A insegurança tornou-se o tema predilecto dos media sensacionalistas. É assalto no comboio, esticão na avenida, pancadaria num bairro de subúrbio... tudo serve para as primeiras páginas e até abertura de telejornais. Infelizmente, e como seria de esperar, políticos menos escrupulosos não hesitam em fazer aproveitamento do tema.
Quem viveu os anos 70 e 80 no bairro dos Olivais, em Lisboa, sabe o que é insegurança. Desde cedo sabíamos que se levávamos dinheiro para comprar um bolo na escola, havia sempre uma certa probabilidade de algum grupo de miúdos - a quem chamávamos "ciganos" - o roubarem; levar umas estaladas ou apanhar com uma pedrada na cabeça também eram probabilidades. Com o passar do tempo, fenómenos como droga, assaltos violentos e roubo de carros também se tornaram ocorrências regulares.
Até há pouco tempo morei na Pontinha - bem próximo da Azinhaga dos Besouros, que é tido hoje pelos media como um dos bairros mais inseguros da periferia de Lisboa. Também ali encontrei o sentimento de insegurança: roubos, assaltos e actos de vandalismo eram frequentes. A única diferença em relação aos Olivais pareceu-me ser a cor da pele dos miúdos que arranjavam problemas.
Assim, comparando o caso dos Olivais com o que os media nos relatam hoje, consigo identificar duas questões: qual deve ser o papel dos media e quais são as raízes deste tipo de problemas. Por exemplo, se os media de então tivessem feito eco daquele ambiente de insegurança que se vivia no Olivais, isso seria um contributo para a minimizar ou apenas aumentaria e generalizaria ainda mais esse sentimento? E se os chamados "ciganos" fossem miúdos de um grupo étnico diferente do nosso, até que ponto este problema não passaria a ser considerado um "clima de tensão racial"?
15 comentários:
Lançaste a faísca, vamos ver o que sai daqui.
Os media são uns artistas (quase) nunca dizem que são negros que assaltam mas entrevistam gente comum na esperança que ela o faça. Vão a um "bairro de negros" para darem voz alta às queixas contra a polícia por excesso de violência.
Antes que a gasolina se espalhe e comecemos a chamar ciganos e pretos aos que provocam desacatos e pequenos, e, grandes roubos deixem-me dar um pequeno quadro... dos anos sessenta na Covilhã industrializada onde não havia desemprego embora se ganhasse muito mal e a vida do dia a dia dos trabalhadores mais mal pagos, ou sem qualquer especialização, pouco se diferenciava da escravatura antiga.
Andei na escola central onde havia separação de sexos, logo não "recreio" com meninos e meninas.
Não havia naquela época instrução para os Ciganos - povo que eu respeito profundamente -, nem havia, ainda, povos oriundos do Portugal Ultramarino, como então se chamava. E, no entanto, havia arruaceiros provenientes dos filhos dos mais explorados da sociedade e que viviam nos limitrofes da cidade e que eram um autêntico perigo para a comunidade estudantil, e, no entanto, de quem tinhamos realmente medo era dos... professores, alguns autênticos tiranos e sádicos que me marcaram para toda a vida.
Havia o percurso de integração que passava por várias etapas e uma delas, nem vos passa pela cabeça, era atravessar uma barra por cima de umas escadas íngremes para uma janela fechada a cimento apenas com um pequeno parapeito, de onde caíu um amigo e vizinho meu ao atravessar a dita barra. Morreu.
No dia seguinte houve um luto envergonhado entre os alunos... mas não entre os professores que deram as aulas como se nada tivesse acontecido. Isto deu-se dentro dos "portões" da escola na ala masculina.
Os tais arruaceiros mantiveram-se em silêncio respeitoso durante uns largos dias... depois, bom, depois voltou tudo ao normal: O roubo da merenda, os berlindes, as lutas de navalhas abertas, enfim uma selva de que nem me quero recordar. E, não havia pretos nem ciganos. Hoje 90% desses arruaceiros, ou morreram de morte violenta, outros morreram a trabalhar, e, outros estão presos em presídios de alta segurança.
E, não eram pretos nem ciganos.
Há uma canção do Bob Dylan em que ele diz qualquer coisa do género: "When you got nothing, then you got nothing to loose". E nos casos aqui referidos encontramos um denominador comum: pobreza e a falta de perspectivas para o futuro.
Mas o Bob Dylan tem toda a razão..., no entanto, estávamos todos dentro do mesmo barco e falando de poetas populares deixa-me parafrasear o Tino Flores e o Zé Mário Branco: "só há liberdade a sério quando houver: a paz, o pão, o trabalho... só quer a vida cheia quem teve a vida parada".
E, uns singraram outros não..., como em todoas as coisas na vida.
As grilhetas de quem nada tem são a sua única riqueza, e, essa os despojados da vida dispensam bem. Mas isso não justifica a raiva alimentada em casa por não haver uma educação condigna dos sistemas de educação nem da minha juventude nem da da era actual.
Com uma infância destas eu só podia vir a ser... Bahá'í.
O Elfo tem destas coisas, em um tempo (não três) destroi aquela imagem ídilica que se tem do interior de Portugal nos anos sessenta.
Mas aqui o caso é pior. Numa luta de classes, a de baixo quer alcançar a de cima, não destruí-la segundo o pensamento marxista. Mas numa luta de raças, já há um estereótipo imovível.
Um Estado onde onde a autoridade é fraca, como me parece ser o nosso caso, é mais fácil que o "justo pague pelo pecador". Isto é, vemos imagens de negros a assaltarem impunemente, daí à generalização da cor da pele vai um passo - mesmo para quem não tenha rigorosamente nada a haver com o assinto.
No tempo do Salazar, a que o elfo se refere, as pessoas sentiam os problemas da criminalidade mas ela "oficialmente " não existia. Ou seja, em vez de se enfrentarem os problemas assobiava-se para o ar...
Agora, os jornais e as televisões chamam a atenção para os crimes, mas o sensacionalismo reinante não contribui nada para sua resolução (ou, melhor, atenuação).
Uma das chaves do problema pode estar no fim da impunidade dos criminosos. Se a par da notícia do crime as pessoas souberem que o criminoso foi (ou vai ser) punido certamente que o alarme social vai ser menor. Por um lado, desmotiva os infractores. Por outro, confere às vítimas, e potenciais vítimas, um sentimento de justiça.
Pessoalmente não costumo comentar os anonymous, mas este é o glogg do meu amigo Marco...
Não sei se sabem mas a Comunicação Social, de onde me vem o "canudo", está também ela de mãos atadas pois não pode fazer muito mais do que o que faz. Senão vejamos, se o jornalista tiver assistido ao crime, e isto é circunstância extrema, ainda assim não pode relatar o crime sem que tenha que pôr umas palavrinhas que o ilibem de qualquer processo que lhe possam mover e que são: "ALEGADAMENTE"
Isto é pura e simplesmente rídiculo.
Sabe-se quem é a vítima e têm de dizer "a alegada vítima", ou "o alegado agressor" ainda que se tenha visto o tal agressor de machado na mão a cortar a vítima às postas. Isto é o pior que podem fazer a um jornalista, não poder relatar a notícia sem lhe dar uns "cortes" aqui e ali. Por outro lado os alegados agressores quando vão para a cadeia ainda se vangloriam com o pasquim, debaixo do braço, onde saíu a notícia e são tidos como uns heróis no meio prisional, e, se o alegado assassino matou um polícia então é recebido com honras de estado pelos alegados presos que lhe fazem uma autêntica festa.
Não, não se assobiava para o ar!!! Nem existia a criminalidade como a conhecemos hoje.
Fazer-se eco de uma notícia horrenda como a morte de dois polícias significava dizer que se podiam matar polícias independentemente do que acontecesse a seguir. Por isso os esbirros da polícia política faziam "alegadamente""justiça" pelas próprias mãos e perseguiam a família do "alegado" infractor quase até à quinta geração. E o infractor sabia o que o esperava... um tiro num beco a meio da noite sem direito a um julgamento debaixo das luzes da ribalta.
Acho que estamos um pouquinho mais civilizados, hoje.
Ao meu amigo João Moutinho aconselho o livro de Ferreira de Castro "A Lã e a Neve"... não é tão interessante como "Os Rompedores da Alvorada", mas dar-te-à um retrato mais fiel do que era a Manchester portuguêsa (Covilhã)- havia cerca de 157 fábricas -, dos anos 40/50/60 do século passado.
E essa história da luta de classes aplicada aos gangs dos subúrbios de Lisboa e que copiam os métodos de banditismo afro brasileiros não tem nada a ver com marxismos nem leninismos.
Há um preço para tudo mesmo para a democracia e liberdade.
Não é só connosco que a vinda da liberdade trouxe um aumento da crimanilidade, e mesmo de violência, podemos olhar para a antiga "cortina de ferro" e ver o que acontece. Houve casos em que as rivalidades étnicas expldiram de forma violenta e inesperada.
E agora apetece-me ser mauzinho... será que nós queremos pagar um tão alto preço por uma Democracia "imposta" a uma geração que nada fez para a merecer ou conquistar? Que horror, o que eu fui dizer...
Mas a verdade, verdadinha eé que os Bahá'ís não se metem em política... então somos o quê? seres apolíticos?
Ou teremos mesmo que assumir que a Fé Bahá'í supre a política? Não é gralha ortográfica, é mesmo supre.
Por este andar devemos ler "A Ordem Mundial de Bahá'ulláh" onde Shoghi Effendi fala da falência dos Estados feitos pela mente humana. Haverá uma altura em que a Casa Universal de Justiça será o último refúgio de uma civilização à deriva.
Mas até lá vamos fazendo o melhor que pudermos.
Bingo!
João e Elfo,
"Haverá uma altura em que a Casa Universal de Justiça será o último refúgio de uma civilização à deriva."
Eu teria um pouco de cuidado com esse tipo de leitura (e a expectativa que esta possa suscitar). Pode sugerir que a Casa Universal de Justiça se possa transformar numa espécie de governo mundial. Eu não acredito nisso.
Creio que isso é misturar aquilo que vulgarmente se designa por "Nova Ordem Mundial" (uma organização mundial de nações verdadeiramente justa e representativa dos povos do mundo e seus interesses) com "Ordem Administrativa Baha'i" (a forma como a comunidade baha’i funciona e se organiza).
Uma Nova Ordem Mundial tem de se basear na separação clara entre Estado e Religião; um Estado justo tem de ser equidistante e imparcial em relação a todas as religiões. Assim, é de esperar que a existir um governo mundial (ou uma qualquer organização mundial de nações) esta seja independente das comunidades religiosas mundiais.
No entanto, isso não quer dizer que o Estado ignore as comunidades religiosas; pelo contrário. À semelhança do que acontece com tantas Organizações Não-Governamentais, também é natural que um Estado solicite às comunidades religiosas pareceres e opiniões sobre assuntos que afectam a sociedade. Isto aplica-se aos Estados Nacionais, como a um futuro Estado Mundial.
Conhecendo os princípios e ensinamentos baha'is, percebe-se que esta religião tem um enorme potencial de crescimento; tratando-se de uma religião com ensinamentos que consideramos adequados às necessidades da humanidade dos dias de hoje, é de esperar que a Comunidade Baha'i venha a dar um contributo muito valioso aos Estados.
Sobre este tipo de contributo, já referi algumas vezes o processo de eleição que existe na comunidade baha'i. Imaginem o que seria a nossa vida política com um processo eleitoral semelhante.
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