sábado, 10 de fevereiro de 2018

A Fé Bahá’í é uma “Religião”?



Talvez você seja como eu. Talvez tenha havido momentos em que lhe perguntaram o que é a Fé Bahá’í e no momento em que os seus lábios proferem a palavra "religião", o seu interlocutor fica apreensivo. Talvez lhe respondam que a religião é o opio do povo, que é uma ficção desactualizada que não responde às necessidades de hoje, que é a causa de desnecessário derramamento de sangue e guerra, que a religião gera intolerância em relação às pessoas de outras religiões ou que a fé em algo maior que nós não deve ser organizada e administrada. A propósito do Dia Mundial da Religião, pensei em explorar o que significa a palavra "religião" no contexto das Escrituras Bahá’ís.

Aqui estão algumas palavras de ‘Abdu’l-Bahá que descrevem o que a religião é:

A verdadeira religião baseia-se no amor e na concórdia. Bahá’u’lláh disse: "Se a religião e a fé são as causas da inimizade e sedição, é muito melhor ser não-religioso, e a ausência de religião seria preferível; pois desejamos que a religião seja a causa da amizade e da comunhão. Se existe inimizade e ódio, a irreligião é preferível ". Portanto, a eliminação desta contenda foi destacada por Bahá’u’lláh, pois a religião é o remédio divino para o antagonismo e a discórdia humanas. Mas quando tornamos o remédio na causa da doença, então seria melhor ficar sem o remédio".[1]

No livro O Segredo da Civilização Divina, 'Abdu'l-Bahá escreve:

O nosso objectivo é mostrar como a verdadeira religião promove a civilização e a honra, a prosperidade e o prestígio, a aprendizagem e o progresso de um povo, outrora abjecto, escravizado e ignorante, e como, quando cai nas mãos de líderes religiosos que são loucos e fanáticos, é desviada para fins errados, até que estes grandes esplendores se tornam a noite mais tenebrosa.[2]

As pessoas que me fazem perguntas sobre a Fé estão correctas e a sua desconfiança em relação à religião é perfeitamente compreensível e justificada. O que eles expressam é apenas uma manifestação subtil de um problema muito maior: uma crise religiosa global. Na pior das hipóteses, esta crise religiosa é demonstrada através de actos de violência atroz cometidos em nome da religião e em nome de Deus. A religião precisa de se "libertar dos grilhões que até agora a impediram de ter uma influência curadora de que é capaz." [3]

A Casa Universal da Justiça, profundamente consciente de que "a doença do ódio sectário, se não for examinada de forma decisiva, ameaça ter efeitos angustiantes que deixarão poucas áreas do mundo imunes"[4] escreveu uma carta aberta aos líderes religiosos do mundo em 2002. Esta carta apelava à coragem por parte dos crentes de todas as fés - coragem para combater o preconceito contra a religião, elevando-a acima de "conceitos rígidos herdados de um passado distante."[5] Penso que pode valer muito a pena compreender profundamente o que aconteceu com a religião, como a religião é vista e como Bahá’u’lláh reformulou o próprio conceito de religião.

O documento Uma Fé Comum foi preparado sob a supervisão da Casa Universal da Justiça em 2005 e é um comentário maravilhoso que aborda esta questão e que pretende catalisar um novo entendimento sobre a fé religiosa. O texto contém excertos das Escrituras e descrições do discurso popular para explicar o mundo em que vivemos e como evoluir.

Aborda, por exemplo, os conhecidos equívocos sobre religião. Explica que, para muitas pessoas, a religião é a multidão de seitas religiosas actualmente existente. Para outros, são os "grandes sistemas independentes de crenças da história", como o Cristianismo e o Islão. Para alguns, a religião é simplesmente uma atitude universalmente disponível e para outros é um estilo de vida cheio de rituais e sacrifícios. "O que todas as diferentes concepções têm em comum", afirma-se, "é a medida em que um fenómeno conhecido por transcender completamente os limites humanos, acabou por ser gradualmente aprisionado em limitações conceptuais - sejam eles organizacionais, teológicas, experimentais ou rituais - de origem humana".[6] Analisa o que aconteceu com a religião ao longo do tempo e como "embora as verdades recebidas das grandes fés permaneçam válidas, a experiência diária de um indivíduo no século XXI está inimaginavelmente afastada daquela que ele ou ela teria conhecido em qualquer uma dessas idades quando essa orientação foi revelada."[7]

O documento explora aquilo que deve ser o nosso entendimento sobre a religião. Afirma:

[...] Bahá’u’lláh não trouxe à existência uma nova religião para ficar junto à actual multiplicidade de organizações sectárias. Em vez disso, Ele reformulou todo o conceito de religião como a principal força impulsionadora do desenvolvimento da consciência. Como a raça humana em toda a sua diversidade é uma espécie única, então a intervenção com que Deus cultiva as qualidades da mente e do coração latente nessa espécie é um processo único. Os seus heróis e santos são os heróis e os santos de todas as etapas dessa luta: os seus sucessos são os sucessos de todas as eras. Este é o modelo demonstrado na vida e no trabalho do Mestre e exemplificado hoje numa Comunidade Bahá'í que se tornou o herdeiro do legado espiritual de toda a humanidade, um legado igualmente disponível para todos os povos da Terra.[8]

A declaração Uma Fé Comum conclui com estas palavras poderosas:

As sucessivas dispensações de um Criador amoroso e intencional levaram os habitantes da Terra ao limiar de sua maturidade colectiva enquanto povo único. Bahá’u’lláh apela à humanidade para estrear a sua herança: "O que o Senhor ordenou como o remédio soberano e o instrumento mais poderoso para a cura do mundo é a união de todos os seus povos numa única Causa universal, uma fé comum". [9]

Ler Uma Fé Comum deu-me um melhor entendimento, um contexto mais claro, sobre os motivos que levam o meu interlocutor a escarnecer da religião. Espero que me tenha tornado uma melhor ouvinte das suas preocupações porque vivemos num século muito mais receptivo do que o último e "uma mudança radical na consciência humana está em movimento". [10]

---------------------------------
REFERÊNCIAS:
[1] - Promulgation of Universal Peace, p.232
[2] - 'Abdu'l-Bahá, The Secret of Divine Civilization, p.80
[3] - The Universal House of Justice, One Common Faith, p.iii
[4] - Idem. p.i
[5] - Idem. p.i
[6] - Idem. p.18-9
[7] - Idem. p.15
[8] - Idem. p.23
[9] - Idem. p.56
[10] - Idem. p.3


-----------------------------------------------------

Sobre a autora: Sonjel Vreeland é bibliotecária e museologista e vive na ilha de Prince Edward (costa oriental do Canadá). É escritora, leitora ávida, mãe e esposa.


Sem comentários: