Provavelmente consegue adivinhar o significado. “Nacionalismo das vacinas” descreve o que acontece quando os primeiros países que desenvolvem vacinas contra doenças agressivas guardam componentes vitais dessas vacinas vitais e têm um acesso prioritário às mesmas.
Ou, tal como uma investigação da RAND Corporation descreve este assunto:
A experiência mostra que, em resposta às pandemias, os governos nacionais tendem a seguir os seus próprios interesses em vez de tomar uma abordagem coordenada globalmente. Este comportamento nacionalista pode ter consequências negativas na forma como é gerida e contida a pandemia global do COVID-19.
Como é que isto funciona?
Se alguns países – os países mais ricos – conseguirem imunizar a maior parte das suas populações e os países pobres não conseguirem fazer o mesmo, o nosso planeta continuará a enfrentar uma crise grave e debilitante. Porquê? Porque – tal como dizem os ensinamentos Bahá’ís – vivemos agora num mundo interdependente:
... todos os membros da família humana, sejam povos ou governos, cidades ou aldeias, tornaram-se cada vez mais interdependentes. A auto-suficiência já não é possível, pois os laços políticos unem todos os povos e nações, e as ligações no comércio e na indústria, na agricultura e na educação, estão a ser fortalecidas todos os dias. Por isso a unidade de toda humanidade pode ser alcançada neste dia.
‘Abdu’l-Bahá, o filho e sucessor de Bahá’u’lláh, escreveu estas palavras há mais de um século atrás. Desde então, a nossa interdependência tem crescido.
As fronteiras nacionais tornaram-se cada vez menos relevantes. O mundo desenvolveu tanto o comércio internacional em produtos alimentares, bens e serviços que nenhum país pode afirmar ser auto-suficiente. A maioria de nós, em especial os que vivem em áreas urbanas, depende deste ecossistema global e do seu fluxo constante para a nossa sobrevivência diária. A maioria de nós não produz comida, não gere a distribuição de água nem produz energia, não fabrica carros, computadores ou telemóveis/celulares; por esse motivo, dependemos de outras pessoas, noutros locais. A maioria de nós recebe o seu sustento diário desta enorme rede que se espalhou pelo planeta, e da qual temos pouco conhecimento. Mas se esta rede fosse interrompida, não poderíamos viver nem mais um dia.
É por isso que devemos ter uma abordagem global para enfrentar esta pandemia
Digamos, por exemplo, que amanhã os Estados Unidos tinham a capacidade para vacinar efectivamente toda a sua população contra o coronavírus. Isso iria levar o país novamente para o pleno emprego e o crescimento económico? A resposta – segundo vários economistas – é NÃO. Na verdade, esse tipo de programa de prevenção nacionalista e limitado seria equivalente vacinar um único estado dos EUA (ou do Brasil) e pensar que todos os residentes desse estado iriam ficam protegidos. As fronteiras e os oceanos não nos protegem – especialmente de um vírus.
Os Estados Unidos, tal como todas as outras nações, têm a sua economia dependente de trocas, do comércio e das viagens internacionais. Tal como muitas outras nações “desenvolvidas”, os EUA compram muitos produtos que são fabricados nos países “sub-desenvolvidos”; isto significa que já não tem capacidade industrial para sustentar a sua própria população.
Assim, considerando estas realidades durante esta pandemia global, enfrentamos agora um ponto de inflexão sem precedentes e muito profundo: não podemos resolver um problema que afecta todo o planeta com uma solução baseada em nações. A solução, por definição, deve dar resposta a todo o problema e não apenas a uma pequena parte do problema.
Os Bahá’ís acreditam que esta nova dinâmica - tal como descreveu a Casa Universal de Justiça em Abril de 1992 - acabará por exigir a unificação de toda a humanidade sob uma nova ordem mundial:
O apelo à unidade e a uma nova ordem mundial é audível de muitas direcções. A mudança na sociedade mundial caracteriza-se por uma velocidade fenomenal. Uma característica desta mudança é a brusquidão, ou a precipitação, que parece ser a consequência de alguma força misteriosa e agressiva. Os aspectos positivos desta mudança revelam uma invulgar abertura a conceitos globais, um movimento em direcção à colaboração regional e internacional, uma tendência para as partes em conflito optarem por soluções pacíficas, uma busca por valores espirituais.
Este conceito de colaboração internacional que leve a uma solução globalmente coordenada para a pandemia não é um mero desejo altruísta ou humanitário.
O estudo recente da RAND Corporation sobre o nacionalismo das vacinas conclui que custaria aproximadamente 25 mil milhões de dólares (aprox. 20 mil milhões de euros) fornecer esta vacinas aos países mais pobres. Por outro lado, os Estados Unidos, a União Europeia e outros países ricos poderão perder (no seu conjunto) 119 mil milhões de dólares (aprox. 97 mil milhões de euros) por ano se os países pobres não tiverem acesso às vacinas – porque a disseminação não controlada da doença fará diminuir drasticamente o fluxo de bens e serviços.
E se fizermos os cálculos, vemos que se os países ricos financiarem a vacinação das populações de todos os países pobres, isso produz um custo-benefício 4,8 para 1 – para não falar nas vidas que seriam salvas. Por outras palavras, por cada dólar gasto, os países ricos obteriam quase 5 dólares de retorno. É difícil imaginar um investimento mais lucrativo, certo?
Estranhamente, este tipo de raciocínio orientado a sistemas globalizados parece não ter sido compreendido por alguns líderes mundiais. Esperemos que em 2021, possamos corrigir essa visão distorcida e demonstrar a unicidade do mundo da humanidade com a erradicação do COVID-19
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Texto original: 2021’s Coming Crisis of Vaccine Nationalism (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA. >
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