Por Tom Tai-Seale.
Há muitas razões para não acreditar em Deus. Muitas pessoas boas e honestas simplesmente não conseguem compreender como é que o universo tal como o conhecem pode ser conciliado com os conceitos populares de um Ser Supremo.
Um conceito desafiador – um Deus pessoal – pode parecer absurdo. Existe uma distância enorme e intransponível entre uma pessoa que recebeu a vida (e necessita de uma série de outros dons para sobreviver) e um Criador independente de qualquer necessidade. De facto, parece que o conceito de um Deus semelhante a uma pessoa foi herdado dos gregos e romanos clássicos, cujos múltiplos deuses míticos eram demasiado parecidos com pessoas. Em última análise, e por definição, seja quem for ou o que for Deus, esse Deus deve estar muito além da nossa compreensão. O fundador da Fé Bahá’í, Bahá’u’lláh, talvez se tenha expressado melhor, explicando:
Dez mil Profetas, cada um deles um Moisés, estão estupefactos no Sinai da sua busca, perante Sua [de Deus] Voz proibitiva: "Nunca Me contemplarás!"; enquanto uma miríade de Mensageiros, cada um tão grandioso como Jesus, estão consternados, nos seus tronos celestiais, pela interdição: "A Minha Essência jamais a perceberás!" (Bahá’u’lláh, Gleanings, XXVI)
Mas o Deus revelado nestas palavras de Bahá'u'lláh ainda parece uma pessoa, expressa com o pronome "Me" no versículo anterior. Portanto, mesmo para aqueles que compreendem o quão incompreensível Deus deve ser, há algum sentido em que Deus deve ser como nós – ou melhor, nós devemos ser como o Deus que nos criou. Na tradição judaico-cristã-islâmica-bahá’í, somos feitos à imagem de Deus, e na tradição hindu também o somos – porque o nosso eu se dissolve no Eu do Supremo e faz parte da mesma substância, como explica o Adhyatma Upanishad.
Não precisamos de acreditar em nada literal quando consideramos um Deus pessoal – em vez disso, podemos conceber Deus como semelhante a nós apenas no sentido em que podemos experimentá-Lo como algo familiar, íntimo. Neste sentido, Deus está próximo, imanente, dentro de nós.
Mas geralmente entendemos a noção de um Deus pessoal como um contraste com um Criador impessoal ou transcendente – e os filósofos há muito que compreenderam que Deus deve ser tanto pessoal como impessoal. Um Ser Supremo deve ser imanente, porque estamos ligados a Deus; e transcendente, porque Deus é maior do que nós. Embora possamos ter pensamentos inspirados sobre Deus, no fundo são apenas pensamentos humanos limitados. De facto, a Bíblia explica que Deus declara: “Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos…” – Isaías 55:8-9. Portanto, Deus é – e não é - como nós – um mistério e um enigma para além da nossa capacidade de compreensão.
A noção de um Deus pessoal induz também (entre nós que usamos a língua portuguesa, e outras igualmente sobrecarregadas por distinções de género) o hábito de atribuir um pronome de género a Deus – geralmente "Ele". Mas poucos pensam realmente em Deus como masculino, e qualquer preferência por representá-lo como masculino é facilmente contrariada pela consciência de que o Deus dentro de nós também pode ser representado como feminino. Mas, embora esteja claramente para além do género, ocasionalmente, Deus precisa de ser referenciado sob a forma de género para reproduzir ou corresponder à tradição literária, ou simplesmente para seguir as regras de uma língua específica.
Para além das limitações que a linguagem impõe quando consideramos um Deus pessoal, outros problemas se colocam. Como conciliar a noção de um Deus pessoal que cuida de nós, como pessoa, com a destruição impessoal que vemos infligida a inocentes a todo o momento no mundo natural? Isto não parece algo que um Deus pessoal permitiria – se esse Criador se preocupasse com a criação.
| Liebniz e Voltaire |
De facto, não é difícil imaginar um mundo mais perfeito. Por exemplo, um mundo sem inundações, tornados e terramotos seria óptimo. O que é difícil de prever, no entanto, são os efeitos de viver num mundo onde nada pode correr mal. De facto, a possibilidade de acontecimentos aterradores, como as inundações, desperta em nós o espírito de resolução de problemas e eleva-nos, por vezes literalmente, mas sempre social e tecnologicamente.
Pode ser, então, que estes desastres naturais nos convoquem a participar na construção deste mundo, o melhor de todos os mundos possíveis – e o Criador que adoramos colocou em nós este desejo de perfeição. Somos, como a Bíblia nos informa desde o princípio, feitos à imagem de Deus, e parte dessa imagem parece manifestar-se em nós como um desejo contínuo de perfeição. Se você acredita nisto, que este desejo reflecte perfeitamente o Criador – então uma prova da obra de Deus em nós e é, portanto, uma prova da existência de Deus.
Certamente, as pessoas também fazem coisas más, causando por vezes um enorme sofrimento. O mundo teria sido melhor se Hitler tivesse encontrado uma ocupação na sua arte, a sua primeira intenção, em vez da política nacional. Então, os inclinados à descrença perguntam: como pode um Deus pessoal e compassivo permitir tal farsa?
No entanto, eliminar a possibilidade de os humanos fazerem coisas más pode não tornar o mundo num lugar melhor.
Um mundo sem escolhas, um mundo completamente prescrito e seguro, não seria claramente um mundo perfeito. Seríamos autómatos. O livre-arbítrio, ao que parece, é necessário para que possamos assumir qualquer uma das nossas escolhas.
Por fim, pode ser, como argumentou Leibniz, que simplesmente não estejamos em condições de saber o que é justo ou bom na perspectiva do Criador. Até a morte de inocentes, na perspectiva do Criador, pode ser um bem, um alívio do sofrimento. Para sermos justos, temos de admitir que não temos todos os factos. Não sabemos se, ao morrer, nos perdemos ou nos encontramos, se somos destruídos, transformados ou libertados.
A mensagem da religião é que a morte não é um fim, mas para os inocentes e os justos o início de uma existência diferente e mais maravilhosa. Isto não está fora do campo das possibilidades. Mesmo nesta vida, temos indícios de que a morte pode não ser um fim – temos dificuldade em conceber o não-ser e reconhecemos em sonhos e reflexões que a nossa alma não está permanentemente presa ao nosso corpo. A morte não poderá ser libertação, como dizem os ensinamentos Bahá’ís?
Ó FILHO DO SUPREMO! Fiz da morte uma mensageira de alegria para ti. Porque te lamentas? Fiz a luz para derramar sobre ti o seu esplendor? Porque te ocultas dela? (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, #32)
Se somos mais do que apenas os nossos corpos, mais, como disse Whitman, do que o que está entre o nosso chapéu e as nossas botas, e se existe um Deus, então outros mundos de Deus podem abrir-se diante de nós na morte e acolher-nos.
Mais uma coisa: pode ser, como Jefferson e os deístas propuseram, que Deus criou a Terra e depois nos deixou aqui para descobrirmos como lidar com ela. Desta forma, um Deus pessoal não pode ser culpado pelos nossos erros – uma vez que Ele já não está por perto. O problema com isto, no entanto, são as Escrituras – qualquer Escritura, pois o ponto principal das Escrituras é que Deus não nos deixou sozinhos. Em vez disso, Deus deixou-nos recordações, registos e livros contendo uma orientação insuperável. As Escrituras são a história da intervenção de Deus, da melhor forma que a entendemos, para nos salvar. Mesmo nas formas de Budismo em que Deus raramente é referenciado, as Escrituras ainda prescrevem um modo de vida espiritual. Portanto, os nossos problemas sociais não são uma justificação adequada para a nossa incapacidade de ver a obra de Deus na história. De facto, os nossos problemas são a razão pela qual Deus deve intervir continuamente, lembrando-nos do passado e respondendo também a novas contingências.
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Texto Original: Our Legitimate Doubts about God (www.bahaiteachings.org)
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Tom Tai-Seale é professor de saúde pública na Texas AM University e investigador de religião. É autor de numerosos artigos sobre saúde pública e também de uma introdução bíblica à Fé Bahá’í: Thy Kingdom Come, da Kalimat Press.

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