sábado, 12 de julho de 2008

As transformações necessárias na Igreja Católica

Anselmo Borges escreve hoje no Diário de Notícias:
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Quando se pensa nas transformações do mundo moderno, percebe-se quanto será necessário, sem perder o núcleo da sua mensagem, a Igreja mudar. Dificilmente serão aceitáveis estruturas piramidais, sem participação activa, democrática. As mulheres andam magoadas com a Igreja e vão, legitimamente, exigir tratamento de igualdade. A Igreja não pode pregar os direitos humanos para fora, não os praticando dentro dela. Um dogmatismo rígido e inflexível, sem uma sadia opinião pública, não lhe é de modo nenhum favorável.

Depois, há vícios que é preciso combater, como proclama, do alto dos seus 81 anos, o cardeal Carlo Martini, considerado papabilis durante anos. Para ele, "o vício clerical por excelência" é a inveja. Há muitas pessoas dentro da Igreja "consumidas" pela inveja, perguntando: "Que mal cometi eu para nomearem fulano como bispo e não a mim?"

Para Martini, há outros pecados capitais fortemente presentes na Igreja: a vaidade e a calúnia. "Que grande é a vaidade na Igreja! Vê-se nos hábitos. Antes, os cardeais exibiam capas de seis metros de cauda de seda. A Igreja reveste-se continuamente de ornamentos inúteis. Tem essa tendência para a ostentação, o alarde."

E "o terrível carreirismo" clerical, especialmente na Cúria Romana, "onde todos querem ser mais"? Por isso, "certas coisas não se dizem, já que se sabe que bloqueiam a carreira". Isso é "péssimo para a Igreja". A verdade brilha pela ausência, pois "procura-se dizer o que agrada ao superior e age-se como cada um imagina que o superior gostaria, prestando deste modo um fraco serviço ao Papa".

14 comentários:

Anónimo disse...

A preocupação recente do jornal do Vaticano negando que o Papa calça Prada foi hilariante.
Quero lá saber se os sapatos são Prada, se a mala de viagem é Louis Vuitton ou se os alegados excêntricos chapéus são Ana Salazar ou Fátima Lopes. Não é a marca ou designer que está em causa.
Frivolidade ou futilidade? Talvez não.
O "olha para o que digo e não para o que faço" só revela a gritante incoerência entre o discurso e a acção.
Diz-se que "o exemplo vem de cima". O ponto máximo seria o Papa, então? (Isto já não pensando em toda a cadeia hierárquica.)
Uma túnica mais modestazita (não digo de serapilheira porque deve picar) e, quando muito, umas sandalitas com uma argola para enfiar o dedão seria bem mais condizente. Pronto, no inverno mais rigoroso usaria umas meias de lã...
Toda a ostentação é tão indigna de todos os ensinamentos proclamados pelo profeta.
Que tal "despirem-se" destas pequenas, imensas, vaidades mundanas?
Humildade não seria mau, para começar.
Haverá alguma explicação que contrarie tudo isto?

Orlando Braga disse...

Antes de mais:não sou católico. Ok?

O cardeal Martini é o mesmo que defende a legalização da eutanásia e a legalização do "casamento" de gays, e a admissão de ambas as situações pela ICAR. Será por isso que o Borges o escolheu como paradigma?

Inveja. Só existe na ICAR? Nos Bahai não existe inveja entre os crentes? Estão isentos de inveja?

A crítica à ICAR não é por aí: é antes na reforma da própria teologia. A reforma deve ser profunda, e não superficial como o Borges defende.

Marco Oliveira disse...

Orlando,
Os baha'is não são imunes à inveja nem a qualquer defeito que o ser humano possua.

Desconheço as posições do Cardeal Martini. Nunca li nada que ele tenha escrito.

Eu também acredito que a Igreja Católica necessita de uma reforma teológica. Penso que tem de passar dos actuais modelos cristocêntricos e inclusivistas para modelos teocêntricos e pluralistas.

Que tipo de reforma teológica pensas que a Igreja necessita?

Orlando Braga disse...

Penso que o catolicismo (e não o "cristianismo", que é essencialmente uma filosofia) deve manter o "Deus Pessoal" (monoteísmo), mas evoluir para um panenteísmo, isto é, tornar a sua teologia permeável às novas teorias quânticas que claramente apontam para a existência de um novo conceito de Deus. É aqui que se deve inovar.

O inclusivismo não me incomoda; pelo contrário, acho o pluralismo, como princípio geral absoluto, a porta aberta ao relativismo moral.

Orlando Braga disse...

Ler:

João Soares disse...

A Igreja deve acompanhar os tempos não na modernidade tecnológica de propaganda mas de meios adequados de resposta à diversidade social que hoje existe e que o cristianismo é uma boa resposta. Uma Igreja centralizada, isolada e bloqueada atrofia a compaixão, a fraternidade e a Paz.

Orlando Braga disse...

A Igreja deve acompanhar os tempos não na modernidade tecnológica de propaganda mas de meios adequados de resposta à diversidade social que hoje existe e que o cristianismo é uma boa resposta. Uma Igreja centralizada, isolada e bloqueada atrofia a compaixão, a fraternidade e a Paz.

A “Igreja” não é uma instituição política propriamente dita, e embora acabe por fazer política não é essa a sua principal vocação. Existe a tendência para “empurrar” a ICAR para a política, e é exactamente isso que tem desprestigiado a “Igreja”. Este comentário espelha absolutamente essa realidade.

No rol da “diversidade social” pode caber muita coisa. O que interessa a uma religião não é a política social, é a relação entre o ser humano e Deus. A “esquerda católica” é a grande responsável pela expansão do ateísmo nas suas diversas formas, desde o materialismo marxista, pelo existencialismo e pelo naturalismo que impera.

Anónimo disse...

Alguém é capaz de me dizer se houve algum papa franciscano?

Orlando Braga disse...

Houve pelo menos 1 Papa franciscano: Nicolau IV (1288-1292).

Marco Oliveira disse...

O inclusivismo não incomoda?
Podemos mesmo acreditar que a revelação de Deus à humanidade teve um momento máximo (Jesus Cristo) e que todas as restantes religiões apenas são reflexos dessa revelação a Jesus Cristo? Parece-me um processo revelatório mal planeado. Ao menos que esse momento máximo ocorresse num tempo em que existisse um desenvolvimento científico que permitisse preservar as palavras e ensinamentos do Manifestante dessa revelação.

Por outro lado também parece injusto. A existência de um momento máximo na história da revelação sugere que o Criador gosta mais de um povo (o receptor dessa revelação) do que de outros. É esta a Justiça de Deus?

Quanto ao pluralismo que referes como porta aberta para o relativismo moral, não concordo. Eu aceito o pluralismo religioso e considero-o porta aberta para o relativismo religioso. Mas relativismo religioso é diferente de relativismo moral. Acredito que é possível encontrar uma ética comum nas grandes religiões mundiais (coisa que Hans Kung também acredita). Para mim o relativismo moral não é aceitável.

Orlando Braga disse...

Eu não percebi o "inclusivismo" na acepção em que o Marco colocou a palavra. Na interpretação do Marco, seria mais óbvia a utilização de "exclusivismo", porque "exclui" as outras religiões. Percebi "inclusivismo" na acepção social.

Sobre esta matéria, cito Jesus: "Quem não tiver errado, que atire a primeira pedra."

Contudo, a ICAR tem-se desdobrado em diálogos ecuménicos.

***

Eu considero que existem religiões mais evoluídas que outras. Este não é o local para desenvolver a tese, mas para mim, e depois de uma análise racional sistemática, o islamismo é menos evoluído que as religiões cristãs. Nesse sentido, o pluralismo pode não ser positivo, na medida em que pode cair no erro de meter tudo no mesmo saco.

Marco Oliveira disse...

Orlando,
Pois é. Eu estava a falar apenas em termos religiosos. Resumidamente sigo estas definições:
EXCLUSIVISMO – acreditar que a minha religião possui o exclusivo da verdade revelada. Karl Barth tinha esta perspectiva e foi considerado por Pio XII o melhor teólogo desde S. Tomás de Aquino.
INCLUSIVISMO – acreditar que a minha religião é o expoente máximo da revelação divina. As outras religiões podem ter alguma verdade, mas isso é apenas um reflexo da verdade da minha religião. Karl Rahner seguia esta tese e chegou a designar os adeptos de religiões não cristãos como "cristãos-anónimos". Esta é também a linha de pensamento de Bento XVI.
PLURALISMO – Deus revela-se igualmente em várias religiões. Esta é a posição Baha’i e de algumas correntes de pensamento dentro de outras religiões.

Já aqui critiquei a posição de Bento XVI sobre estes conceitos:
Exclusivismo, Pluralismo ou Inclusivismo?
Inclusivismo e Pluralismo

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Eu penso que não é correcto fazer uma comparação em termos absolutos entre Islão e Cristianismo e concluir que uma, ou outra, é mais evoluída. Mas se fizer distinção entre as diferentes vertentes, a comparação já se torna mais objectiva.

Por exemplo, se eu pensar apenas nos ensinamentos teológicos, tenho de considerar o Islão mais evoluído: é rigorosamente monoteísta ao rejeitar a Trindade, a adoração de imagens e de santos. Mas se considerar os ensinamentos éticos e sociais, tenho de reconhecer que os ensinamentos do Islão se destinavam a um povo socialmente menos evoluído do que os ensinamentos do cristianismo. Para os povos da Arábia a quem Maomé Se revelou, a lei de talião foi um progresso social; para os povos a quem Jesus Se revelou, a lei do amor ao próximo foi o progresso social.

Para mim as religiões tem linguagem e ensinamentos adequados à maturidade e necessidades dos povos a quem são dirigidas. Isso cria logo à priori um conjunto de características próprias que vão condicionar as respectivas evoluções. Para mim isto é a base do pluralismo.

Pluralismo não significa que eu aceite que hoje se aplique a lei de talião conforme Maomé a revelou aos árabes, ou a lei do divórcio, conforme Jesus a revelou aos Judeus. Existem valores humanos dos quais não estou disposto a abdicar. E esses valores humanos são universais.

Orlando Braga disse...

1. Exclusivismo, Inclusivismo et all:

O Islão não é melhor do que as religiões cristãs neste aspecto.

2. Trindade:

A noção de Trindade não é atrasada. Pelo contrário, é filosoficamente evoluída e aponta para a ideia de "multiplicidade de Deus" (Deus múltiplo, isto é, com diferentes características numa só entidade).

3. Santos e iconoclastia:

O islamismo também tem santos (o profeta, os filhos do profeta no xiismo, os ilustres do islamismo, etc.).

A iconoclastia é o único reparo a fazer, que vem directamente do paganismo.

4. Olho por olho: a Lei de Talião invoca o nível da religião que a pratica e aconselha.

Finalmente: eu considero o pluralismo positivo quando compara e integra religiões dentro do mesmo nível de evolução. Ninguém fala no Siquismo, mas o Siquismo é uma religião cuja evolução (a minha opinião) é superior do que o cristianismo, e no entanto é um sincretismo (islamismo + budismo). Não conheço muito bem a religião Bahai, mas pelo que conheço trata-se de uma religião dentro do nível de evolução superior ao islamismo e judaísmo. A Ética de uma religião classifica-a sob o ponto de vista da sua evolução.

Marco Oliveira disse...

1. Pois não!

2 . Trindade - Não concordo, mas.... :-)
Acredito que não existe uma relação directa entre o Criador e a Criação. Mas a Criação reflecte o Criador, tal como um quadro reflecte alguma características de um artista. Só nesse sentido me parece correcto dizer que podemos ver o Criador na Criação. Mas as essência de Deus não se confunde com a essência da criação (tal com um quadro e um artista possuem essÊncias distintas).


3 . O que dizes sobre o Xiismo é verdade. E esse é um dos motivos pelo qual os sunitas consideram o xiismo como uma degeneração.

4. Confesso que conheço pouca coisa sobre o Siquismo.
"A Ética de uma religião classifica-a sob o ponto de vista da sua evolução." Em cada religião surgem diferentes escolas de pensamento e correntes teológicas que geram diferentes éticas. Por exemplo, há uma enorme diferença entre o muçulmano que é bombista suicida e Ibn Arabi. Qual dos dois podemos usar para classificar a evolução do Islão? Eu diria que o bombista representa a perversão completa do propósito da religião, enquanto Ibn Arabi é um dos melhores frutos do Islão