Na minha qualidade de neurocientista, estou sempre a tentar perceber como é que o nosso cérebro lida de forma mais eficaz com os problemas diários que enfrentamos.
Assim, quando chega o final de Fevereiro e os meus amigos Bahá’ís e eu começamos a preparar-nos para o jejum, é sempre útil para mim compreender algumas das possíveis razões subjacentes ao jejum. Os Bahá’ís jejuam todos os anos principalmente por razões espirituais, mas os ensinamentos Bahá’ís também dizem que “inúmeros efeitos e benefícios estão ocultos nele”:
Ainda que exteriormente o Jejum seja difícil e fatigante, interiormente é abundância e tranquilidade... Em verdade, digo, o jejum é o remédio supremo e a cura mais grandiosa... Todo o louvor ao Deus uno e verdadeiro que auxiliou os Seus amados a observar o Jejum e os ajudou a cumprir o que foi decretado no Livro.
Existem várias fases e condições para o Jejum, e inúmeros efeitos e benefícios estão ocultos nele. Felizes aqueles que os alcançaram. (Bahá’u’lláh, The Importance of Obligatory Prayer and Fasting, pp. xvi-xix)
Para além da componente espiritual, a ciência começou a encontrar algumas informações biológicas muito interessantes sobre a razão pela qual o jejum pode, em última análise, ajudar-nos no nosso caminho para viver uma vida espiritual verdadeiramente saudável. Assim, se gostaria de se juntar à comunidade Bahá’í no seu Jejum anual, tenha em mente alguns dos benefícios tangíveis que o jejum voluntário durante o dia pode proporcionar ao seu cérebro.
O jejum obriga o seu cérebro a adaptar-se e, por fim, a tornar-se mais eficiente. O nosso cérebro evoluiu ao longo de milhões de anos e, na maior parte desse tempo, vivemos de momento a momento. Não tínhamos acesso a fast food ou mesmo a refeições regulares, e não encontrar comida significava morte certa. O nosso cérebro sabia disso, por isso evoluiu para se focar intensamente quando nos aproximávamos do modo de fome, porque esse era o momento em que precisávamos de estar atentos para encontrar comida.
Na neurociência, vemos isto a acontecer como uma espécie de “interruptor” que é acionado nos nossos cérebros após cerca de 16 horas, sem calorias. Este “interruptor” ainda existe no nosso cérebro, e a investigação sugere que ainda funciona como funcionava há milhares de anos. Isto significa que, quando o seu cérebro percebe que não comeu nada durante cerca de 16 horas (possivelmente 12 horas nas mulheres), este “interruptor” activado para o deixar mais focado, mais alerta e na sua melhor condição mental.
O cérebro é uma máquina notavelmente adaptável, e a activação deste “interruptor” de jejum pode aumentar as substâncias químicas naturais no seu cérebro que ajudam a torná-lo uma máquina mais eficiente. As investigações indicam que o jejum intermitente desta forma pode aumentar estes químicos naturais (conhecidos como factores de crescimento), que agem como gestores do seu cérebro, limpando os detritos e reciclando tudo o que é necessário para actividades futuras.
Quando consideramos que o cérebro humano tem cerca de 85 mil milhões de neurónios com milhares de ligações entre eles, é fácil perceber porque é que esta limpeza é fundamental. Estudos de investigação apontam esta componente de limpeza como uma forma de prevenir Alzheimer, Parkinson, perda de memória relacionada com a idade e até mesmo cancro, pelo que é obviamente importante manter o cérebro limpo! Um benefício adicional de aumentar estes factores naturais de crescimento no cérebro é que parecem actuar como antidepressivos naturais. Na verdade, acreditamos que muitos dos medicamentos antidepressivos actualmente existentes no mercado actuam aumentando artificialmente estes factores de crescimento cerebral.
Por fim, existem algumas descobertas muito interessantes no campo da neurociência sobre o treino da força de vontade. Todos nós temos uma rede no nosso cérebro que tem a função de actuar como um “travão” para as nossas emoções e distrações na nossa vida. Isso é quase um exclusivo dos humanos. Este travão mental é a razão pela qual conseguimos resistir à tentação de comer aquele delicioso pedaço de bolo de chocolate que está no prato de um desconhecido ao nosso lado enquanto esperamos pela nossa refeição num restaurante, enquanto um cão simplesmente salta para o prato para saciar a sua fome. Esta pausa, no entanto, permite-nos fazer outras coisas muito singularmente humanas, como ter empatia pelos outros, mesmo que não concordemos com eles, ou mostrar bondade para com um desconhecido.
As investigações neurocientíficas contemporâneas sugerem que podemos fortalecer este travão interno activando-o regularmente, tal como os músculos que treinamos no ginásio. A força de vontade necessária para inibir o desejo básico de comer e beber durante o dia durante 19 dias (em combinação com a força de vontade para limpar a mente para orações regulares) serve para desenvolver lentamente este travão. Isto pode, em última análise, permitir-nos tornarmo-nos mais focados, mais empáticos e regular as nossas emoções de forma mais eficiente.
Se pensarmos no jejum desta perspetiva, então ele dá-nos realmente um meio para criar o melhor ambiente no nosso cérebro e modelar os verdadeiros comportamentos Bahá’ís — amor ao próximo, bondade, empatia e um verdadeiro sentido de parentesco espiritual com toda a humanidade. Não é algo que a nossa sociedade precisa agora mais do que nunca?
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Texto original: The Neuroscience of Fasting (www.bahaiteachings.org)
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