domingo, 23 de junho de 2024

Desejei que a minha mãe fosse rapidamente executada. Não queria que ela fosse torturada.

Professora universitária iraniana expatriada descreve a cruel opressão sofrida pela comunidade Bahá'í e as suas mulheres nas mãos do regime islâmico.

Mona Mahmoudi recorda como o regime iraniano assassinou os seus pais na década de 1980

Os pais de Mona Mahmoudi estavam entre os primeiros membros da minoria religiosa Bahá’í do Irão a serem executados durante a longa repressão da República Islâmica.

Quando a sua mãe, a primeira meteorologista do país, foi presa juntamente com outras sete pessoas, a sua filha desejou que ela fosse rapidamente executada.

“Eu sabia que eles seriam executados e esperava que isso acontecesse mais cedo do que tarde”, afirmou ao The Telegraph durante um evento Bahá’í em Londres. “Houve muitos casos de Bahá’ís que eram torturados na prisão”, acrescentou, “e eu não queria que eles fossem torturados”.

A Sra. Mahmoudi estava na zona leste de Londres para um evento em memória ao 40º aniversário de um capítulo sombrio na perseguição aos Bahá'ís no Irão – a execução pública de 10 mulheres Bahá'ís, incluindo uma jovem de 17 anos.

Os pais de Mona, Houshang e Zhinus, assassinados no Irão

A opressão das mulheres no Irão tem sido suportada pela comunidade Bahá’í "há muitos e muitos anos", afirmou ao The Telegraph, Omid Djalili, um comediante britânico-iraniano que é Bahá’í. “O regime está esforçar-se muito para impedir que as pessoas pensem sobre a perseguição contra os Bahá’ís”, disse ele.

A Sra. Mahmoudi diz que a sua família tinha uma “vida boa e tranquila” antes da revolução de 1979, que levou o clero ao poder. A família de cinco pessoas, com a sua mãe meteorologista e o seu pai apresentador de programa infantil de TV no comando, ia para o litoral no norte do Irão nos fins de semana na década de 1970. A Revolução Islâmica, como uma tempestade repentina e violenta, virou do avesso o mundo dos Mahmoudis.

A sua fé, outrora a pedra angular da sua identidade, tornou-se um alvo da ira do novo regime. Da noite para o dia, os pais da Sra. Mahmoudi passaram de profissionais respeitados a párias perseguidos.

O casal foi demitido dos seus empregos e obrigado a devolver os seus salários de anos ao novo governo.

A família se viu presa no centro de uma tempestade política e religiosa. O novo regime proibiu a Fé Bahá’í e desencadeou uma torrente de perseguição.

Milhares foram presos, as suas terras confiscadas e o seu direito ao ensino superior revogado.

O Islão Xiita é a religião do estado no Irão. A constituição reconhece várias religiões minoritárias, incluindo o Cristianismo, o Judaísmo e o Zoroastrismo, mas não a Fé Bahá’í.

Desde Setembro de 2022, quando Mahsa Amini morreu sob detenção após ser presa por supostamente violar as regras do hijab e os subsequentes protestos nacionais, o governo iraniano intensificou a sua repressão à comunidade Bahá'í.

No ano passado, as autoridades prenderam centenas deles, além de confiscar ou destruir propriedades pessoais e os seus cemitérios. Diariamente, são realizadas buscas nas residências dos cidadãos Bahá'ís em todo o país.

A jovem Mona Mahmoudi com a sua família que foi destroçada por um regime cruel

A escalada da perseguição contra os Bahá'ís após os protestos segue um padrão familiar do regime iraniano visando grupos minoritários em tempos de tensão social e política mais ampla.

Houshang Mahmoudi, o pai de Mona, também era advogado e membro da Assembleia Nacional dos Bahá'ís no Irão, responsável por supervisionar os assuntos da comunidade Bahá'í.

Quando a Assembleia de nove membros realizou uma reunião em 21 de agosto de 1980, as suas esperanças e planos para sua comunidade sitiada ainda estavam vivos, mas rapidamente as forças do recém-formado Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) caíram sobre eles.

Num instante, toda a liderança da comunidade Bahá'í no Irão desapareceu – sequestrada, para nunca mais ser vista.

“Foi uma sensação devastadora”, diz a Sra. Mahmoudi. “Se eles tivessem sido presos e estivessem na prisão, seria uma sensação diferente, mas eles simplesmente desapareceram.”

A Sra. Mahmoudi acredita que o seu pai e outros membros da Assembleia foram executados imediatamente, sem o conhecimento das suas famílias.

Sem se deixarem intimidar pela perda, os Baha’is imediatamente elegeram uma nova Assembleia Nacional. Entre os escolhidos para liderar estava Zhinus Mahmoudi, a mãe de Mona.

Mas a tempestade que eliminou a primeira Assembleia estava longe de ter terminado. Em 13 de Dezembro de 1981, a história repetiu-se com uma precisão cruel.

Quando Zhinus e os seus companheiros da Assembleia se reuniam, o IRGC atacou novamente. Dessa vez, não havia mistério, nem desaparecimento no desconhecido.

“Minha mãe foi eleita para a Assembleia Nacional seguinte”, conta a Sra. Mahmoudi. “Cerca de um ano e meio depois, quando eles estavam reunidos, o IRGC fez outra rusga e prendeu todos eles.” Os membros da Assembleia foram levados para a conhecida prisão de Evin.

Durante duas semanas, Mona viveu num estado de ansiedade agonizante. Mas, diferente da incerteza que envolvia o destino do seu pai, ela sabia o que estava por vir. Todos os oito membros detidos, incluindo Zhinus, foram executados sem julgamento.

Evocação do 40º aniversário da execução de 10 mulheres Baha'is, incluindo uma jovem de 17 anos

 A mulher que anteriormente lia os céus do Irão, que se apresentou para liderar a sua comunidade religiosa no seu momento mais sombrio, foi silenciada para sempre.

A Sra. Mahmoudi morava na Califórnia nessa época e foi informada por telefone pela Assembleia Nacional dos Bahá'ís nos EUA sobre as execuções.

“Eles tiveram uma vida muito frutífera e estou muito orgulhosa deles”, diz ela.

“Os meus pais puderam escolher. Eles podiam deixar o Irão, mas queriam ficar e servir, mesmo sabendo que o preço disso seria as suas vidas.”

A Sra. Mahmoudi, uma especialista reformada em segurança cibernética e professora universitária de Phoenix, agora tem uma fundação com os seus irmãos em homenagem aos seus pais, oferecendo educação para crianças em países carenciados, incluindo outras atividades.

Narges Mohammadi, a laureada com o Prémio Nobel da Paz de 2023 e várias outras prisioneiras proeminentes condenaram o regime no mês passado pelas suas intensificadas “pressões implacáveis e injustiças que os Bahá'ís sofrem devido às suas crenças”.

Enquanto os participantes do evento em Londres se aproximavam, um pequeno cartão estava no chão. E nele estava escrito: “O coro do amanhecer é a explosão do canto dos pássaros”. “No Irão, as execuções são realizadas ao romper do amanhecer e logo antes do chamado matinal para a oração.”

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Texto original: ‘I wished my mother a speedy execution, I didn’t want her to be tortured’ (The Telegraph)

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