sábado, 2 de maio de 2020

Perguntas: um Mês Bahá’í e um Atributo Divino

Por Christopher Buck.


Recentemente, um amigo Baha'i colocou-me uma questão interessante: “O que significa o mês Bahá’í das «Perguntas»?”

Quando colocou a questão, ele não estava a pedir-me uma definição. Todos sabemos o que é uma pergunta. A sua questão focava-se no significado espiritual mais profundo das “Perguntas”, e se se trata, ou não, de um atributo de Deus, tal como os nomes dos outros 18 meses do calendário Bahá’í – Misericórdia, Luz, Esplendor, etc.

Mas a resposta não é simples – pelo contrário, é bem profunda. Então vamos contextualizar a sua questão sobre “Perguntas”.

O calendário Bahá’í foi criado originalmente pelo Báb, que o designou como calendário Badi, que significa “novo” ou “maravilhoso”. Dizer que este calendário é novo, inovador ou diferente seria um eufemismo. O calendário Badi baseia-se no calendário solar, tem 19 meses de 19 dias e ainda 4 dias intercalares (5 nos anos bissextos). Mais interessante: cada dia da semana, cada dia do mês, cada mês, cada ano, cada ciclo de anos tem nomes espirituais, normalmente entendidos como características essenciais, atributos, ou “Nomes de Deus”.

Isto não são simples nomes; na verdade, são atributos divinos. E aqui está um paradoxo: Deus, na Sua essência, transcende todos os nomes e atributos. Falando correctamente, estes nomes descrevem a forma como Deus Se manifesta no mundo da criação. Atributos e características do mais alto nível, estes nomes também são conhecidos como perfeições divinas. Numa criação perfeita, todas as coisas criadas reflectem uma ou mais destas perfeições. Mas isto ainda é mais verdade para o ser humano, que é o apogeu da criação. E é uma verdade muito mais forte para os profetas e fundadores das grandes religiões mundiais, os espelhos perfeitos de todos os nomes e atributos de Deus.

Estes “Nomes de Deus” – belos, poéticos e místicos – vêm de uma famosa oração matinal recitada durante o mês do jejum no Islão Xiita. Esta famosa oração é conhecida como Du’a’ al-Sahar (“Oração da Alvorada”) e referida também como Du’a’ al-Bahá (“Oração do Esplendor/Glória”). Bahá’u’lláh refere-a como the Lawh-i Baqa, a “Epístola da Eternidade”. Esta oração matinal contém o “Mais Grandioso Nome de Deus”, que os Bahá’ís reconhecem como Baha, e que significa “Esplendor” ou “Glória”. Na oração da alvorada existem vinte e dois nomes pelos quais o suplicante implora a Deus. O Báb escolheu dezanove destes para o calendário Badi. A primeira invocação desta fantástica oração afirma o seguinte:
Ó meu Deus!Imploro-Te pela Tua Baha [Glória] na sua maior grandiosidade [abha]pois todo o Teu Esplendor [baha] é verdadeiramente resplandecente [bahiyy].Eu, em verdade, ó meu Deus,Imploro-Te pela plenitude do Teu Esplendor[baha].(de uma tradução de Stephen Lambden)
Como disse anteriormente, Deus transcende nome e atributos. Por exemplo, muitas vezes dizemos “Deus é uno”. É verdade, mas Deus transcende a singularidade, tal como afirma o Báb: “Entre estas razões está o irrefutável testemunho do intelecto, de que nada existe para lá da Essência da Eternidade, e de Ele não possir qualquer atributo, seja qual for o significado, salvo a Sua própria Essência.” (tradução provisória de Nader Saiedi, Gate of the Heart, p. 194)

Porque a singularidade é um conceito humano, tão abstracto quanto tal, trata-se de uma projecção da inteligência humana; ela é conceptualizada através de conceitos que permitem que a inteligência a compreenda. Por outras palavras, o mais elaborado dos pensamentos que tenhamos nunca poderá ultrapassar as nossas próprias limitações mentais. Nunca poderemos compreender Deus. O melhor que podemos fazer é perceber algumas das qualidades de Deus manifestadas na criação, e que aparecem de forma plena e perfeita nos profetas de Deus, tais como Moisés, Zoroastro, Buda, Jesus, Maomé, Deganawida (“o Pacificador”), o Báb e Bahá’u’lláh.

Muitos, se não todos, destes nomes de Deus são reconhecíveis, e até mesmo familiares – Sublimidade, Glória, Grandeza, Conhecimento e Beleza. Existem ainda outros atributos. É aqui que surge a questão sobre o mês e atributo das “perguntas”. Aqui fica o versículo da Du’a’ al-Sahar, ou Du’a’ al-Baháʾ:
Ó meu Deus!Imploro-Te pelas Tuas perguntas [masaʾil] que Te são mais conformes
Pois todas os Teus interesses [masa’il] são verdadeiramente amados.Eu, em verdade, ó meu Deus, imploro-Te pelo todo dos Teus assuntos [masaʾil].(traduzido por Stephen Lambden)
Como podemos ver neste versículo, a palavra árabe para “perguntas” – masa’il – também tem outros significados: “interesses” e “assuntos”. Alem de “perguntas”, Masa’il também significa “temas”, “problemas”, “pontos em questão” e “teses”. (Na lei islâmica, por exemplo, al-masāʾil al-fiqhiyya significa “questões de jurisprudência”. Masáʾil fi al-ttibb traduz-se como “Manual de Medicina”)

Sabemos que os atributos divinos podem tornar-se boas virtudes humanas. Por outras palavras, as qualidades divinas são a fórmula secreta no elixir da transformação espiritual Na alquimia do espírito, o cobre da fantasia satânica transforma-se no ouro das perfeições angélicas.

Assim, “perguntas” enquanto atributo de Deus é o interesse divino pelos assuntos humanos. “Perguntas” enquanto bom atributo é uma preocupação humana pelos assuntos humanos. Perguntas, num contexto Bahá’í, significa preocupação pelos outros e capacidade para questionar – e responder – sobre aquilo que os pode ajudar.

Os profetas são iguais, as suas revelações são distintas, as suas leis são progressivas - propondo verdades, oferecendo a salvação, concedendo graça, ensinando a harmonia, apresentando a libertação, influenciando a sociedade, desenvolvendo a civilização, promovendo a ciência, exigindo igualdade, enobrecendo o carácter, iluminando os indivíduos, mistificando a realidade, dando um propósito, aprofundando a identidade, enriquecendo a vida, conferindo ética aos actos, transmitindo visão, inspirando vontades , guiando decisões, referenciando a moral, fortalecendo as famílias, promovendo a caridade, mitigando o sofrimento, defendendo a justiça, advogando a paz, cultivando a reciprocidade, edificando a moralidade, encorajando iniciativas, recompensando a rectidão, exaltando a virtude, celebrando a espiritualidade, incentivando o zelo, prometendo a vida após a morte, garantindo a imortalidade, alargando horizontes, expondo mistérios, cultivando a reflexão, elevando a alegria e vitalizando a vida

No Seu calendário prático e místico, o Báb revelou os mais originais e profundos ensinamentos espirituais sobre a natureza e qualidades de Deus. Sem dúvida.

Alguma da informação neste artigo foi fornecida por Omid Ghaemmaghami.

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Texto original: The Baha’i Month, and Godly Attribute, of Questions (www.bahaiteachings.org)

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Christopher Buck (PhD, JD), advogado e investigador independente, é autor de vários livros, incluindo God & Apple Pie (2015), Religious Myths and Visions of America (2009), Alain Locke: Faith and Philosophy (2005), Paradise e Paradigm (1999), Symbol and Secret (1995/2004), Religious Celebrations (co-autor, 2011), e também contribuíu para diversos capítulos de livros como ‘Abdu’l-Bahá’s Journey West: The Course of Human Solidarity (2013), American Writers (2010 e 2004), The Islamic World (2008), The Blackwell Companion to the Qur’an (2006). Ver christopherbuck.com e bahai-library.com/Buck.

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