of Bahá’u’lláh v 2, p. 141
TEXTO ORIGINAL: Is My Baha’i Faith Compatible with Feminism? (www.feminismandreligion.com)
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Saba Farbodkia é um estudante de Doutoramento em Neurociência na Queen’s University, Ontario (Canadá). Nascida no Irão numa família Bahá'í, aceitou a Fé Bahá'í aos 15 anos, e fez os seus estudos universitários em biologia e Neurociência no Irão, no Baha’i Institute for Higher Education (BIHE). O seu interesse pelo feminismo começou como uma resposta à influência de uma cultura repressiva das mulheres no Irão. O contacto com livros progressistas muçulmanos levou-a ao encontro de questões relacionadas com a Fé Bahá’í e o feminismo.
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