domingo, 24 de setembro de 2017

A minha amiga que tentou suicidar-se

Por David Langness.


Tive uma amiga no ensino secundário, viva e magnética, com cabelo ruivo flamejante. Um dia ela parecia que estava um pouco triste e desanimada. Quando vinha da escola e regressava a casa, parei na casa dela e perguntei-lhe: "Tu estás bem?"

E enquanto ficámos frente a frente, à porta da casa, ela não resistiu e começou a soluçar. As lágrimas caíam como dois rios sobre a sua face. Aproximei-me e abracei-a; ela chorou ainda mais e todo o seu corpo se afundou um choro convulsivo.

Após cerca de dez minutos, ela mostrou-me um enorme frasco de comprimidos que tinha na mão. "Estava quase a tomar isto tudo", disse ela. E acrescentou que tinha feito uma promessa silenciosa a si própria: que, se durante todo aquele dia, ninguém lhe perguntasse como é que ela estava, ela suicidar-se-ia.

Aconteceu que o seu namorado tinha terminado a relação com ela no dia anterior, e, na mesma noite, o seu pai anunciou que ele e a sua mãe se iam divorciar. A minha amiga sentiu que a sua vida esta a desabar e que nunca mais voltaria a ser feliz. Por isso, decidiu acabar com a sua vida, a menos que alguém interferisse. Por sorte, e sem saber disso, eu interferi nos seus planos.

Sentámo-nos na sala de estar e conversámos. Eu ainda não era Bahá’í, mas disse-lhe que os ensinamentos Bahá’ís, tal como os ensinamentos de todas as grandes religiões, proíbem o suicídio. A vida é considerada como uma oferta do Criador:
Deus criou o homem sublime e nobre, tornou-o um factor dominante na criação. Especializou o homem com favores supremos, conferiu-lhe mente, percepção, memória, abstracção e os poderes dos sentidos. Estas dádivas de Deus para o homem tinham como objectivo fazer dele a manifestação das virtudes divinas, uma luz radiante no mundo da criação, uma fonte de vida e um agente construtivo nos campos infinitos da existência. Devemos, pois, destruir este grande edifício e as suas próprias fundações, derrubar este templo de Deus, o corpo social ou político? (‘Abdu’l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 352)
Todos os anos, em todo o mundo, há quase um milhão de pessoas que se suicida - e isso sem contar com os excessos de drogas ou álcool, muitas vezes rotulados como "morte acidental", mas que são realmente intencionais. Imagine o que essas almas abandonadas poderiam ter dado à humanidade e ao mundo se tivessem decidido viver. Imagine os danos permanentes que as suas mortes causam nos seus entes queridos. Imagine, também, o que poderia ter acontecido se elas tivessem decidido superar pacientemente os seus testes e provações, e reconhecer que os caprichos da vida significam que nossos problemas acabam por passar:
Não deveis ferir-vos ou suicidar-vos... Não é permitido... Se alguém, em algum momento, encontrar situações difíceis e intricadas, deve dizer a si próprio: "Isto em breve passará." (‘Abdu'l-Bahá, Star of the West, Volume 7, p. 280)
A minha amiga, que tinha 15 anos naquela altura, não pôs termo à sua vida. Cresceu, teve um casamento feliz, foi mãe de três filhos maravilhosos, que hoje são adultos e têm os seus próprios filhos. Ela também se tornou uma artista de sucesso, cujas belas pinturas valorizaram milhões de vidas.

No entanto, os ensinamentos Bahá’ís não condenam, nem castigam, aqueles que põem termo às suas próprias vidas. Apesar das leis Bahá’ís proibirem o suicídio, os Bahá’ís entendem que algumas pessoas simplesmente não conseguem enfrentar outro momento neste plano difícil da nossa existência. Na verdade, os ensinamentos Bahá’ís consideram o suicídio como triste e deplorável - mas também reconhecem o ímpeto subjacente que todas as pessoas enfrentam e vêem-no com piedade e compaixão. Essa compreensão amável, exemplificada nesta carta de ‘Abdu’l-Bahá a uma mulher cujo marido acabara com a sua própria vida, assegura-nos que as condições de depressão grave, angústia e tristeza que levam ao suicídio serão aliviadas no próximo mundo:
Ó buscadora do Reino! A tua carta foi recebida. Escreveste sobre a grave calamidade que te aconteceu - a morte do teu respeitável marido. Esse homem honrado foi sujeito a tamanho stresse e tensão neste mundo que o seu maior desejo era libertar-se dele. Assim é esta morada mortal: um armazém de aflições e sofrimento. É a ignorância que o liga ao homem, pois nenhum conforto se pode assegurar a qualquer alma neste mundo, desde o monarca até o mais humilde dos plebeus. Se, numa ocasião esta vida oferece um cálice doce a um homem, seguir-se-ão cem amargos; essa é a condição deste mundo.

O homem sábio, portanto, não se liga a esta vida mortal e não depende dela; em alguns momentos, até, ele desejará ansiosamente a morte, para que, com isso, se possa libertar dessas dores e aflições. Assim, vê-se que alguns, sob extrema pressão da angústia, se suicidaram.
Quanto ao teu marido, tem a certeza: ele será imerso no oceano de perdão e da indulgência e tornar-se-á o receptor da graça e do favor. (Selections from the Writings of Abdu’l-Baha, nº 170)
Hoje, 10 de Setembro, é o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. A Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio tem uma série de sugestões no seu site para ajudar quem pensa em suicidar-se. Também descreve os casos de muitas pessoas suicidas que não queriam morrer, mas preferiram que alguém interferisse e as parasse - que esperavam e procuravam activamente alguém que sentisse o seu desespero e lhes perguntasse se elas estavam bem.

Às vezes, as pessoas suicidas dizem que fizeram uma promessa a si próprias: que se alguém lhes perguntasse, contariam tudo e permitiriam que interferissem, tal como aconteceu com a minha amiga ruiva.

A próxima vez que um amigo, um membro da família ou algum estranho parecer estar em baixo ou deprimido, você vai perguntar-lhe?

Todos sabemos que a vida é preciosa e, por vezes, precária. Durante algum momento particular de grande sofrimento, depressão ou tristeza, quase toda a gente pensa que a morte pode ser mais fácil do que a vida. Então, perder um minuto para falar com alguém e perguntar-lhes se está bem - seja um estranho, um amigo ou um familiar próximo - pode mudar o rumo daquela vida, e da sua também.

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Texto original: My Friend Who Tried to Kill Herself (www.bahaiteachings.org)

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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

1 comentário:

Anónimo disse...

adoro o bahaiteachings e os artigostos do David Langness