sábado, 19 de fevereiro de 2022

Paciência e Perseverança: a história de Bahiyyih Khanum

Por Mike Solomon.


Entre todas as qualidades pessoais de que precisamos agora, a paciência está provavelmente no topo. Eu sei que preciso disso.

Hoje em dia podemos ficar impacientes com uma série de coisas, desde o tédio do confinamento até sermos incapazes de procurar livremente todas as coisas que valorizamos. Podemos ficar impacientes ou infelizes com a forma como a própria pandemia foi tratada. Podemos sentir saudades impacientes dos nossos familiares, da nossa vida social, do nosso trabalho e dos nossos momentos comuns de lazer – tudo isto entre as muitas insatisfações de que dispomos neste momento.

Os ensinamentos Bahá’ís pedem a cada um de nós que desenvolva a virtude da paciência: “Ó Filho do Homem! Para tudo existe um sinal. O sinal de amor é a firmeza moral sob o Meu mandamento e paciência sob as Minhas provações”. (Bahá’u’lláh, As Palavras Ocultas, do árabe, nº 48)

Portanto, para tentar superar as minhas próprias frustrações e impaciências com a pandemia, comecei a ler e estudar a vida de algumas pessoas excepcionais, que passaram por coisas muito, muito piores.

Penso que é oportuno recordar uma mulher cuja longa vida de paciência e perseverança deve estar entre os exemplos mais duradouros e nobres de todos os tempos - Bahiyyih Khanum, a filha de Bahá’u’lláh, o profeta e fundador da Fé Bahá’í.

Bahiyyih Khanum (aprox. 1890)
Nascida no Irão em 1846, Bahiyyih Khanum foi criada por Bahá’u’lláh e sua esposa Navvab, numa das famílias mais ricas de Teerão. Ela passou os primeiros anos da sua infância a brincar em belos jardins com o seu irmão mais velho, ‘Abdu'l-Bahá, e indo para a escola onde aprendeu árabe, persa e turco; recebeu uma educação formal diferente da maioria das outras meninas daquela época. Também foi educada na tradição de ajudar e servir os outros, influenciada pela devoção bem conhecida dos seus pais às pessoas mais desfavorecidas da sociedade, conhecidos pelos seus títulos informais, "Mãe e Pai dos Pobres".

Os anos imediatamente anteriores e posteriores ao seu nascimento foram também os primeiros anos da Fé Bábi, o movimento espiritual milenar que se espalhou pela Pérsia na década de 1840. O seu pai, Bahá’u’lláh, envolveu-se nesse movimento desde o início, tendo trocado correspondência com o Báb, o seu fundador.

Pouco demorou para que os ensinamentos progressistas do Báb agitassem toda a nação, alarmando os líderes religiosos e o governo. Com as suas ligações ao poder, os clérigos tentaram extinguir essa revolução de pensamento e fé. Uma onda de repressão rapidamente atingiu todas as pessoas ligadas ao Báb, com uma violência tão extrema, que foram várias vezes tema de notícia e conversa no Ocidente, especialmente depois do próprio Báb ter sido martirizado por um pelotão de fuzilamento, em 1850.

Por ser conhecido como um líder Bábi, as autoridades persas encarceraram Bahá’u’lláh na famosa prisão de Teerão, chamada Siyah-Chal (“poço negro”, em português), em 1852. Ao mesmo tempo, a sua família foi despojada das suas riquezas e propriedades. A esposa e os filhos de Bahá’u’lláh viram-se subitamente vulneráveis. Temiam que, a qualquer momento Bahá’u’lláh pudesse ser executado, tal como tinha acontecido com muitos outros Bábis. Após quatro meses de encarceramento torturante, Bahá’u’lláh foi libertado e exilado para Bagdade. A família, com poucas roupas e escassos bens, fez a longa viagem até o Iraque, a pé e de mula, durante o inverno, através de montanhas cobertas de neve.

Assim se iniciaram os 80 anos seguintes na vida de Bahiyyih Khanum, vivendo no exílio, na pobreza e na prisão. Depois de vários anos em Bagdade, tornou-se evidente para muitas pessoas próximas a Bahá’u’lláh que Ele era o mensageiro de Deus, conforme predito pelo Báb. Os Seus filhos, todos com menos de 10 anos, reconheceram a posição de Bahá’u’lláh e declararam-Lhe a sua lealdade e devoção.

Bahiyyih Khanum, 1931
Em 1863, Bahá’u’lláh anunciou publicamente a Sua nova Fé. Porque a Sua reputação de pessoa de profunda compreensão espiritual e sabedoria tinha crescido e os Seus ensinamentos se tinham espalhado, todo o tipo de pessoas O seguiam e adoptavam os princípios progressistas da Sua Fé. Apesar do perigo de perseguição, houve milhares que se tornaram Bahá'ís. Mais uma vez, a Fé cresceu rapidamente, num ritmo alarmante para os seus inimigos, que pensavam que já a tinham suprimido. E mais uma vez, os temores infundados dos governos persa e otomano incitados pelas autoridades religiosas, levaram-nos a exilar novamente Bahá’u’lláh, a Sua família e alguns dos principais crentes, para tentar esmagar a Fé Bahá’í.

De Bagdade foram exilados mais três vezes, a última das quais para a cidade-prisão de Akka, na Palestina (hoje Israel). Considerada a pior prisão do mundo naquela época, não se esperava que os prisioneiros ali residentes vivessem mais de um ano, o que a tornava aquele último exílio numa sentença de morte. A Sua família, detida juntamente com Ele, sofreu severas privações. No entanto, Bahá’u’lláh viveu mais 24 anos na Terra Santa, antes de falecer em 1892.

Bahiyyih Khanum e o seu amado irmão ‘Abdu’l-Bahá também sobreviveram, para serem libertados quando o Império Otomano desmoronou. ‘Abdu’l-Bahá foi nomeado por Bahá’u’lláh como Seu sucessor, e tornou-Se o líder da Fé Bahá’í nos 29 anos seguintes, até ao Seu falecimento em 1921.

Assim, percebe-se que Bahiyyih Khanum teve apenas seis anos de infância, naquilo que poderíamos considerar uma vida normal. Nos restantes oitenta anos da sua vida ela enfrentou as maiores dificuldades que podemos imaginar com uma nobreza, dignidade e calma reconhecidas por todos. Apesar das condições de vida deploráveis, da frequente falta de água potável, de uma pobreza por vezes tão agreste que a sua mãe apenas conseguia dar-lhe um punhado de farinha como alimento diário, e da constante perseguição das autoridades, Bahiyyih Khanum permaneceu paciente. Ela presenciou e superou as constantes ameaças à vida de Bahá’u’lláh e das várias tentativas sem sucesso que ocorreram. Enfrentou a morte trágica do seu amado irmão mais novo, Mirza Midhi, quando a família estava presa. Tudo isso, e muito mais, foi o seu destino nesta vida.

Túmulo de Bahiyyih Khanum, nos jardins Bahá'ís em Haifa.

 “A Maior Folha Sagrada”, é o título dado por Bahá’u’lláh à sua filha Bahiyyih Khanum, é descritivo da sua atitude incomum em relação à paciência. Essa qualidade rara - desenvolvida entre testes e provações terríveis - pode ser melhor descrita lendo os seus próprios conselhos sobre o assunto:

“… Nunca devemos ser conhecidos por reclamar ou lamentar. Não é que queremos “fazer o melhor das coisas”, mas que podemos encontrar em tudo, até na calamidade, as joias da sabedoria duradoura. Nunca devemos ser impacientes. Devemos ser tão incapazes de impaciência quanto seríamos de revolta. Não se trata de um sofrimento paciente prolongado, mas de uma consciência silenciosa das forças que operam nas horas de trevas ou em anos de espera e inactividade. Devemos sempre mover-nos com o ritmo mais amplo, a visão mais ampla, em direcção ao nosso objectivo final, naquela aquiescência completa, aquele acorde perfeito que está por trás do próprio espírito da Fé. ” (Bahiyyih Khanum)

Deixo-vos para reflectir estes pensamentos poderosos e espero que eles vos dêem, como me deram a mim, uma luz sobre como viver em tempos de dificuldades.

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Texto original: Patience and Perseverance: The Story of Bahiyyih Khanum (www.bahaiteachings.org)


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Mike Solomon é um artista cuja obra se encontra distribuída por vários museus dos Estados Unidos, é representado pela Berry Campbell Gallery em Nova York. É também escritor e dá palestras sobre arte, sociedade e impulso criativo.

2 comentários:

Raquel disse...

Muito bom! Gostei muito. Um texto inspirador sobre uma das mulheres que mais nos deveriam inspirar.
Continua o teu trabalho pela Fé Baha'i Marco, como tens feito ao longo dos anos, com tanta paciência

Marco Oliveira disse...

Obrigado, Raquel.