sábado, 17 de junho de 2023

O que o meu "Sim" a Bahá’u’lláh significa para o meu "Sim" a Jesus

Por Sören Rekel-Bludau.


Presume-se geralmente que aqueles que se convertam a uma religião se afastam da sua antiga fé - mas comigo aconteceu uma história completamente diferente.

Num momento particularmente simbólico da minha vida, vários familiares e amigos sentaram-se numa roda de cadeiras na nossa sala de estar, com um pequeno livreto com textos devocionais nas mãos. Havia uma mesa no meio com duas velas acesas. Esta imagem ficou comigo desde que me declarei Bahá'í e ficará comigo para sempre.

No fundo quando alguém se torna Bahá’í isso assenta em dois elementos: a convicção interior de que Bahá’u’lláh - o profeta e fundador da Fé Bahá’í - é o mensageiro de Deus para esta era; e a declaração de que deseja ser membro da comunidade Bahá'í. As velas e o momento devocional foram ideia minha, pois na religião Bahá'í não existe ritual de adesão. Cada pessoa pode fazê-lo livremente ou declará-lo por escrito.

Este momento devocional Bahá'í, para o qual convidei amigos e familiares por ocasião da minha declaração como Bahá'í, não pretendia ser uma reunião qualquer; era sobretudo uma confissão: a Bahá'u'lláh e a Jesus Cristo. As velas serviam para deixar isso claro. Uma delas foi vela do meu Crisma, que acendi na igreja aos 13 anos por convicção. A outra era uma “vela de declaração” feita por mim mesmo.

No início do momento devocional, acendi primeiro a vela do Crisma. Somente a meio da devocional, depois de assinar o cartão de declaração Bahá'í, acendi minha “vela de declaração” com a chama da vela do Crisma, de modo que ambas arderam simultaneamente durante o momento devocional. Para mim, aquele foi, de facto, o momento decisivo e as velas eram um símbolo apropriado da minha crença tanto em Cristo como em Bahá'u'lláh.

Não se tratava de substituir Jesus por Bahá'u'lláh; nem se tratava de Jesus ser superado por Bahá'u'lláh. Pois sem minha fé em Jesus Cristo, eu não me poderia ter tornado Bahá'í. Renunciar a Jesus nunca teria sido uma opção para mim e, portanto, as duas velas acesas naquele momento expressaram o que é a minha fé como Bahá'í. Como disse 'Abdu'l-Bahá, filho e sucessor de Bahá'u'lláh no livro de Lady Blomfield, The Chosen Highway: “Se aceitarmos a luz de uma das lâmpadas, então devemos acreditar na luz de todas as lâmpadas”.

De facto, já durante o meu Crisma, perguntava-me que critérios deveria usar como Cristão para excluir a possibilidade de Deus ter comunicado com a humanidade de outras maneiras que não através de Jesus e dos profetas de Israel. Para responder a essa pergunta, estudei intensamente o Islão durante algum tempo; li o Alcorão e identifiquei muitos paralelismos com a Bíblia.

Li sobre a misericórdia, o amor ao próximo, um Deus perdoador e o Seu amor pelas pessoas a quem Ele repetidamente estendeu a mão. Se, como Cristão, eu deveria julgar de acordo com o princípio de Mateus 7:16 de “Pelos seus frutos os conhecereis”, então para mim o veredicto era óbvio: não havia nada que eu pudesse sustentar contra a pretensão divina de Muhammad.

E o que evitou a minha adesão ao Islão? Foi a veemência com que alguns muçulmanos enfatizaram que o entendimento Cristão sobre a pessoa de Jesus estava fundamentalmente errado e, além disso, que a Bíblia era uma falsificação inventada por padres que queriam salvaguardar o seu poder. Também fiquei desagradado com a afirmação de caráter absoluto de sacerdotes muçulmanos que afirmam que Jesus deveria estar completamente subordinado a Muhammad. Abandonar minha fé Cristã para seguir as ideias do clero muçulmano estava fora de questão para mim, porque eu já não conseguia reconhecer neles aquilo que me atraíra nas palavras de Muhammad no Alcorão. Os frutos que a fé Cristã produziu ao longo dos séculos eram demasiado doces para que eu os considerasse errados.

Quando conheci a Fé Bahá'í e, encontrei textos que abordavam, de forma intensa e profunda, Jesus Cristo e os ensinamentos do Cristianismo, senti-me completamente diferente. Em nenhum momento tive a impressão de que Bahá’u’lláh, 'Abdu'l-Bahá ou Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, quisessem desacreditar ou diminuir a minha crença em Jesus.

Pelo contrário, o que li comprovou um amor tão sincero, uma compreensão tão profunda do que Jesus tinha ensinado, e uma visão tão clara dos princípios Cristãos essenciais que, como resultado, não pude deixar de me sentir fortalecido na minha fé Cristã.

Mesmo quando se tratava de assuntos que eu achava difíceis – a Trindade, morte na cruz ou ressurreição – as Escrituras Bahá’ís deram-me finalmente respostas conciliatórias e explicações racionais. Minha experiência estava muito de acordo com o que Shoghi Effendi formulou no seu livro A Ordem Mundial de Bahá’u’lláh como uma afirmação da Fé Bahá'í baseada na unidade de todas as Fés:

A Revelação, da qual Bahá'u'lláh é a fonte e o centro, não revoga nenhuma das religiões que a precederam, nem tenta, no mínimo grau, distorcer as suas características ou diminuir o seu valor. Ela rejeita qualquer intenção de diminuir qualquer um dos Profetas do passado, ou de diminuir a veracidade eterna dos seus ensinamentos. Não pode, de forma alguma, entrar em conflito com o espírito que anima as suas declarações, nem procura minar a base da fidelidade de qualquer homem à sua causa. O seu primeiro propósito assumido é capacitar cada adepto dessas fés a obter uma compreensão mais completa da religião com a qual ele se identifica, e a adquirir uma percepção mais clara do seu propósito. Não é nem eclética na apresentação das suas verdades, nem arrogante na afirmação das suas pretensões. Os seus ensinamentos centram-se no princípio fundamental de que a verdade religiosa não é absoluta, mas relativa, que a Revelação Divina é progressiva, e não final. De forma inequívoca e sem a menor reserva, proclama que todas as religiões estabelecidas têm origem divina, são idênticas nos seus objetivos, complementares nas suas funções, contínuas no seu propósito, indispensáveis no seu valor para a humanidade.

Perguntei a mim próprio: “Mas não será absurdo que o fundador de outra religião me encoraje tanto na minha crença no revelador da minha religião anterior? Afinal, o seu principal objetivo deveria ser convencer-me da veracidade dos seus ensinamentos, certo?

Então continuei a ler as Escrituras Bahá'ís, e lentamente aproximei-me cada vez mais do verdadeiro núcleo. Percebi que não poderia ser uma questão de lançar as religiões umas contra as outras, mas de vê-las na devida relação, para que se complementassem e me fizessem perceber o seu propósito contínuo. Isso se tornou particularmente perceptível para mim ao ler as Escrituras de Bahá'u'lláh sobre ideias concretas sobre como a situação deste mundo poderia ser melhorada.

Tive a impressão de que para Bahá'u'lláh não bastava que as pessoas se ocupassem exclusivamente com as suas próprias ideias; precisávamos também de estruturas para a sociedade que garantissem que o que foi conquistado não se perdesse. Eram necessárias uma bússola clara e uma visão clara de uma humanidade social e politicamente unida. Eu nunca tinha encontrado no Novo Testamento uma ideia tão concreta e detalhada de como o novo mundo deveria ser construído– e é exatamente aí que entram os ensinamentos Bahá’ís. No seu livro O Dia Prometido Chegou, Shoghi Effendi escreveu:

A Revelação associada à Fé de Jesus Cristo concentrou a atenção principalmente na redenção do indivíduo e na formação da sua conduta, e enfatizou, como tema central, a necessidade de inculcar no homem um padrão elevado de moralidade e disciplina, como unidade fundamental na sociedade humana. Em nenhum lugar dos Evangelhos encontramos qualquer referência à unidade das nações, ou à unificação da humanidade como um todo. Quando Jesus falou para os que O rodeavam, Ele dirigiu-Se a eles principalmente como indivíduos, e não como partes componentes de uma entidade universal e indivisível. Toda a superfície da terra ainda estava por explorar, e consequentemente, a organização de todos os seus povos e nações como uma unidade não poderia ser considerada, quanto mais proclamada ou estabelecida. Que outra interpretação se pode dar a estas palavras, dirigidas especificamente por Bahá'u'lláh aos seguidores do Evangelho, nas quais a distinção fundamental entre a Missão de Jesus Cristo, relativa principalmente ao indivíduo, e a Sua própria Mensagem, dirigida mais particularmente para a humanidade como um todo, foi definitivamente estabelecida.

Em verdade, Ele [Jesus] disse: 'Vinde comigo, e farei de vós pescadores de homens.' Neste dia, porém, dizemos: 'Vinde comigo, e farei de vós vivificadores da humanidade.'

A minha fé em Jesus Cristo não perdeu nada por causa da minha fé em Bahá'u'lláh. Não tive de desistir de Cristo, não tive de eliminar minhas crenças e também não tive de as subordinar. Pelo contrário, estou mais em paz com as crenças centrais do Cristianismo hoje do que antes da minha declaração Bahá'í. A minha compreensão aprofundou-se e ganhei muito, não apenas uma nova perspectiva sobre as Escrituras e ensinamentos da minha fé original, mas também sobre o que se torna possível quando os mensageiros de Deus não vistos como opostos, não são colocados em competição uns com os outros, mas percebidos na sua relação uns com os outros. Em Londres, em 1911, 'Abdu'l-Bahá disse:

Os ensinamentos são os mesmos. É a mesma fundação e o mesmo templo. A verdade é uma, e sem divisão. Os ensinamentos de Jesus estão numa forma concentrada. Os homens não concordam até hoje quanto ao significado de muitas das Suas palavras. Os Seus ensinamentos são como o rebento de uma flor. Hoje, o rebento está a abrir-se em flor! Bahá’u’lláh expandiu e cumpriu os ensinamentos, e aplicou-os em detalhes ao mundo inteiro.

Assim, a minha fé ganhou uma perspectiva de longo prazo. Percebi que a fé Cristã nunca está terminada ou é final; ela deve desenvolver-se, deve ser continuada e ainda mais pensada. Para mim, Bahá’u’lláh é o próximo passo lógico, o sucessor de Jesus, que continua consistentemente no seu caminho e leva-me como Seu seguidor com tudo o que me torna quem eu sou. Eu não poderia desejar mais na minha fé.

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Texto original: What My “Yes” to Baha’u’llah Means for My “Yes” to Jesus (www.bahaiteachings.org)


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Sören Rekel-Bludau estudou religião, arqueologia e teologia em Göttingen, e actualmente trabalha na Casa das Religiões em Hanover. Vive com a sua família Hardegsen, perto de Göttingen (Alemanha).

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