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À medida que continuam a surgir em todo o mundo relatos ultrajantes sobre violações, faço uma pausa para reflectir sobre o que isto revela acerca da nossa colectividade humana. As histórias que apareceram nas últimas semanas parecem ter semelhanças inquietantes: são extremamente violentas, muitas vezes há grupos de homens envolvidos, e a pessoa atacada tem sido humilhada publicamente, e em alguns casos, morta devido a lesões corporais.
Para agravar a situação, ouvimos falar de vítimas a quem é dito que são culpadas por aquilo que lhes aconteceu. Quer se trate da jovem mulher violada e depois arrastada como um saco em Steubenville, ou a jovem no autocarro na Índia, ou as centenas de milhares de mulheres congolesas que também foram violadas nas duas últimas décadas, a nossa capacidade para ouvir cada vez mais histórias destas, e, apesar disso, manter a esperança no progresso social e moral da humanidade, não é uma tarefa fácil
No meio destas trevas, exploremos um lado do debate que muitas vezes não é falado: o que nos levou, enquanto colectividade humana ao ponto onde o corpo de uma mulher (e em muitos casos corpo de um homem) poder ser assim vulgarmente usado como um objecto no qual se inflige violência, terror, e uma tamanha selvajaria que nem os animais infligem uns aos outros? Como é que nós, enquanto indivíduos, nos vemos em relação aos outros, e serão estres ataques, e a indignação moral que provocaram (expressa online de forma tão extensa e nas nossas conversas diárias) um sinal de que as pessoas em todo o mundo se galvanizaram num clamor global, ou mesmo num movimento, para alterar a aceitação da violência baseada no género?
A questão de percepção é também uma consideração importante. Pois se vemos a violação como afectando apenas a vítima, vemos apenas o seu trauma físico e medo, terríveis como são, como o dano. No entanto, se vemos a violação como um ataque à nossa humanidade colectiva, como um crime que cria medo e desconfiança contínua na psique de cada homem, mulher e criança, então os autores dos crimes de Steubenville e Delhi exercem uma influência muito maior do que se pensava. Eles têm a capacidade de incutir um profundo sentimento de separação, uma fissura no tecido social.
Mas eu diria que eles exercem esse poder apenas se nós o permitirmos. O que seriam as nossas conversas se estes indivíduos fossem sempre vistos como um desvio da norma em vez de, como alguns infelizmente passaram a acreditar, representantes de uma maioria de homens no mundo, constrangidos apenas pelo medo ou pelo castigo? E se, em vez disso, mudássemos o nosso olhar para ver homens e rapazes como potenciais campeões dos direitos das mulheres – aliados na construção de uma sociedade justa, tolerante e pacífica? Teríamos reclamado uma verdade que alguns indivíduos tentaram roubar.
Para explorar ainda mais a ideia de que o caminho da humanidade está ligado, volto-me par aos ensinamentos da Fé Bahá’í. Entre os ensinamentos centrais desta Fé, está o princípio da unidade da humanidade. O filho do Profeta fundador desta Fé, 'Abdu'l-Bahá escreve:
“Considerai o bem-estar da comunidade como o vosso próprio. Resumidamente, isso significa que ver a humanidade como um único indivíduo, e o nosso próprio ser como membro dessa forma corpórea, e saber com toda a certeza que se uma dor ou dano afligir algum membro desse corpo, isso vai inevitavelmente provocar sofrimento de todo o resto.”Esta perspectiva parece estar em profundo contraste com o que vemos e experimentamos numa sociedade esmagadoramente individualista. Mas se pararmos para reflectir sobre as formas como tendências e acontecimentos globais - sejam económicos, ambientais ou mesmo coisas simples ao nível das interacções humanas - demonstram cada vez maior interligação, poderemos ser capazes de compreender melhor a citação anterior e apreciar as suas implicações.
Cartaz de uma campanha da Men Can Stop Rape |
A maioria dos homens não viola - poucas e simples palavras juntas; mas trata-se de uma frase que não é muitas vezes repetida. Lembra-nos que a mentalidade do "grande papão mau ao virar da esquina ", apesar de parecer muito natural, atendendo a todas as histórias que surgem nos media, pode ser uma ilusão enganadora. Apesar de ser tão difícil não ter esse medo, especialmente quando uma jovem mulher anda à noite numa rua escura, como muitas vezes eu sinto, também é imperativo que defendamos o trabalho que organizações como Men Can Stop Rape e outras na mudança de pensamentos e comportamentos.
Particularmente poderoso é o trabalho que esta organização faz em escolas do ensino secundário com os seus Clubes de Homens de Força, ajudando rapazes e jovens a eliminar conceitos nocivos e sexualmente exploradores de "homens de verdade", substituindo-os por conceitos socialmente responsáveis de "homens fortes" - homens que vêem as mulheres como seres humanos iguais totalmente dignos de respeito.
Este trabalho, que começou como uma pequena iniciativa, espalhou-se por mais de 100 escolas e campus universitários. Um longo caminho ainda tem de ser percorrido antes que se possa afirmar que mudou a cultura de uma vila ou cidade, quanto mais uma nação. No entanto, se o trabalho ao longo desta estrada for acompanhado de uma constante indignação pública relativamente à violência sexual, então melhorarão as condições para os conceitos e as ferramentas de comunicação da Men Can Stop Rape possam gerar números cada vez maiores de conversas transformadoras entre rapazes e jovens. Mais tarde, isso vai levar a uma mudança na cultura masculina, de apoio (ou indiferença por omissão) à violência sexual para uma esmagadora intolerância com o mesmo.
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Texto original em inglês: Building 'Men of Strength': A Response to Sexual Violence (HuffingtonPost)
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