sábado, 22 de março de 2025

O Deus das Cores e a Cor de Deus

Por Necati Alkan.


Consegue imaginar o nosso mundo sem cores?

Quase tudo na criação tem uma cor. Ficamos felizes quando vemos determinadas cores, e outras podem deixar-nos tristes e preocupados. O facto de as cores terem efeito sobre os seres humanos é provavelmente tão antigo como a filosofia.

Na sua Teoria das Cores, Goethe diz: “As cores são o sofrimento e a alegria da luz”. As cores podem encantar-nos e refletir o princípio Bahá'í da “unidade na diversidade”, como as cores das flores num jardim, imagem que 'Abdu'l-Bahá utilizou frequentemente. Mas também enfatizou, sobretudo nas Suas palestras sobre o racismo nos Estados Unidos, que as cores podem causar preconceito:

Não existem brancos e negros perante Deus. Todas as cores são uma só, e essa é a cor da submissão a Deus. O perfume e a cor não são importantes. O coração é importante. Se o coração é puro, branco, preto ou qualquer cor não faz diferença. Deus não olha para as cores; Ele olha para os corações. ('Abdu'l-Bahá, The Promulgation of Universal Peace, p. 44)

Aqui chegamos a um reino onde todas as cores se fundem numa só: a “cor da submissão a Deus”. Se ignorarmos as diferenças exteriores, servirmos a Deus e adorarmos a Deus com um coração puro, cumpriremos o propósito da criação. Neste sentido, submergimo-nos na cor de Deus.

As cores também nos podem distrair do nosso propósito principal neste mundo, o que significa que, se mergulharmos nos prazeres materialistas, podemos esquecer-nos de Deus. Nas palavras de Bahá’u’lláh:

Ó Filhos da Vanglória! Por uma soberania efémera, abandonastes o Meu domínio imperecível e adornastes-vos com os trajes alegres do mundo, fazendo deles a vossa ostentação. Pela minha beleza! Reunirei tudo sob a cobertura de pó de uma só cor, e apagarei todas estas cores diversas, salvo aqueles que escolherem a Minha, e esta está expurgada de todas as cores. (As Palavras Ocultas, do persa, #74)

Na teoria das cores de Bahá'u'lláh, por assim dizer, o reino de Deus tem uma cor transcendente e unificadora, que representa o desapego do mundo físico e o apego ao espiritual:

Ó servo de Deus! Aquele que é o Mestre da expressão e do significado, e que dá cor a todas as coisas criadas, diz: Meditai naquilo que revelamos anteriormente: “[A nossa vida recebe] a cor de Deus, e quem é melhor do que Deus para colorir?” (Alcorão 2:138) O propósito desta cor não foi nem será cores de pigmentos metálicos. Pelo contrário, é a coloração dos corações puros com a cor de Deus, e esta é a santificação de todos os homens entre as diversas cores do mundo. Esforçai-vos para vos poderes destacar nesta arte e adornar os homens com a cor divina. (de uma Epístola de Bahá’u’lláh, tradução provisória do autor)

O Alcorão, no versículo 2:138 (citado acima), também apela à humanidade para usar “a cor de Deus”. Isto ocorre no contexto da religião do profeta Abraão, chamada a primordial ou imaculada religião de Deus — o arquétipo da fé original da humanidade num Deus único. De facto, todo o mensageiro de Deus apela a esta imersão na cor unificadora de Deus. Bahá’u’lláh veio unir a humanidade numa “fé comum” e transformar a humanidade numa nova criação com um novo batismo espiritual:

Ó Pena da Revelação! Lembra-te d’Aquele que Baptizava [lit. “o Tintureiro”, i.e. João Batista]. Dize: Chegou o dia do baptismo. Bem-aventurado aquele que se baptizou com o baptismo de Deus. Em verdade, é o seu desprendimento de tudo menos d’Ele. Assim vos ordena a Pena do Todo-Glorioso, tal como foi decretado pelo vosso Senhor, o Omnipotente, o Sapientíssimo. (de uma Epístola de Bahá’u’lláh, tradução provisória do autor)

Os textos cristãos da Antiguidade tardia também relacionam o baptismo com a coloração, e enfatizam os aspectos transformadores e curativos do baptismo na purificação dos seres humanos. Basta ler esta impressionante passagem onde Deus é chamado “o Tintureiro”, a mesma expressão que Bahá’u’lláh utiliza:

Deus é um tintureiro. Assim como os bons corantes — chamados “verdadeiros” (corantes) — morrem com aquelas (coisas) que neles foram tingidas, assim acontece com aqueles que Deus tingiu. Como os Seus corantes são imortais, tornam-se imortais através dos Seus remédios. Mas Deus mergulha/baptiza na água aqueles que Ele mergulha/batiza. (Evangelho de Filipe, 61.12-20)

Por outras palavras, tal como as cores/tinturas boas e verdadeiras se tornam uma só ou “morrem com” os itens tingidos, também as cores/tinturas imortais de Deus imbuem aqueles a quem Deus tinge de imortalidade durante o baptismo. Bahá’u’lláh chama a este acto “arte” e faz eco de uma ideia antiga em que a arte de tingir é vista como divina e literalmente como a arte da transformação.

O reino de Deus é uma cor unificadora, um domínio onde morremos em Deus e Deus nos tinge!

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Texto original: God’s Colors and the Color of God (www.bahaiteachings.org)


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Necati Alkan é um historiador turco-alemão, especialista no período final da história do Império Otomano. É investigador na Universidade de Bamberg (Alemanha) e trabalha com temas relacionados com minorias religiosas. Entre os seus livros contam-se: “The eternal enemy of Islam’: Abdullah Cevdet and the Baha’i religion” (2005); “Süleyman Nazif's 'Open Letter to Jesus': An Anti-Christian Polemic in the Early Turkish Republic” (2008); "Fighting for the Nuṣayrī Soul: State, Protestant Missionaries and the ʿAlawīs in the Late Ottoman Empire" (2012); "Divide and Rule: The Creation of the Alawi State after World War I (2013)

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