sábado, 29 de setembro de 2018

Abandonar o Consumismo

Por Christine Muller.


Vivemos num mundo onde um número crescente de pessoas consome cada vez mais coisas – e este consumo excessivo prejudica a humanidade.

Este consumismo esgota os recursos da Terra; polui perigosamente o nosso ar, águas e solos; e é a principal causa do aquecimento global. Já não há dúvidas: o crescimento económico contínuo é irrealista num planeta finito.

As Nações Unidas abordaram este tremendo problema no documento Desenvolvimento Sustentável Objectivo 12: Consumo e Produção Responsáveis, em que afirma que devemos “reduzir urgentemente a nossa pegada ecológica, mudando a forma como produzimos e consumimos bens e recursos”.

Simultaneamente, há demasiadas pessoas que não conseguem satisfazer as suas necessidades básicas. Necessitam de ser apoiadas no desenvolvimento sustentável e devem ter direito à sua parte de recursos da Terra. Isto torna ainda mais importante a redução do consumo das pessoas mais ricas do mundo – o que inclui a maioria das pessoas que vivem em países desenvolvidos, assim como pessoas abastadas e da classe média no mundo desenvolvido.

O desafio que enfrentamos é enorme porque as actuais gerações cresceram numa cultura de consumismo. Nunca experimentaram outro modo de vida. As pessoas consideram os bens de consumo como garantidos e sentem que têm direito a possuí-los.

Apesar da possibilidade para usufruir de bens materiais numa escala e qualidade sem precedentes na história humana, muitas pessoas não são felizes; uma crise de saúde mental está a espalhar-se atingindo números cada vez maiores de pessoas atormentadas com depressões e vícios - com algumas propensas ao suicídio e a actos violentos. Os estudos mostram que quando se satisfazem as necessidades básicas, uma maior quantidade de bens materiais não aumentam a felicidade.

Assim, materialismo e consumismo não respondem às verdadeiras necessidades das pessoas, e na verdade, acabam por destruir os sistemas vitais da Terra, colocando em perigo a sobrevivência da civilização humana.

Todas as grandes religiões advertem contra a ganância. Por exemplo, o Tao Te Ching afirma “Não há calamidade maior do que satisfazer a ganância”. A Bíblia declara “Olhai, guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida não depende dos seus bens.” (Lc 12:15). O Islão adverte: “Ó filhos de Adão,… comei e bebei, mas não sejais extravagantes. Na verdade, Ele não gosta dos que cometem extravagâncias”. (Alcorão 7:31)

Isto não significa que devamos ir para o outro extremo, o ascetismo. Podemos usufruir das coisas boas que o mundo nos oferece, e simultaneamente reduzir o nosso consumo de forma significativa.

Tudo isto significa que precisamos de repensar o propósito das nossas vidas, considerando que os seres humanos são seres espirituais. Se não alimentarmos as nossas almas, ficaremos famintos, mesmo que usufruamos de uma enorme quantidade de coisas materiais. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que:
… o mundo é apenas um espectáculo, com aspecto de realidade. Não ponham os vossos afectos nele… o mundo é como o vapor no deserto, que o sedento sonha ser água e se esforça com todo o seu poder por atingi-lo, até que a alcança e descobre que é mera ilusão. (Selecção das Escrituras de Bahá'u'lláh, CLIII)
Mas pedir apenas às pessoas que reduzam os seus consumos será provavelmente inútil. O seu vazio deve ser preenchido com uma ligação espiritual, com um sentido e sensação de pertença. Uma compreensão mais profunda sobre o propósito da vida será uma base para uma redução substancial do consumo. Seguidamente, as promessas vazias do materialismo já não serão necessárias. As pessoas estarão mais abertas para enfrentar a realidade da crise ambiental do nosso planeta – e viver uma vida mais simples e ambientalmente sustentável.

A adoração do bezerro de ouro do materialismo e o mito do crescimento económico ilimitado poderão, então, ser substituídos pela ligação entre a nossa essência espiritual e o Criador.

A Torá afirma: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma e com toda a tua força.” (Deuteronómio 6:5). E Jesus disse: “Amarás o teu próximo como a ti próprio.” (Mc 12:31). O amor a Deus e à Sua criação leva-nos a preocuparmo-nos mais com todas as pessoas que são exploradas no actual sistema económico, e a preocuparmo-nos com todas as outras criaturas da Terra que sofrem (ou estão à beira da extinção) porque perdem o seu habitat, são afectados pela poluição ou por alterações climáticas.

Esse amor cria um propósito na nossa vida e também um sentimento de pertença.

Os Bahá’ís acreditam que todas as pessoas são criadas como seres nobres e devem ter direitos iguais. Simultaneamente, cada ser humano partilha a responsabilidade pelo bem-estar da sociedade. Os ensinamentos Bahá’ís dizem que as pessoas encontram a felicidade na promoção dos “...melhores interesses dos povos… da terra” (Selecção das Escrituras de Bahá’u’lláh, CXVII)

Bahá’u’lláh disse: “Que a vossa visão seja de âmbito mundial em vez de se confinar ao vosso próprio ser.” (Idem, XLIII). Essa atitude altruísta vem do fundo de um individuo e é a chave para a felicidade individual – assim como um pré-requisito para mudanças de maior escala necessárias para criar uma civilização sustentável.

Imaginemos uma sociedade que se preocupa com o bem-estar de cada pessoa e onde os indivíduos desejam contribuir para o bem comum. Servir juntos para tornar o mundo um local melhor torna as pessoas verdadeiramente felizes. Dá às suas vidas um objectivo profundo e um sentimento de pertença a um círculo social significativo. Existem muitas áreas de acção social onde podemos fazer a diferença em vez de gastarmos o nosso tempo, mente e coração em compras sem sentido.

A questão complicada é como chegamos lá. Ao longo das últimas décadas, a Comunidade Bahá’í tem experimentado um modelo de transformação social que parece dar resultados. As comunidades capacitam-se com aulas de estudo que proporcionam alimento espiritual, valores éticos e também competências e experiência para serviço prático à comunidade. Este modelo tem sido usado com adultos, jovens e crianças em quase todos os países do mundo.

Estes esforços educativos podem ser alargados e replicados. Já mostraram que produzem resultados e são promissores, pois lançam as bases da transformação social. As pessoas não sentem necessidade de consumo excessivo porque têm uma vida preenchida e com sentido.

Os ensinamentos Bahá’ís dizem:
...a honra e a distinção do individuo consiste nisto: que ele, entre as multidões do mundo, se torne uma fonte de bem social. Será possível conceber uma dádiva maior que esta, quando o individuo olha para si próprio e vê que, através da graça confirmadora de Deus, ele se tornou uma fonte de paz e bem-estar, de felicidade de progresso para os seus semelhantes? Não, pelo Deus Uno e Verdadeiro, não existe alegria maior, nem deleite mais completo. (‘Abdu’l-Bahá, The Secret of Divine Civilization, pp. 2-3)

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Texto original: We Can Overcome Consumerism (www.bahaiteachings.org)

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Christine Muller estudou música e é uma apaixonada pelo meio-ambiente e pela Fé Bahá’í. Actualmente é professora no Wilmette Institute no curso sobre alterações climáticas.

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