quarta-feira, 3 de maio de 2006

A Natureza Humana

Hoje na Terra da Alegria temos textos sobre as relações entre a justiça e o amor (Timshel) e o preservativo como um bem acessório (Miguel Marujo). O “meu” texto sobre a natureza humana é mais uma citação do livro de Mojan Momen.

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O tema da natureza do ser humano é um dos que tem recebido uma vasta cobertura nas religiões do mundo. Estas apresentam profundas divergências relativamente a esta matéria. O que se segue é uma tentativa de resumir os ensinamentos.

A natureza do ser humano na teologia cristã clássica está fortemente ligada à doutrina do pecado original. Esta doutrina sustenta que desde que Adão e Eva pecaram no Jardim do Éden, a humanidade possui uma natureza pecadora inata que tem sido transmitida de geração em geração. Como consequência, os seres humanos estão inerentemente num estado de alienação e afastamento de Deus.

Por contraste, no Islão existe uma atitude mais positiva em relação à natureza humana. O pecado de Adão não é considerado como tendo sido transmitido ao longo das gerações. Segundo o Alcorão, Deus criou o homem, “soprando nele o seu espírito” e fazendo-o superior às outras criaturas, de tal forma que até aos anjos foi ordenado que se curvassem perante ele. Os seres humanos são os representantes (khalifa) de Deus na terra. Têm porém uma propensão inata a certas características malignas como a luxúria e a ganância, mas é-lhes ordenado por Deus que se oponham a estas tendências, sendo o paraíso a recompensa do sucesso.

Na Fé Bahá’í considera-se que os seres humanos têm uma natureza dupla. Possuem uma natureza espiritual, que é a sua verdadeira identidade. Enquanto estão neste mundo, a sua tarefa é aperfeiçoar os seus atributos espirituais na maior medida possível. Os seres humanos também possuem uma natureza animal, que funciona para satisfazer as suas necessidades físicas; se permitirem que esta faceta domine a sua natureza espiritual, então cometem actos malignos. Através da educação e disciplina espiritual (tais como os ensinamentos trazidos pelos fundadores e profetas das religiões mundiais), os seres humanos conseguem controlar a sua natureza animal e desenvolver a sua verdadeira identidade espiritual.

Para os sistemas religiosos que acreditam na Realidade Absoluta, os seres humanos apenas possuem uma realidade relativa ou contingente. Na verdade, a aparente realidade do mundo físico é, de facto, ilusória. O real é a Realidade Absoluta que está encoberta por este mundo. Se os seres humanos puderem ver as coisas como elas na realidade são, veriam que existe apenas uma Realidade que “é”. Tudo o resto, (incluindo a noção humana de possuir uma identidade separada do absoluto) tem apenas uma realidade ilusória ou relativa. No Budismo Mahayana, a realidade do ser humano é idêntica à de Shunyata, a Realidade Absoluta. No Adaita Vedanta, esta verdade esta verdade torna-se real quando os seres humanos compreendem que o Atman (a realidade interior de cada pessoa) é idêntica à de Brahman (a Realidade Absoluta) (…)

No Budismo Theravada, os seres humanos são compósitos (skandhas) de forma corpórea, sensações, percepções, consciência e formações mentais. Todas estas são transitórias (anitya) e não têm essência (anatman). Todas conduzem ao desejo (trishna) e consequentemente ao sofrimento. No Budismo Mahayana, a iluminação consiste em ver o vazio (shunyata) no âmago de todos estes skandhas.

No pensamento Confucionista, os seres humanos são essencialmente bons, mas necessitam de orientação e educação para mostrar a sua bondade inerente. Esta bondade inerente é demonstrada na plenitude quando seres humanos instruídos participam e melhoram a ordem política e social.

Moojan Momen, in The Phenomenon of Religion: A Thematic Approach, pag. 204-205

7 comentários:

João Moutinho disse...

Sun Tzu escreveu "A Arte da Guerra". Livro que já tive a oprtunidade ler e que considero como excepcional na medida em que ainda hoje (e por quanto mais tempo?) é uma referência.
Não sei até que ponto a sua visão sobre o ser humano é demasiado real.
Tens alguma informação sobre este autor ou sobre os seus escritos? Qual seria a sua relação com o confucionismo?

Anónimo disse...

Marco, queria colocar-te uma questão que, de alguma forma, está relacionada com o tema de hoje:
Para os bahais o objectivo da vida neste mundo é a preparação para a vida depois da morte?

Marco Oliveira disse...

João,
Sim, é verdade.
Recentemente respondi a uma questão sobre o assunto. Vê aqui.

Anónimo disse...

A analogia com o embrião é muito boa, mas leva-me a fazer-te nova pergunta:
Tal como o embrião por vezes não se desenvolve e morre, também as pessoas que não desenvolveram os seus atributos espirituais neste mundo não terão outra vida depois da morte?
E aqueles que devido a uma morte prematura não poderam desenvolver os seus atributos estão condenados a quê?
Sinceramente neste aspecto da vida depois da morte não encontro grandes diferenças entre a religião bahai e as grandes religiões em que sobre a nossa existência terrena pesa o olhar constante e permanente de Deus que noutra vida nos há de recompensar das nossas virtudes e punir pelos nossos erros.
Será mesmo assim ou algo me escapa?

João Moutinho disse...

João,

A Fonte de todas as Religiões tais como o Judaísmo, Cristianismo, Islamismo ou Budismo é a mesma.
É nossa crença que os Manifestantes Divinos (emanados dessa mesma fonte) tenham como pricipal objectivo a preparação da "próxima vida", que nunca poderá ser descrista enquanto estivermos nesta nossa etapa -não temos capacidade para suportar esse conhecimento.
Nas Sagradas Escrituras são referidos os "diferentes mundos de Deus" porque a nossa alma passará, a mutação é um conceito inerente à Fé Bahá'í.
Uma criança ou um bébé que tenha morte prematura poderão já ter desenvolvido atributos espirituais - isto porque em última análise não podemos saber quais os atributos espirituais de cada um.
Também é nossa crença que a "Misericórida do Senhor suplanta a Sua Justiça", talvez me safe...

João Moutinho disse...

"porque a nossa alma passará", quer dizer "por onde a nossa alma passará".

Boa Gente eu quis falar do Sun Tzu para fugir de situações "idílicas" e pela sua (provavel) contemporanidade com Confúcio.

Marco Oliveira disse...

João,

Sobre a tua pergunta, nunca pensei muito no assunto. Apenas encontrei uma brevíssima referência: The Immortality of Children