A propósito do post ... Mas as Crianças, Senhor? na Rua da Judiaria, da resposta do Timshel (post: Erro ou Fanatismo?) e de todo o conjunto de comentários que ficaram registados neste último, aqui fica a minha opinião.
É natural que os pais queiram educar os filhos na sua religião. Eu pretendo fazer isso com o meu filho; quando ele tiver atingido a maturidade poderá decidir se deseja ser bahá'í ou não. Se eu, por ventura, faltar, gostaria que alguém lhe fosse transmitindo os valores e princípios da minha religião. Creio que qualquer um de nós sentirá isso em relação aos seus filhos.
No caso das crianças judias que sobreviveram ao holocausto, é perfeitamente natural pensar que os seus pais gostassem que estas crianças fossem educadas segundo os princípios e valores do judaísmo. Cumprir esse desejo seria uma forma de homenagear a memória daquelas famílias e perpetuar a sua descendência. É óbvio que educar uma criança numa religião que não é a nossa é uma tarefa difícil. Qualquer um de nós, se fosse posto perante uma situação destas, questionar-se-ia: "O que é mais importante? A minha fé ou a memória dos pais desta criança?".
A este propósito, lembro-me de ter lido uma história que se passou na Índia, após os motins que se deram antes e depois da independência daquele país. Houve um hindu que disse a Gandhi que tinha morto uma criança muçulmana e que os remorsos desse acto não lhe saíam da cabeça. Gandhi sugeriu-lhe que procurasse uma criança muçulmana que tivesse ficado órfã, que a adoptasse e a educasse na religião islâmica (o que destaco aqui é a possibilidade desse gesto e não os motivos que levam a esse gesto).
1 comentário:
Excelente o teu post, lúcida a formulação do problema, e muito apropriado a recordação desta história de Ghandi (que me permitirei citar num post do Quase em Português).
Mas reconheço que essa tua pergunta "O que é mais importante? A minha fé ou a memória dos pais desta criança?" tem resposta antecipada para quem acredita de uma forma minimamente ortodoxa no cristianismo:
Obviamente, para este, o que tem prevalência é a salvação das almas destas crianças. Isto é, para quem acredita que "não há salvação fora da igreja" (o que pressuponho ser o caso de Pio XII como para a vasta maioria dos católicos contemporáneos dele), passa por ser a única postura responsável.
A questão de eventualmente ficar com a guarda das crianças, mas educá-los na religião judia, que se te - como a mim - afigura como opção possível, dificil mas ao mesmo tempo fascinante, não se lhes coloca.
Essa opção pressupõe um espírito ecuménico que é muito mais do que uma vontade de diálogo: O reconhecimento de que Deus está além das religiões, que as religiões são ferramentas humanas para contactar com o divino, e por isso não absolutos e insubstituíveis.
Este dilema das crianças judias ilustra muito bem a razão da minha grande reserva em relação à dogmas religiosas, que se tomam por absolutos.
Enviar um comentário