sábado, 28 de agosto de 2021

A Influência de 'Abdu'l-Bahá em O Profeta, de Kahlil Gibran

Por David Langness.


Quase todas as pessoas que lêem O Profeta pergunta-se a si mesmo - quem inspirou este livro extraordinário? Havia um profeta verdadeiro, um visionário, um poeta santo e perspicaz que serviu de inspiração ao herói de Gibran, Almustafa? Se sim, quem era ele? De onde vieram os seus profundos ensinamentos? Como podemos saber mais sobre ele?

O próprio Gibran sempre se recusou a responder a este tipo de perguntas. Muitos tentaram descobrir a inspiração por trás d’ O Profeta, mas poucos recolheram todos os indícios que Gibran e outros deixaram.

Esta série de ensaios aborda esse mistério e tenta apresentar uma resposta para essas questões.

Críticos, escritores e biógrafos opinaram sobre esta questão durante décadas. Muitos citaram o poeta romântico William Blake como uma grande influência na obra de Gibran, enquanto outros dão crédito a transcendentalistas como Emerson e Thoreau. Alguns dizem que “Assim Falava Zaratustra” de Nietzsche teve um impacto considerável no jovem Gibran, especialmente na sua representação do líder de uma grande religião que falava com autoridade espiritual. Outros citam as influências hindus, budistas e bíblicas de Gibran na sua história de profunda sabedoria profética. Mas a maioria remete os leitores às influências místicas Sufis de Gibran, tão evidentes na sua restante obra em árabe e tão proeminentes no seu pensamento como artista e poeta libanês.

Mas muitos destes comentadores desconhece um dos eventos mais importantes na vida de Gibran: os seus encontros com ‘Abdu’l-Bahá.

O autor e artista Kahlil Gibran conheceu 'Abdu'l-Bahá na cidade de Nova Iorque no início da primavera de 1912. Gibran, então com 29 anos (só iria publicar O Profeta em 1923), queria desenhar um retrato artístico de 'Abdu'l-Bahá, o líder da Fé Bahá'í, uma nova religião global em rápida expansão. Gibran já tinha desenhado retratos do escultor Rodin, do poeta W. B. Yeats, do psiquiatra e filósofo C. G. Jung e do compositor Debussy. Depois de ser apresentado pela colega artista e Bahá'í Juliet Thompson, e de ter assistido a várias palestras de 'Abdu'l-Bahá e até mesmo servir como seu intérprete, Gibran desenho o retrato de 'Abdu'l-Bahá em 19 de Abril, no seu estúdio, na 10th Street em Lower Manhattan (O estúdio de Gibran ficava do outro lado da rua de Juliet Thompson, e os dois eram amigos).

Retrato artístico de 'Abdu'l-Bahá, feito por Khalil Gibran

'Abdu'l-Bahá, com 68 anos na época, tinha sido recentemente libertado pelo império Otomano após quarenta anos de exílio e prisão domiciliar. Considerado uma figura espiritual reverenciada e um poderoso e prestigiado defensor da unidade e da paz mundial, 'Abdu'l-Bahá foi à América para se encontrar com a comunidade Bahá'í, viajar por todo o país, fazer várias palestras e proclamar a nova Fé do seu pai, Bahá'u'lláh.

Após os primeiros encontros com 'Abdu'l-Bahá, Gibran disse: “Ele é um grande homem. Ele é completo. Existem mundos na sua alma... ” Mais tarde, disse a Juliet Thompson “que as suas reuniões com o líder Bahá'í influenciaram profundamente o seu trabalho. Essas reuniões deixaram uma impressão indelével, e Gibran escreveu que viu o Invisível e ficou realizado". (Kahlil Gibran, Man and Poet, de Suheil Bushrui e Joe Jenkins, p. 126.)

Mais tarde, na mesma década, Gibran começou a escrever o que inicialmente chamou de “Os Conselhos”, e que se tornou “O Profeta”. Disse a amigos que tinha “trabalhado periodicamente no livro desde 1912, quando “recebeu o primeiro motivo, para o seu Deus da Ilha”, cujo “exílio de Prometeu será uma Ilha”. - Idem, p. 165

Aparentemente Gibran escreveu pelo menos uma parte do primeiro rascunho de “O Profeta” na grande propriedade da escritora Marie Tudor Garland em Buzzard Bay, Massachusetts em 1919. Lá ele caminhou entre as árvores da propriedade e junto ao mar, meditando sobre o que ele chamou o “Um Grande Pensamento” que se tornaria a sua obra mais famosa.

Provavelmente, ele criou a personagem do sábio exilado Almustafa na propriedade de Garland. Em árabe, o nome Al Mustapha significa “O Escolhido”, mas Gibran optou por alterar a grafia para se aproximar do nome de 'Abdu'l-Bahá, mudando apenas as consoantes. Começou o livro com Almustafa prestes a deixar o seu local de exílio e a fazer uma viagem de navio, exactamente como 'Abdu'l-Bahá tinha feito. Em “O Profeta”, Gibran enquadrou a essência do livro com os residentes da cidade aclamando a sabedoria de Almustafa, tal como ele vira os nova-iorquinos fazerem com 'Abdu'l-Bahá. Em O Profeta, os aldeões chamam "Mestre" a Almustafa, tal como ele ouviu os Bahá'ís referirem-se a 'Abdu'l-Bahá como o Mestre.

Depois, Gibran preencheu O Profeta com a sabedoria intemporal e a visão dos ensinamentos Bahá'ís:

Também vos foi dito que a vida é escuridão, e no vosso cansaço fazeis-vos eco de tudo o que os cansados vos disseram.
E eu digo que a vida é mesmo escuridão excepto quando existe necessidade,
E toda a necessidade é cega excepto quando existe sabedoria.
E toda a sabedoria é vã excepto quando existe trabalho,
E todo o trabalho é vazio excepto se houver amor;
E quando trabalhais com amor estais a ligar-vos a vós mesmos, e uns aos outros, e a Deus.
(The Prophet, p. 26.)

É ordenado a cada um de vós que se ocupe em alguma forma de actividade – tal como ofício, comércio ou similares. Benevolamente elevámos a vossa ocupação em tal trabalho ao grau de adoração a Deus, o Verdadeiro. Ponderai nos vossos corações a graça e as bênçãos de Deus, e agradecei-Lhe, ao anoitecer e ao alvorecer. Não desperdiceis o vosso tempo em indolência e ociosidade. Ocupai-vos com aquilo que seja proveitoso para vós e para os outros. Assim foi decretado nesta Epístola de cujo horizonte o Sol da sabedoria e da palavra irradia resplandecente… Quando alguém se ocupa num ofício ou num comércio, essa ocupação é considerada, aos olhos de Deus, um acto de adoração; e isso não é, senão um sinal da Sua generosidade infinita e omnipresente. (Bahá’u’lláh, Tablets of Bahá’u’lláh, p. 26)

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Texto original: Abdu’l-Baha’s Influence on Kahlil Gibran’s The Prophet (www.bahaiteachings.org)


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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.

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