sábado, 11 de outubro de 2025

Modernidade: o declínio da empatia e da compaixão

Por Abdu'l-Missagh Ghadirian.


Vivemos numa época da história em que a civilização material ofuscou a civilização espiritual. A Fé Bahá'í procura reverter este desequilíbrio.

Com o avanço da ciência, assistimos a uma explosão de conhecimento e a um progresso tecnológico sem precedentes, incluindo a comunicação digital e a ascensão das redes sociais. Este progresso material trouxe prosperidade, riqueza e modernização à humanidade – mas não nos tornámos proporcionalmente mais felizes, empáticos, unidos ou solidários.

Em vez disso, muitas pessoas tornaram-se materialmente mais ricas, mas espiritualmente mais pobres e decadentes.

O Dalai Lama disse: “O amor e a compaixão são necessidades, não luxos. Sem eles, a humanidade não pode sobreviver”. Os investigadores demonstraram que as redes sociais e a tecnologia digital têm um impacto negativo nestes aspectos essenciais da nossa vida diária, diminuindo a nossa capacidade de atenção e afastando-nos do envolvimento com os aspectos mais significativos e essenciais da vida.

Uma das consequências foi que algumas pessoas se tornaram mais indiferentes ao sofrimento alheio devido ao declínio da empatia e da compaixão. A ampla e penetrante influência das redes sociais e da tecnologia, por mais importantes que sejam, afectou negativamente o nosso desejo e capacidade de expressar empatia e boa vontade em relação à situação dos marginalizados, dos doentes e dos desamparados. Não admira, por isso, que, apesar dos notáveis benefícios da modernidade, experimentemos uma crescente solidão, isolamento, descontentamento e depressão em muitas partes do mundo.

Bahá’u’lláh escreveu: “… o propósito pelo qual os homens mortais, vindos do nada absoluto, entraram no reino do ser, é que possam trabalhar para a melhorar do mundo e viver juntos em concórdia e harmonia.”

A empatia e a compaixão, as características mais nobres da realidade humana, são fundamentais nas relações interpessoais. Representam ingredientes essenciais para fomentar a cooperação e criar fraternidade e unidade, especialmente no campo da cura e da medicina. O papel da empatia é comparado a uma "ponte emocional" que liga os indivíduos entre si e reforça o seu sentido de humanidade. A médica e autora Helen Riess, em "A Ciência da Empatia", afirmou: "A nossa capacidade de perceber e lembrar o sofrimento dos outros permite-nos sentir e compreender a sua dor. O sofrimento pessoal experimentado ao observar a dor dos outros motiva-nos frequentemente a responder com compaixão".

Responder com Compaixão

A definição de compaixão, escrita por Emma Seppala no livro Compassionate Mind, Healthy Body (Mente Compassiva, Corpo Saudável):

... é muitas vezes confundida com a empatia. A empatia, tal como definida pelos investigadores, é a experiência visceral ou emocional dos sentimentos de outra pessoa. É, em certo sentido, um espelhar automático da emoção de outra pessoa, como chorar a tristeza de um amigo. O altruísmo é uma ação que beneficia outra pessoa. Pode ou não ser acompanhada de empatia ou compaixão, por exemplo, no caso de fazer um donativo para efeitos fiscais. Embora estes termos estejam relacionados com a compaixão, não são idênticos. A compaixão envolve com frequência e naturalmente, uma resposta empática e um comportamento altruísta. No entanto, a compaixão é definida como a resposta emocional à percepção do sofrimento. É de notar que a compaixão está enraizada mais profundamente no cérebro do que a empatia e existe um sentido de intencionalidade e motivação associado a esta. Existe também uma diferença entre empatia e simpatia, esta última caracterizada pela compreensão de um sentimento. A empatia, por outro lado, envolve a experiência de uma pessoa com os sentimentos de outra. Finalmente, a compaixão, uma experiência mais profunda da dor de outra pessoa, vai para além da empatia e da simpatia.

A compaixão, uma resposta emocional autêntica à tristeza e ao sofrimento humano, acontece sem expectativa de benefício ou recompensa. Um fenómeno multidimensional, frequentemente desencadeado pelo sofrimento alheio, pode também ser acompanhado por um sentimento de perdão, embora nem sempre seja esse o caso. A compaixão pode fazer com que uma pessoa se levante para ajudar os outros, mesmo em situações de risco de vida, como incêndios, tempestades e terramotos.

Os socorristas compassivos que correm para ajudar e salvar vidas arriscam tudo. Durante os primeiros meses da pandemia de COVID-19, por exemplo, sem tratamento ou vacina ainda disponíveis, milhões de profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, arriscaram as suas próprias vidas para salvar as vidas dos seus doentes. Alguns deles morreram no cumprimento do dever.

Ensinar a Compaixão

Será que todos temos a capacidade para ser compassivos? Os ensinamentos Bahá’ís dizem que sim. No seu livro "Respostas a Algumas Perguntas", 'Abdu'l-Bahá disse: "A capacidade é de dois tipos: inata e adquirida". Os investigadores constatam frequentemente que a compaixão é um fenómeno que evoluiu e se adaptou em prol da sobrevivência humana. No entanto, é também uma capacidade espiritual que pode ser ensinada às crianças pelos pais, figuras-modelo e educadores.

A empatia é uma construção complexa que consiste em dois componentes: um é o reconhecimento cognitivo ou intelectual da existência de outro ser; o outro é um componente emocional – uma capacidade que permite a uma pessoa perceber e reflectir as emoções dos outros. Embora no passado se assumisse que a empatia era uma característica inata, estudos recentes mostram que também é provável que seja um comportamento aprendido. Existe também um fenómeno chamado "auto-empatia" – que se refere à capacidade de cuidar do seu próprio bem-estar. Se o bem-estar pessoal for negligenciado, por exemplo, por um profissional de saúde, este pode ser incapaz de sentir empatia pelos doentes ou por outras pessoas.

O conceito de empatia e o seu significado surgiram pela primeira vez na Europa, no século XIX. Em alemão, era designado por "Einfrühlung", que significa o "conhecimento emocional" de uma obra de arte a partir do interior, pelo reflexo emocional que dela emana. Mais tarde, o psicólogo Theodore Lipps expandiu este conceito para significar "sentir-se na experiência do outro". Segundo Helen Reiss, o conceituado filósofo Martin Buber acrescentou uma textura mais profunda ao conceito de empatia, descrevendo-o como uma preocupação humana com os sentimentos dos outros indivíduos.

Quando a Compaixão é Injustificada

No entanto, embora a empatia e a compaixão sejam qualidades humanas louváveis, existem circunstâncias em que tratar as pessoas com compaixão é injustificado e pode até ter consequências perigosas. Quando um adversário é um agressor implacável com um historial de brutalidade e violência, oferecer-lhe compaixão seria como deitar achas para a fogueira, encorajando o comportamento destrutivo dessa pessoa. Este é o lado negativo da empatia e da compaixão. Durante as guerras entre nações e a violência entre indivíduos, a empatia e a compaixão entre aqueles que lutam declinam para o nível mais baixo, e inúmeras pessoas inocentes são mortas ou incapacitadas por conflitos e agressões políticas. 'Abdu'l-Bahá escreveu que:

… o Reino de Deus assenta na equidade e na justiça, e também na misericórdia, na compaixão e na bondade para com toda a alma viva. Esforçai-vos, pois, de todo o coração, por tratar com compaixão toda a humanidade — excepto aqueles que têm algum motivo egoísta, privado, ou alguma doença da alma. A bondade não pode ser demonstrada ao tirano, ao impostor ou ao ladrão, porque, longe de os despertar para o erro dos seus caminhos, fá-los continuar na sua perversidade como antes. (Selections from the Writings of ‘Abdu’l‑Bahá, #139)

Apesar de 'Abdu'l-Bahá nos recordar: "Sois os frutos de uma árvore e as folhas de um ramo; sede compassivos e bondosos com toda a raça humana", também comenta: "A compaixão demonstrada aos animais selvagens e vorazes é crueldade para com os pacíficos — e, portanto, é preciso tratar dos perigosos". (Idem)

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Texto original: Modernity: the Decline of Empathy and Compassion (www.bahaiteachings.org)

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Dr. Abdu'l-Missagh Ghadirian é professor jubilado Faculdade de Medicina de Montreal, na da Universidade McGill. Como médico, autor e investigador, publicou muitos artigos em revistas científicas e abordou sobre questões sociais e psicológicas em todo o mundo. Entre as suas publicações encontram-se catorze livros, incluindo “Steadfastness in the Covenant”, “Creative Dimensions of Suffering” e, mais recentemente, a segunda edição de “Materialism: Moral and Social Consequences”, 2017. O seu trabalho de investigação também incluiu a relevância dos ensinamentos Bahá’ís para questões da sociedade contemporânea. Fundou e dirige um curso sobre a integração da espiritualidade na prática da medicina. O seu interesse actual é o estudo da relação entre espiritualidade e ciência no avanço da civilização.

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