quinta-feira, 19 de maio de 2016

O Irão está a perder a batalha contra os Bahá’ís

Por Reza HaghighatNejad.

O encontro entre Faezeh Hashemi (com chador) e Fariba Kamalabadi

É muito simples,” escreveu a jornalista Mahsa Amrabadi no Twitter a 16 de Maio. “Quando se vive tantos anos com alguém, não se sente apenas saudades; sente-se uma saudade terrível - especialmente se essa pessoa é Fariba Kamalabadi.

A 10 de Maio, a direcção da prisão concedeu à dirigente Bahá’í Fariba Kamalabadi uma ausência temporária. Estava há oito anos atrás das grades, e perdeu alguns momentos importantes da sua vida familiar, incluindo a licenciatura e o casamento da filha, assim como o nascimento do primeiro neto. Foi-lhe dito que tinha cinco dias para estar com a família e depois regressaria à prisão para cumprir os restantes dois anos da sua pena.

Mas Mahsa Amrabadi e outros, incluindo Faezeh Hashemi, a filha do ex-presidente Hashemi Rafsanjani, a advogada de direitos humanos Nasrin Sotoudeh, o marido de Sotoudeh, o artista gráfico Reza Khandan e os jornalistas Zhila Bani Yaghoub e Bahman Ahmadi Amoue e aproveitaram a oportunidade para visitá-la em casa.

Masoud Bastani e Mahsa Amrabadi
Mahsa Amrabadi e o seu parceiro Masoud Bastani encontravam-se entre os primeiros jornalistas a ser presos após as disputadas eleições presidenciais de 2009. Cada um foi condenado a sete anos de prisão e agora estão livres. Foram ambos proibidos de exercer jornalismo, mas estão activos e falam sem reservas no Twitter.

Três horas depois do tweet de Amrabadi, Masoud Bastani tweetou, descrevendo uma das suas experiências quando estava na prisão: “O guarda veio fazer a inspecção. Insultou a fé de um Bahá’í companheiro de cela. Quando olhou para mim, disse-lhe: ‘Meu caro compatriota. Tenho vergonha do teu comportamento’”.

Todos os visitantes de Fariba Kamalabadi tinham uma coisa em comum: num momento, ou noutro, partilharam a cela com a prisioneira Bahá’í. Não conhecia os Bahá’ís antes de ter ido para a prisão”, disse Faezeh Hashemi. “Não tinha qualquer ligação à comunidade Bahá’í. Ao colocar-me na prisão, a Republica Islâmica abriu uma nova janela na minha vida. Acabei por conhecê-los.

Cidadãos de quinta categoria

Mohammad Nourizad
O realizador e ex-jornalista conservador Mohammad Nourizad partilhou a cela com Bahá’ís e, tal como Hashemi, mudou a sua opinião sobre eles. À BBC declarou que, influenciado pela propaganda do regime, considerava os Bahá’ís como “cidadãos de quinta categoria”, mas isto mudou quando conheceu as famílias Bahá’ís. Também acrescentou que esperava ser atacado devido às suas visitas aos Bahá’ís, mas muitas pessoas - incluindo alguns membros dos Guardas da Revolução e funcionários do governo - elogiaram-no e disseram-lhe:Tal como tu, temos vergonha da forma como os Bahá’ís são tratados, mas não temos coragem para dizê-lo”.

Mas Faezeh Hashemi tinha uma resposta diferente para os conservadores da linha dura, muitos dos quais a criticavam. O seu pai tinha assumido a linha dura face aos Bahá’ís, e até descreveu o encontro da filha com Fariba Kamalabadi como um “erro”.

O ayatollah Nasser Makarem Shirazi, uma autoridade religiosa, deu voz ao alarme por muitas figuras do regime terem sido tão reservadas. “Estava à espera para ver se outros protestariam ou não”, disse o ayatollah, que é conhecido por negar o holocausto, apesar de ter avós Judeus iranianos. “Infelizmente, não ouvi nada. Porque é que estão todos calados?

Mas poderá, esta “nova janela” a que se refere Faezeh Hashemi e o “silêncio” que de o Ayatollah Makarem Shirazi se queixa, ser sinal de uma mudança de atitude dos iranianos em relação aos Bahá’ís?

O ayatollah Makarem Shirazi é experiente na sua postura anti-Bahá’í. Tal como muitas outras autoridades religiosas Xiitas, publicou vários decretos violentos contra a maior minoria religiosa do Irão. Também desempenhou um papel importante no processo judicial que enviou Fariba Kamalabadi e os seus colegas para a prisão. Ela e seis outros membros do Yaran, os “Amigos do Irão”. O grupo administrava as actividades da comunidade Bahá’í depois da República Islâmica ter banido a Assembleia Espiritual Nacional Bahá’í. Há oito anos, as autoridades prenderam o grupo. Segundo a advogada Mahnaz Parakand que, juntamente com a vencedora do Prémio Nobel Shirin Ebadi e outros dois advogados, defenderam os acusados, quando o caso esteve em tribunal, um promotor assistente pediu ao ayatollah Makarem Shirazi que desse a seu parecer jurídico sobre o que devia ser feito aos Bahá’ís. Em resposta às acusações do promotor que dizia que o grupo tentava fazer conversões para a sua fé, o ayatollah afirmou que, se o tinham feito de forma consistente, então a acusação de “fazer guerra contra Deus” devia ser acrescentada às outras acusações. Apoiando-se consideravelmente nesta fatwa, o tribunal condenou os sete membros dos Yaran à morte, um veredicto que o tribunal de recurso posteriormente reduziria para 10 anos de prisão para cada um dos réus.

Uma Alteração Profunda

As prisões tiveram lugar em 2007. Agora, mais de oito anos depois, Fariba Kamalabadi, uma das pessoas que o ayatollah Makarem Shirazi acreditava merecer a pena de morte, recebeu uma permissão de ausência temporária da prisão - e muitos cidadãos iranianos e ex-presos políticos congratularam-se com a decisão, e correram para a apoiar.

Considerando a longa história de propaganda vigorosa do clero Xiita contra os Bahá'ís do Irão, a mudança recente é notável. De acordo com o jornalista e escritor Faraj Sarkohi, a fé Baha'i é a única religião a quem o clero Xiita respondeu com da criação de uma organização específica [a Sociedade Hojjatieh] para combater as suas actividades.

No seu extenso relatório sobre o assunto, Mohamad Tavakoli-Targhi, Professor de História das Civilizações do Médio Oriente na Universidade de Toronto, escreve que desde 1941 foram criadas no Irão numerosas sociedades religiosas e de propaganda, com o único propósito de lutar contra os Bahá'ís e as suas crenças. (pode ler um resumo do relatório aqui.) As mais conhecidas destas organizações são a Sociedade de Promoção islâmica fundada em 1942 e a Sociedade dos Ensinamentos Islâmicos, que foi criada um ano depois. De acordo com os fundadores da Sociedade dos Ensinamentos Islâmicos, em 25 anos, esta sociedade criou 170 outras organizações culturais que se concentravam principalmente em destruir a fé Bahá’í. Mesmo no século XIX, sob a dinastia Qajar, e muito antes da revolução Islâmica, "fazendo da eliminação física dos Babis [os precursores Bahá’ís] um projecto conjunto de Estado-clero, os clérigos xiitas funcionaram como co-arquitectos de uma estrutura política repressiva e autoritária", escreve Tavakoli-Targhi.

Desde então, as autoridades religiosas Xiitas têm sido parte essencial de uma campanha de propaganda anti-Bahá’í, publicando numerosas fatwas para facilitar a sua agenda. Ao longo dos últimos dias, a comunicação social dos conservadores de linha-dura do Irão têm lembrado ao seu público estas fatwas publicadas pelo líder supremo, o ayatollah Khamenei e outras autoridades religiosas. Na verdade, a sua oposição aos direitos civis dos Bahá’ís e seu ódio à minoria religiosa é um dos únicos assuntos sobre o qual todos podem concordar.

Vozes Dissidentes

O ayatollah Tehrani com a peça de caligrafia
que seria oferecida aos Baha'is
No entanto, outras autoridades religiosas pensam de forma diferente. Um deles foi o falecido Ayatollah Hossein-Ali Montazeri, outrora herdeiro aparente do Ayatollah Khomeini, que declarou repetidamente que os Bahá’ís têm direito aos direitos civis e à "compaixão islâmica". Outro é o Ayatollah Abdolhamid Masoumi-Tehrani que com um gesto simbólico, ofereceu um presente à fé Bahá’í, uma obra sofisticada de caligrafia com uma citação de um excerto das Sagradas Escrituras da fé. Também publicou uma declaração dizendo que o presente era "uma expressão de simpatia e atenção da minha parte e em nome de todos os meus compatriotas de mente aberta que respeitam os outros pela sua humanidade e não pela sua religião ou forma de adoração - a todos os Bahá’ís do mundo, e em especial para os Bahá'ís do Irão que têm sofrido de diversas maneiras, como resultado do preconceito religioso cego".

E há outros. Há alguns meses atrás, Mohammad Ali Abtahi, que foi vice-presidente do presidente reformista Mohammad Khatami, defendeu os direitos dos Baha'is no Twitter. "Da mesma forma que o governo tributa as pessoas, independentemente das suas crenças e da sua fé, tem o dever de proporcionar a todos os cidadãos os seus direitos civis, sem excepção", escreveu. "Bahá’ís e muçulmanos e zoroastrianos... são todos os cidadãos e todos pagam impostos."

Mesmo aqueles que permanecem em silêncio sobre os desenvolvimentos recentes - incluindo um seminário de destaque no Qom - estão a enviar uma mensagem, como o assinalou o Ayatollah Makarem Shirazi com a sua frustração.

Os Bahá’ís também estão banidos no ensino superior e isso levou muitos activistas dos direitos humanos a protestar contra a flagrante negação de um direito civil fundamental para a maior minoria religiosa do Irão.

Então, o que se segue? É provável que o regime aumente os seus esforços contra os Bahá'ís, apesar dos sinais promissores na sociedade. Provavelmente irá responder ao aumento da simpatia com mais repressão. Mas nos meios de comunicação, há uma mudança evidente: a sociedade iraniana está a prestar mais atenção aos direitos humanos. É um tema que o regime iraniano sempre tentou evitar quando se trata dos Bahá’ís. Tal como definiu a agência de notícias Mizan, associada ao sistema judicial do Irão, os líderes do regime iraniano receiam que essas visitas a prisioneiros Bahá’ís, e a sua divulgação generalizada, tenha impacto na forma como as Nações Unidas descrevam o Irão e suas violações dos direitos humanos, durante este ano. Isso poderia levar o organismo internacional a decretar condenações ainda mais pesadas que no passado, destacando as mudanças na sociedade iraniana como evidência daquilo que as pessoas querem. A batalha contra a narrativa predominante sobre os Bahá’ís do Irão está bem encaminhada, e a batalha contra os Bahá’ís foi verdadeiramente prejudicada.

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TEXTO ORIGINAL (em inglês): Iran's Losing Battle against the Baha'is (IranWire)

1 comentário:

José Fernandes disse...

Graças a Bahá'u'lláh !