"O que tem Atenas a ver com Jerusalém?"Esta questão - colocada de forma fabulosa por Tertuliano, um dos primeiros filósofos cristãos - constitui a base de um mito relacionado que abordei no meu texto anterior. Esse mito sustenta que a igreja medieval suprimiu activamente o desenvolvimento da ciência. John Draper fomentou a ideia em 1874, com a sua obra The History of Conflict Between Religion and Science, onde afirmou:
A Igreja . . . estabeleceu-se como depositária e árbitro do conhecimento. . . Assim, ela seguiu um rumo que determinou toda a sua futura carreira; ela tornou-se uma pedra no caminho do avanço intelectual da Europa durante mais de mil anos.Carl Sagan deu credibilidade à ideia na série Cosmos (1980), onde apresentou um gráfico do progresso na astronomia. O gráfico inicia-se com o antigo pensamento grego até ao tempo de Hipácia, e em seguida, contém um intervalo de cerca de mil anos entre a dama da matemática e Copérnico e DaVinci. Na legenda do gráfico de Sagan, este enorme "fosso" criou "uma pungente oportunidade perdida para a humanidade."
Carl Sagan |
Mas ainda há mais! Uma pequena lista das realizações desta era supostamente das trevas na ciência europeia inclui: a obra de William of Saint-Cloud sobre eclipses solares; as descobertas de frade dominicano Dietrich von Freiberg sobre o arco-íris; a aplicação da teoria do ímpeto de Jean Buridan para explicar um projéctil de movimento, a aceleração em queda livre e a rotação do céu nocturno. O bispo Nicole d’Oresme desenvolveu argumentos, na sua juventude, em defesa da rotação da Terra, embora não houvesse então qualquer evidência empírica ou argumentos racionais conclusivos para a ideia. Entretanto, em Oxford, os filósofos naturais estavam a aplicar a matemática para o estudo do movimento.
Sabemos agora que havia ciência durante a Idade Média em lugares como Oxford, onde foi fundada uma universidade em 1096 EC (embora lenda a coloque em 872). Também foram fundadas universidades em Bolonha e Paris antes de 1200 CE. Por volta de 1500, havia cerca de 60 dessas instituições espalhadas por toda a Europa, com cerca de 30 por cento dos currículos dedicado ao estudo do mundo natural.
A organização que dava maior apoio a essas instituições foi... a Igreja Católica. O historiador John Heilbron (mais conhecido pelas suas histórias da física), escreveu:
A Igreja Católica Romana deu mais apoio financeiro e social para o estudo da astronomia durante seis séculos - desde a recuperação de dados antigos no final da Idade Média até ao Iluminismo - do que qualquer, e provavelmente todas, outras instituições. - The Sun in the Church, Harvard University Press, 1999.Michael Shank - professor emérito de história da ciência na Universidade de Wisconsin, Madison - observa no livro em Galileo goes to jail que a descoberta do papel da Igreja no financiamento destas primeiras universidades, foi recebido com o argumento de que, é claro, os estudantes dessas escolas eram monges ou sacerdotes que estudam principalmente teologia. No entanto, de acordo com registos das escolas, este não foi o caso. A maioria dos alunos nem sequer fazia quaisquer estudos em teologia. Sim, havia clérigos em algumas universidades que estudavam teologia, mas isso exigia fazer os votos, por um lado, e um curso de Master of Arts por outro. De facto, algumas universidades nem sequer tinham uma faculdade teológica, portanto, apenas eram leccionados estudos "seculares".
Aula numa Universidade, séc. XIV |
Mas houve casos em que os teólogos entraram em conflito com essas universidades? Certamente. Por alguma razão, isso aconteceu várias vezes entre a Universidade de Paris e o bispo local, que, a dado momento, entrou em controvérsia com o seu colega aristotélico, Tomás de Aquino. Na verdade, parece ter sido necessária uma bula papal (Parens scientiarum ou "Mãe da Ciências") para defender o currículo universitário contra o bispo de Paris.
Vendo as coisas de uma forma equilibrada, torna-se óbvio o perigo de atribuir as acções das autoridades locais à "Igreja" ou ao "Cristianismo". Isso permite a criação de mitos que fomentam o preconceito e a irracionalidade, e apresentam uma visão distorcida da relação histórica entre a ciência e a religião. Em geral, a Igreja - como uma instituição - não suprimi ciência, mas pelo contrário, promoveu-a.
Para resumir, se a Igreja Católica tivesse a intenção de suprimir as ciências, os seus métodos pareceriam particularmente bizarros. Esta promoção religiosa contraproducente de ideias científicas - se acreditarmos que a religião se opõe inerentemente à ciência - também foi seguida pelo Islão, e ainda mais acentuadamente continuada pela Fé Bahá'í. Maomé fez a famosa exortação aos seus seguidores para procurarem todos os tipos de conhecimento até aos confins da terra; a história atesta o resultado disto. Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá elevaram o estudo e a aplicação das ciências ao nível de adoração:
O conhecimento científico é a mais elevada realização no plano humano, pois a ciência é o descobridor das realidades. É de dois tipos: materiais e espirituais. A ciência material é a investigação dos fenómenos naturais; a ciência divina é a descoberta e realização de verdades espirituais. O mundo da humanidade deve adquirir ambas. Um pássaro tem duas asas; ele não pode voar apenas com uma. As ciências materiais e espirituais são as duas asas de elevação e realização humanas. Ambas são necessárias... ('Abdu'l-Baha, The Promulgation of Universal Peace, p. 138)'Abdu'l-Bahá fez esta declaração acima numa cidade famosa pelas suas instituições de ensino superior. Também falou na Universidade de Stanford na Califórnia e lá, como em muitos dos Seus discursos, falou sobre a importância da ciência e a sua harmonia essencial com a religião. Esta consideração profunda pela ciência no reino da religião é directamente responsável pelo facto de muitas pessoas de fé terem optado por procurar o conhecimento científico e terem feito importantes descobertas científicas. Não tenho dúvidas que continuarão a fazê-lo.
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Texto original: Did the Medieval Church Suppress Science? (www.bahaiteachings.org)
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