Ó povos e famílias da terra que estais em confronto! Voltai as vossas faces para a unidade e deixai o esplendor da sua luz brilhar sobre vós. Uni-vos e por amor a Deus decidi-vos a extirpar qualquer coisa que seja fonte de confronto entre vós. Então, o esplendor do grande Luminar do mundo envolverá toda a terra, e os seus habitantes tornar-se-ão cidadãos de uma só cidade e os ocupantes de um mesmo trono. (Bahá’u’lláh, SEB, CXI)Aqui está a questão: o leitor considera-se cidadão do seu país ou cidadão do mundo?
Recentemente, fiz uma palestra em Reno, no Nevada, por ocasião de um feriado Bahá'í. Antes dessa palestra, tinha estado a pensar sobre o conceito de cidadania e escrevi uma série de textos para o site www.bahaiteachings.org; por isso, perguntei às pessoas presentes se se consideravam primeiramente como cidadãos americanos ou cidadãos do mundo. Coloquei a questão nestes termos: enquanto cidadãos, você tem uma identidade nacional ou global?
Há alguns meses atrás, soube que a BBC tinha colocado esta mesma questão a pessoas de vários países. Contrataram a empresa de sondagens GlobeScan para colocar a questão (“Considero-me mais um cidadão global do que um cidadão do meu país - concorda ou discorda?”) a 20.000 pessoas em 18 nações; o resultado dessa sondagem internacional chocou muitas pessoas, incluindo eu próprio. Pela primeira vez na história humana, uma maioria (51%) das pessoas diziam ver-se mais como cidadãos globais do que como cidadãos nacionais.
Os analistas salientaram que em toda a história humana isto nunca tinha acontecido.
A resposta da audiência em Reno também me surpreendeu; mais de 90% das pessoas presentes identificaram-se primeiramente como cidadãos globais; quase 10% identificava-se primeiramente como cidadãos americanos. Claro que isto não era uma sondagem científica – esta resposta tipo “We are the World” (Nós somos o Mundo!) estava condicionada pelo facto da maioria dos presentes serem Bahá’ís, que tipicamente se vêem como cidadãos do mundo e gotas de oceano humano:
Que o homem não se glorifique por amar o seu país; pelo contrário, que se glorifique por amar a sua espécie. Sobre isto, revelámos anteriormente aquilo que são os meios de reconstrução do mundo e da unidade das nações. Bem-aventurados os que atingem isso. Bem-aventurados os que agem desta forma. (Bahá’u’lláh, Tablets of Baha’u’llah, pp. 127-128)Assim, de acordo com esta grande sondagem da BBC sobre o assunto, parece que o mundo começou a mover-se no sentido dos ensinamentos de Bahá'u'lláh: as pessoas em todo o planeta identificam-se cada vez mais como cidadãos globais. É difícil imaginar uma mudança de consciência tão fundamental e notável. Em 2002, a mesma sondagem mostrou que apenas 42% da população mundial se considerava cidadã do mundo.
É claro que um valor médio não descreve toda a complexidade da história; esta mudança global não ocorreu de forma igual, e simultaneamente em todos os locais. Se olharmos com cuidado para a sondagem, vemos que a tendência da cidadania mundial mostra-se particularmente forte em países em desenvolvimento, “incluindo a Nigéria (73%; subida de 13 pontos), China (71%, subida de 14 pontos), Peru (70%, subida de 27 pontos), e Índia (67%, subida de 13 pontos)… No total, 56 porcento das pessoas nas economias emergentes vêem-se como cidadãos globais em vez de cidadãos nacionais”
Nas nações mais desenvolvidas e industrializadas, as percentagens da sondagem apresentam valores mais baixos: "Na Alemanha, por exemplo, apenas 30% dos entrevistados se vêem como cidadãos globais" No Reino Unido, 47% da população identificou-se primeiramente como cidadãos globais, e 50% identificou-se primeiramente como cidadãos do Reino Unido. Curiosamente, esses resultados da sondagem são parecidos com os resultados finais do Brexit, o referendo que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia.
Se analisarmos a demografia do referendo do Brexit, podemos ver essa tendência para a cidadania global em termos ainda mais marcantes: cerca de 75% dos jovens (idades entre 18 a 24) votaram pela permanência na UE; por outro lado, 61% dos eleitores mais velhos (com idade superior a 65) votaram pela saída da União Europeia. Claramente, a geração mais jovem não vê o internacionalismo, a cidadania global ou o aumento da imigração como uma ameaça, mas antes, como uma oportunidade. Shoghi Effendi, o Guardião da Fé Bahá'í, descreveu o aparecimento de uma consciência global de cidadania mundial desta forma:
O amor à pátria, incutido e acentuado pelos ensinamentos do Islão, como “um elemento da Fé de Deus”, não é condenado nem depreciado por essa declaração, esse toque de clarim, de Bahá'u'lláh. Não se deve – de facto, não se pode – interpretar as Suas palavras como sendo um repúdio, ou vê-las como uma censura pronunciada contra um patriotismo são e inteligente; também não visa a minar a lealdade de um indivíduo ao seu país, nem está em conflito com as legítimas aspirações, direitos e deveres de qualquer estado ou nação específicas. Tudo o que implica e proclama é a insuficiência do patriotismo face às mudanças fundamentais efectuadas na vida económica da sociedade e na interdependência das nações, e como consequência da contracção do mundo, através da revolução dos meios de transporte e comunicação – condições que não existiam nem podiam existir nos dias de Jesus Cristo ou de Maomé. A Sua declaração exige uma lealdade mais ampla, que não deve estar em conflito – e de facto não está – com lealdades menores. Incute um amor que, dado o seu âmbito, deve incluir, e não excluir, o amor à pátria. E estabelece, através dessa lealdade que inspira, e desse amor que infunde, o único alicerce sobre o qual o conceito de cidadão do mundo pode desenvolver-se, e a estrutura da unificação mundial pode basear-se. No entanto, insiste na subordinação de considerações nacionais e interesses particulares aos direitos imperativos e supremos da humanidade como um todo, uma vez que, num mundo de nações e povos interdependentes, a vantagem da parte é melhor conseguida com a vantagem do todo. (Shoghi Effendi, The Promised Day is Come, p. 122)
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Texto original: Going Global: Becoming Citizens of One City (www.bahaiteachings.org)
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David Langness é jornalista e crítico de literatura na revista Paste. É também editor e autor do site www.bahaiteachings.org. Vive em Sierra Foothills, California, EUA.
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