sexta-feira, 5 de novembro de 2004

Na Cidade de ‘Abbás, o Grande

No Outono de 1846, a fama do Báb na cidade de Shiraz incomodava profundamente o clero muçulmano. O governador da cidade, sensível às preocupações da hierarquia religiosa dominante estimulou a repressão contra a recém-nascida comunidade Babí. Alguns crentes e familiares do Báb começaram a ser ameaçados; outro viram os seus bens saqueados. O povo de Shiraz foi avisado que se uma única folha dos escritos do Báb fosse encontrada na posse de alguém, as consequências seriam muito severas.

O Báb decidiu então mudar-se para Isfáhan[1]. Conhecida também como a Cidade de 'Abbás, o Grande, Isfáhan tinha sido a capital da Pérsia nos tempos da dinastia Safavid (1501-1732). O Xá 'Abbás é recordado entre os persas como um dos seus mais ilustres monarcas dessa dinastia, e, também, por ter expulso os portugueses do golfo pérsico. Na cidade existem ainda vários edifícios e monumentos imponentes que datam do reinado de 'Abbás.

Naquela época, a cidade já tinha perdido o esplendor de outros tempos. O governador era um eunuco de origem georgiana, Manuchihr Khan. Tinha sido vendido como escravo em criança e educado como muçulmano. Como muitos outros eunucos, tornou-se funcionário governamental. As suas qualidades pessoais levaram-no a ser merecedor da confiança do Xá e a ser nomeado governador da província de Isfáhan. Era temido pela sua crueldade, mas reconheciam-lhe a justiça e a capacidade de proteger os mais fracos.

Quando o Báb se ia aproximando da cidade de Isfáhan, escreveu uma carta ao Governador Manuchihr Khan solicitando-lhe que indicasse o local onde pudesse viver. Sensibilizado com a cortesia e o estilo da carta do Báb, o Governador deu ordens ao mais importante líder religioso da província, o Imam Jumih, para receber o Báb na Sua casa e acolhê-Lo de forma calorosa e generosa. Ordenou ainda a várias pessoas que tratassem de escoltar o Báb.

Na época, já existia em Isfáhan um número considerável de Bábís. Durante a estadia do Báb em Isfáhan, a Sua fama espalhou-se ainda mais por toda cidade. Todos os dias uma multidão de pessoas vinha vê-Lo e ouvir as Suas palavras. Existem relatos de vários episódios passados nesses dias em Isfáhan; desde as pessoas que queriam guardar a água usada pelo Báb antes das suas orações, até aos comentários sobre capítulos do Alcorão revelados em resposta a pedidos de alguns clérigos.

A crescente popularidade do Báb, começou a incomodar o clero da cidade, que ficava com medo de perder o seu prestígio e poder. Começaram a espalhar rumores sobre Ele, na esperança de levantar suspeitas a Seu respeito. Com os boatos e as acusações crescentes contra o Jovem de Shiraz, o Governador, preocupado com a situação, decidiu convocar uma reunião com o clero muçulmano e o Báb. Nessa reunião foram-Lhe colocadas várias questões; abordavam assuntos como a filosofia, a teologia, e a jurisprudência islâmica. O Báb respondeu a todas em termos simples, mas eloquentes.

Manuchihr Khan, que assistiu à reunião e impediu que os clérigos avançassem com insultos contra o Jovem, percebeu que os sacerdotes não se iam dar por vencidos. Após a reunião convidou o Báb a mudar-se para a sua própria residência e a ficar sob sua protecção pessoal. Na verdade, alguns dias após essa reunião, os clérigos muçulmanos reuniram-se e decretaram a pena de morte para o Báb.

Em casa, durante longas horas de conversa com o Báb, Manuchihr Khan começou gradualmente a compreender a grandeza da Sua Revelação. Um dia, quando estava sentado com o Báb no jardim da sua casa, o Governador dirigiu-Lhe estas palavras:


"O Todo-Poderoso dotou-me de grandes riquezas. Não sei como melhor usá-las. Agora que fui levado, pela ajuda de Deus, a reconhecer esta Revelação, é meu ardente desejo consagrar todas os meus bens à promoção dos Seus interesses e à difusão do Seu Nome. É minha intenção dirigir-me, com a Vossa permissão, a Teerão, e fazer todo possível para que Xá Muhammad, cuja confiança em mim é firme e inabalável, aceite esta Causa."[2]
A esta demonstração de fé e devoção, o Báb respondeu:

"Que Deus vos recompense pelas vossas nobres intenções. Tão elevado propósito é para Mim ainda mais precioso do que o próprio acto. No entanto, os vossos dias e os Meus estão contados; são demasiadamente curtos para ser possível que Eu os presencie e para permitir que atinjais a realização das vossas esperanças. Não será pelos meios que vós ingenuamente imaginais que uma Providência omnipotente conseguirá o triunfo da Sua Fé. Por intermédio dos pobres e humildes desta terra, pelo sangue que eles derramarão no Seu caminho, é que o Soberano Omnipotente assegurará a preservação e a consolidação dos alicerces da Sua Causa. Esse mesmo Deus, no mundo vindouro, colocará sobre a vossa cabeça a coroa de glória imortal e derramará sobre vós as Suas bênçãos inestimáveis. Da duração da Vossa vida terrena restam apenas três meses e nove dias, após os quais, com fé e certeza, vos apressareis à vossa morada eterna."[3]
Três meses e nove dias mais tarde, o governador faleceu tal como o Báb havia predito. Poucos dias depois da sua morte, o seu sucessor enviou uma mensagem ao Xá em Teerão perguntando-lhe o que deveria fazer com o Báb. O Xá ordenou-lhe que enviasse o Báb, disfarçado, para a capital, onde pretendia encontrá-Lo. Assim, acompanhado por uma escolta montada, o Báb iniciou Sua viagem para Teerão.

Aqueles quatro meses que o Báb passou na residência privada do Governador de Isfahan, foram os mais tranquilos do Seu ministério.




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NOTAS
[1] – Sobre Isfahan, ver tambem esta página no Iran Chamber.

[2] – The Dawnbreakers, pag. 107
[3] – The Dawnbreakers, pag. 107-108

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