sábado, 10 de abril de 2004

Inspecções Nucleares no Brasil

Com as atenções internacionais centradas no vespeiro iraquiano, é natural que muitas coisas nos passem despercebidas. Uma das notícias que nos passou despercebida foram as inspecções da Agencia Internacional de Energia Atómica (AIEA) às instalações nucleares brasileiras em Resende (Rio de Janeiro).

A visita destes inspectores abriu uma polémica entre o governo brasileiro, que se recusava a partilhar segredos tecnológicos nacionais e a AIEA. As notícias sobre este assunto descrevem declarações e desmentidos do governo e da AIEA; sucederam-se várias acusações, cada uma com muitas interpretações por parte dos media. Veja-se aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Entretanto foram postas a circular pelas agências noticiosas internacionais outras notícias referentes à destruição da Amazónia e outros problemas económicos brasileiros. Coincidência?

Devo admitir que tenho dificuldade em olhar para esta notícia sem ser um pouco tendencioso. Eu gosto do Brasil; aprecio imenso várias coisas na cultura brasileira. Acompanho muitas coisas que se passam naquele país; tenho familiares que vivem lá; tenho antepassados cariocas e gaúchos.

Talvez por esse motivo, a posição do governo e de vários media brasileiros, defendendo o seu know-how de tecnologia nuclear, despertou a minha simpatia. Nunca senti essa simpatia por outros países quando a AIEA tentou fazer inspecções, nomeadamente no Irão e na Coreia. Tentei encontrar justificações para essa diferença de posições da minha parte:
* O governo brasileiro não é um governo de cangaceiros;
* O regime brasileiro não é um regime totalitário;
* O regime brasileiro não apoia grupos terroristas;
* O regime brasileiro não é uma ameaça à paz mundial.

AS INSPECÇÕES DA AIEA

Não sei o que se passa quando a AIEA faz, ou tenta fazer, inspecções na Índia ou no Paquistão, em França ou no Reino Unido; até podem existir os mesmos problemas e os governos desses países podem criar os mesmos obstáculos e existam os mesmos atritos durante as visitas dos inspectores.

Este caso fez-me recordar um documentário que assisti há alguns meses atrás sobre as inspecções das Nações Unidas feitas no Iraque após a primeira guerra do golfo (1991). A maioria dos intervenientes assumia que as equipas de inspecção continham agentes da CIA. Atendendo a isto, e ao facto do Brasil ter conseguido uma série de realizações tecnológicas, questionei-me se os EUA não teriam interesse em espiar o desenvolvimento nuclear brasileiro.

Tentando ser o mais objectivo possível sobre este problema diria que:
* A tecnologia nuclear é uma tecnologia sensível; pode ser utilizada fins pacíficos ou para fins militares.
* É importante que existe um organismo internacional que controle a utilização que é feita com esta tecnologia.
* Esse organismo deve estar acima de qualquer suspeita; as suas actividades nunca poderão ser utilizadas para satisfazer os interesses particulares de qualquer país.
* Se as inspecções da AIEA levantam suspeitas e o motivo das suas inspecções não é claro, algo está mal com essa agência ou com os países que são alvo das inspecções.

UMA ORDEM MUNDIAL JUSTA E EQUILIBRADA

A base de qualquer relacionamento é a confiança; as relações familiares, profissionais, amizades, relações comerciais, tudo são elos baseados na confiança. Se a confiança não existe, a relação degrada-se. As inspecções nucleares no Brasil são um exemplo de relação degradada.

Se as nações e os organismos internacionais se relacionam sem uma base de confiança, então a ordem mundial tem de ser pensada e revista. Se as actividades de alguns dos mais conhecidos e prestigiados organismos internacionais suscitam reservas ou desconfianças de alguns países, então algo está mal com essa mesma ordem mundial.

Numa ordem mundial justa e equilibrada, parte das soberanias nacionais teria de ser transferida para um organismo que fosse uma espécie de Confederação de Nações (não encontrei expressão mais adequada). O controlo de armamentos, de tecnologias sensíveis, a partilha de conhecimentos científicos, a arbitragem internacional, e um tribunal penal internacional são apenas algumas áreas de actividade dessa Confederação; todos os países deveriam estar vinculados a essa organização e deveriam obedecer às decisões dos organismos dessa Organização.

A actual ordem mundial não possui estas características. É unipolar e as Nações Unidas têm aquela velha estrutura criada no final da 2ª Guerra Mundial. Não me parece que as nações do mundo possam continuar a viver e relacionar-se da maneira actual. Temos que pensar muito a sério nas mudanças, e na implementação das mesmas; não bastam bonitas declarações de intenções.

Sem comentários: