quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Direitos Humanos (5)

Justiça

A justiça é uma das principais preocupações da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Neste documento proíbe-se a tortura e o tratamento degradante e desumano (artigo 5º), assim como a prisão arbitrária, detenção ou exílio (artigo 9º). Alem disso é frisado que qualquer pessoa acusada de um delito deve ser levada a um tribunal imparcial e independente (artigos 8º e 10º) e deve ser considerada inocente até ser provada a sua culpa (artigo 11º). É também referido o direito de asilo para vítimas de perseguições (artigo 14º).

Na história da aplicação da justiça encontramos dois momentos particularmente importantes: a formalização das leis e a criação de um poder judicial autónomo dos poderes executivo e legislativo.

A existência de leis escritas é uma das mais antigas conquistas da humanidade. Desde cedo as comunidades humanas sentiram a necessidade de definir um conjunto de regras que regulasse os conflitos de interesses. Em qualquer bom livro de História encontramos referências à importância das leis babilónicas (como o Código de Hamurabi) e ao direito romano, que influenciou profundamente os sistemas legais europeus e americano.

A existência de leis escritas só por si, não é uma garantia de justiça imparcial, sobretudo se o poder do estado se encontra concentrado numa única autoridade. Em 1748, Montesquieu apresentou no livro O Espírito das Leis uma série de conceitos inovadores sobre as formas de governo e o exercício da autoridade. Estas influenciaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e influenciam ainda hoje o pensamento político moderno. Segundo Montesquieu, a distribuição de poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) por diferentes órgãos do Estado seria uma forma de evitar o arbítrio e a violência.[1]

A existência de um poder judicial independente e não influenciado por outros órgãos do Estado é hoje uma exigência das sociedades modernas. Para estas sociedades, o Poder Judicial é um dos três poderes do Estado e possui a capacidade e a prerrogativa de julgar, de acordo com as com as regras constitucionais e leis criadas pelo sistema legislativo num determinado país.

Apesar dos muitos progressos que a aplicação da justiça tem feito em vários países, os media continuam a referir os muitos problemas da justiça um pouco por todo o mundo. Na verdade, basta consultar relatórios de organizações como a Amnistia Internacional[2] ou a Human Rights Watch para percebem quão vastas são as violações dos direitos humanos neste campo: execuções extra-judiciais, desaparecimentos, abusos e impunidade das forças da autoridade, tortura e humilhação de prisioneiros são apenas alguns dos amargos frutos da ausência, ou distorção, da justiça.

Argentinos desaparecidos durante a Ditadura Militar.
As vítimas da "guerra suja" nunca tiveram direito a uma verdadeira justiça.

Geralmente quando se fala de abusos ausência, erros ou deturpação de um sistema judicial, há tendência para pensar em países com regimes totalitários; no entanto, os sistemas judiciais dos regimes democráticos não são imunes a falhas. Em países com regimes democráticos pouco consolidados, ou onde se verificam grandes assimetrias sociais, é com alguma frequência que surgem situações em que a aplicação da lei nem sempre é igual para todos. Mas de uma forma geral, pode-se dizer que a esmagadora maioria dos países democráticos proporciona aos cidadãos um melhor sistema judicial do que os países com regimes totalitários.

A JUSTIÇA NAS ESCRITURAS BAHÁ’ÍS

A justiça é um dos temas mais enfatizados nas escrituras bahá’ís; o próprio Bahá'u'lláh referiu que era a mais amada de todas as coisas a Seu ver era a justiça. Olhando a história da Sua vida percebe-se os motivos da Sua atitude perante este tema. Ele, juntamente com a Sua família e alguns companheiros, foram vítimas de detenção arbitrária e exílio. Também muitos dos Seus primeiros seguidores sentiram na pele as injustiças perpetradas pelos governos Otomano e Persa.

O fundador da religião baha'i considerou particularmente cruel o facto do Governo Otomano O ter exilado, em 1868, de Adrianopolis para a fortaleza de Akká, apenas por motivos religiosos. Na Epístola ao Primeiro Ministro Otomano, escrita logo após a Sua chegada à Palestina, Bahá'u'lláh queixa-se de ter sido vitima de um decreto absolutista e acrescenta que se devia convocar uma assembleia de homens sábios que estudasse e se pronunciasse sobre o caso de forma ficasse claro qual era o crime dos baha'is. Apenas uma assembleia de juízes ou homens sábios podia tomar uma decisão imparcial, insistiu Ele, e através de uma investigação profunda poder-se-ia averiguar a verdade e perceber que crime tinha sido cometido.

Em 1875, no livro O Segredo da Civilização Divina, 'Abdu'l-Bahá critica severamente as detenções e punições arbitrárias. Segundo Ele, na década de 1840 “ouviu-se de muitas fontes que o Governador de Gulpáygán prendeu treze indefesos meirinhos daquela região, todos eles de santa linhagem, todos eles inocentes, e sem julgamento ou qualquer sanção superior, decapitou-os na mesma hora.” O filho de Bahá'u'lláh afirma ainda que as raízes do declínio do Irão estavam na “falta de um sistema de governo adequado, e do despotismo e da autoridade desenfreada dos governadores provinciais e locais”; e acrescenta que “os governadores seleccionavam qualquer vítima que desejassem, mesmo inocente, e descarregavam sobre ela a sua ira e destruíam-na”.

'Abdu'l-Bahá conclui que estas práticas não estão em conformidade com a justiça, nem com lei de Deus. Torna-se claro que as Escrituras Bahá’ís insistem no primado da Lei e proíbem a detenção ou exílio arbitrário de qualquer indivíduo. Estas requerem a prova do delito e o julgamento por um corpo de juízes que analise todos os factos. Os decretos despóticos de um governante não eleito são inaceitáveis como motivo para detenção ou punição de um cidadão. Quanto ao asilo, 'Abdu'l-Bahá encoraja os bahá'ís a acolherem exilados e refugiados vítimas de perseguições.

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NOTAS
[1] - Aristóteles já havia sugerido a separação de poderes no seu livro Política.
[2] - Veja-se por exemplo o Relatório da AI de 2006

3 comentários:

Dina Domingues disse...

estava aqui a pensar que preciso de um blog teu sobre a familia, que tal?

finalmente consegui passar pelas malhas das autorizações para deixar comentários :)

Marco Oliveira disse...

Filha,
Deve haver muitos blogs sobre esse assunto e escritos por gente mais qualificada do que eu para falar desse tema.

Só por curiosidade: para que querias esse blog?

Anónimo disse...

Justiça igual para todos é uma utopia da DUDH. Mas temos de perseguir as nossas utopias para fazermos deste mundo um local melhor.