Ó FILHO DO SER!
Procura uma morte de mártir no Meu caminho, satisfeito com o Meu prazer e grato por aquilo que Eu ordeno, para que possas repousar Comigo sob o dossel da majestade, atrás do tabernáculo da glória.
Ó FILHO DO HOMEM!
Pondera e reflecte. Será o teu desejo morrer sobre o teu leito ou derramar o teu sangue sobre o pó, um mártir no Meu caminho, e assim tornares-te a manifestação do Meu mandamento e o revelador da Minha luz no paraíso mais elevado? Julga bem, ó servo!
Ó FILHO DO HOMEM!
Pela Minha beleza! Tingir o teu cabelo com o teu sangue supera, aos Meus olhos, a criação do universo e a luz de ambos os mundos. Esforça-te, pois, para conseguir isso, ó servo! (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #45, #46, #47)
A palavra “mártir” tem passado por dificuldades nos últimos tempos. Normalmente tendemos a pensar nos mártires como pessoas psicologicamente desequilibradas, que se queixam incessantemente dos seus problemas e nunca fazem nada para os mudar; ou bombistas suicidas fanáticos que se fazem explodir para matar outras pessoas.
Quando era mais novo, toda a noção de martírio me parecia completamente alheia; era um conceito verdadeiramente distante e estranho. Venho de uma mentalidade ocidental, por isso, quando crescia, não tive qualquer contexto real – intelectual ou cultural - sobre o martírio.
Na verdade, cresci a pensar que os mártires eram fanáticos. Dar a minha vida por alguma causa abstrata? Isso era absolutamente insensato, pensava. Depois aconteceram duas coisas na minha vida: a guerra do Vietname e o movimento dos direitos civis.
Thich Quang Duc imola-se em Saigão, 1963 |
Quando falei com o meu pai sobre este acontecimento, percebi que o martírio talvez do monge não fosse assim tão invulgar. Afinal, o meu pai também colocou a sua própria vida em risco durante a Segunda Guerra Mundial. Fuzileiro norte-americano na campanha do Pacífico, foi gravemente ferido em Tarawa e quase não sobreviveu. Arriscou voluntariamente a vida pelos outros, e derramou o seu próprio sangue pelas suas convicções.
Depois, um ano mais tarde, tornei-me membro do Congress for Racial Equality (CORE) e da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP). Juntei-me a estes grupos por causa de três defensores dos direitos civis chamados Schwerner, Chaney e Goodman. Provavelmente, conhece a história deles – jovens, dois brancos e um negro, brutalmente assassinados por racistas brancos perto de Filadélfia, no Mississípi, em 1964. Faziam parte de um movimento chamado “Verão da Liberdade”, concebido para registar os negros como eleitores. Pagaram com a vida o seu compromisso com a igualdade racial, e tornaram-se um símbolo de morte por uma causa justa, tal como o Dr. Martin Luther King Jr.
A indignação nacional face ao martírio daqueles inocentes defensores dos direitos civis alimentou a aprovação bem-sucedida da Lei dos Direitos Civis e da Lei do Direito de Voto, duas conquistas legislativas marcantes que ajudaram a quebrar abertamente o antigo racismo institucionalizado da América.
Hoje podemos pensar nos mártires como fanáticos loucos que se fazem explodir, mas eu diria que essas pessoas não são mártires, e que os seus actos homicidas contra inocentes desonram uma palavra que já foi nobre. Na verdade, estes bombistas suicidas tendem a ser jovens, impressionáveis e mal orientados por aqueles que os usam como peões em lutas maiores, associadas apenas no nome à religião. Usados como armas inconscientes, estes bombistas tiram a vida a outras pessoas, algo que um verdadeiro mártir nunca faria.
O dicionário define mártir como “pessoa que sofreu tormentos ou a morte pela defesa dos seus ideais, de uma causa”.
Os Bahá’ís encaram o verdadeiro martírio – a vontade de sacrificar as suas próprias preocupações, conforto e segurança por uma causa boa, justa e nobre – como uma vocação elevada. Muitos Bahá’ís sofreram martírio físico, mais recentemente às mãos do governo do Irão, que prendeu, torturou e executou literalmente centenas de Bahá’ís apenas devido às suas crenças na unidade da humanidade e na unidade de todas as religiões. Mais de uma centena de Bahá’ís encontram-se actualmente nas prisões iranianas por causa destas crenças.
Mas, para a maioria de nós, o martírio não é físico, é psicológico. Quando nos posicionamos no mundo por uma boa causa, tomamos a decisão de nos opormos à injustiça e defender a justiça. Esta decisão pode implicar sofrimento. Esta decisão significa também que transcendemos os nossos interesses egocêntricos e mais mundanos, e os substituímos por interesses maiores; significa que “morremos para o eu” e procuramos um objectivo mais amplo. O termo simbólico “mártir” aplica-se, então, a qualquer pessoa que abnegadamente actue em nome de outrem.
Penso que é isso que Bahá’u’lláh quer dizer na linguagem alegórica das três anteriores citações das Palavras Ocultas – que Deus espera que comprometamos as nossas vidas com algo maior do que apenas as nossas preocupações pessoais; e que depois gastemos as energias da nossa vida nesse caminho.
-----------------------------
Texto original: Religion and Martyrdom (www.bahaiteachings.org)
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA
Sem comentários:
Enviar um comentário