sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Na prisão, o pai do pequeno Artin responde a Nourizad

 Em 15 de Julho de 2013, Mohammad Nourizad, ex-apoiante de linha-dura do regime iraniano e jornalista que mais tarde se tornou um crítico do regime, visitou a casa da família Rahimian. Kamran Rahimian e esposa Faran Hesami são educadores Bahá’ís que foram presos por ensinar os seus companheiros de Fé frequentemente perseguidos numa universidade alternativa (os seguidores desta religião, são considerados hereges pelo poder xiita e estão oficialmente proibidos de ingressar no ensino superior). Numa demonstração de oposição à repressão dirigida contra os Bahá’ís, Nourizad imitou o Papa Francisco ao beijar os pés do pequeno Artin, de quatro anos de idade, filho dos Rahimians. Kamran Rahimian, escreveu na prisão Raja'i-Shahr perto de Teerão, respondeu à visita de Nourizad. Texto dessa carta foi traduzido para inglês no site Tavaana e é apresentado aqui aos leitores deste blog.

A carta do pai de Artin para Mohammad Nourizad, da prisão de Rajai-Shahr

Sr. Nourizad! Escrevo-lhe da prisão de Raja'i-Shahr [perto de Teerão]. Estou na prisão há cerca de dois anos, e nunca tive um dia sequer de licença. A minha esposa foi presa há mais de um ano, mas só fui autorizado a vê-la duas vezes. Nestes mais de dois anos, foi-me permitido receber a visita do meu filho a cada duas semanas.

A família Rahimian
Sr. Nourizad! Sou alguém que, quando numa aula de ética em 1981 - tinha 12 anos - foi ridicularizado porque os Bahá'ís eram acusados de contrair casamentos incestuosos. Nesse mesmo ano, fui proibido de visitar o túmulo da minha avó, falecida no ano anterior, porque o local onde ela tinha sido sepultada tinha sido expropriado e mais tarde transformou-se no Centro Cultural Khavaran. Sou uma pessoa que - em 1983 - aos 14 anos vi o meu pai preso durante 11 meses, executado sem que tivesse oportunidade de me despedir dele, e sepultado em Khavaran sem o nosso conhecimento. Antes disso, tinha sido expulso da casa onde vivia porque esta fora confiscada, com apenas uma mala para levar os meus livros escolares e roupas para a minha mãe, para o meu irmão e para mim. Sou alguém a quem foi recusada a possibilidade de participar nos exames de admissão à universidade, em 1987.

Sr. Nourizad! O meu nome é Kamran Rahimian. Sou o pai de Artin, de quatro anos de idade, que você viu quando foi a nossa casa. Você visitou o nosso lar reduzido a três pessoas que, apesar pertencerem a famílias diferentes, formam agora uma família entre eles. A minha mãe, cujo marido foi levado para ser executado há quase trinta anos atrás, carrega nos ombros o peso de todo o sofrimento destes últimos anos. A sua neta de 13 anos de idade, Gina, já teve a experiência de testemunhar a prisão simultânea da sua mãe e seu pai, em 2004. Agora o pai de Gina está na prisão e sua mãe está nos céus. O outro neto da minha mãe é o Artin, que tem ambos os pais na prisão. O que você escreveu fez-me sentir a necessidade de me fazer ouvir, e deu-me a oportunidade de me expressar. Envio-lhe os meus agradecimentos, juntamente com uma mistura de enorme aprovação e enorme tristeza. Ao mesmo tempo, parece-me que você se expôs conscientemente ao sofrimento, a fim de ouvir a dor da minha família.

Sr. Nourizad! Nas palavras que você escreveu, vi que pediu perdão, algo que eu tomei como um desejo de aceitação e compreensão. Você beijou os pés do Artin, e eu vi nisso como um símbolo de respeito e amor. Você reconheceu que muitas pessoas faltavam naquela casa, o que eu entendi como a sua disposição para aceitar a responsabilidade. Ouvi a sua esperança por apoio e justiça para os pais do Artin. Você bebeu água na nossa casa, e eu vi nisso um sinal da sua demonstração de aceitação e igualdade. Deduzi que a sua citação de um hadith [tradição atribuída do Profeta Muhammad] mostrou a importância e o respeito que você afirma estar consciente.

Sr. Nourizad! Eu entendi a acção que você tomou como uma tentativa para trazer objectividade a valores como o respeito, amor, justiça, ajuda, responsabilidade, igualdade, consciência e compaixão. Com as minhas palavras, vou tentar transmitir-lhe a minha gratidão. Também vou afirmar a minha esperança que a compaixão possa ser um caminho para construir um mundo de paz, que leve a justiça e a liberdade a cada tipo de pessoa.

Paz significa a aceitação do pluralismo e da capacidade de vários grupos coordenarem a busca de um objectivo comum - sendo esse objectivo a felicidade e conforto de todos. Justiça significa dar a cada indivíduo a oportunidade de fazer uso de todas as suas capacidades. Liberdade significa o potencial e a capacidade de um ser humano para crescer, evoluir, e preparar-se para a mudança, alinhado com os valores da humanidade, sem qualquer excepção entre os seres humanos, e sem considerar qualquer coisa que sirva para nos diferenciar, como etnia, raça, nacionalidade, sexo, religião e educação. Toda a humanidade foi criada à imagem de Deus.

Ao mesmo tempo, gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar alguns dos meus desejos:

Sr. Nourizad! Você chamou ao Artin uma pequena criança Bahá’í. Eu desejo que o Artin e todas as outras crianças, independentemente da família em que crescem e as crenças em que são educados, possam ter a oportunidade de aprender e adquirir conhecimentos. Eu gostaria que, ao tentar procurar a verdade, eles possam tomar uma decisão informada sobre suas crenças, de modo que suas acções possam ser o produto dessas crenças.

Sr. Nourizad! Frente ao Artin, você ajoelhou-se e beijou-lhe os pés. Considero isso a expressão suprema de amor e respeito, não para com o Artin, mas para com o espírito humano puro. Ao mesmo tempo, não desejo que pessoa alguma seja forçada a ajoelhar-se diante de outra pessoa, por vergonha. Vejo o respeito por cada pessoa como vindo do seu espírito humano, o que é exactamente o que todos nós temos em comum. A estima e o respeito de ambos os lados é igualmente importante e valioso.

Sr. Nourizad! Você pediu ao Artin para que o esbofeteasse e lhe cuspisse. Ouvi este pedido como a sua tentativa de aliviar a sua dor, e sinal supremo da sua honestidade e da sua aceitação de responsabilidade. Ao mesmo tempo, desejo que nenhum corpo humano seja exposto a tal coisa, pois o corpo aloja o espírito humano e o espírito humano é uma demonstração do Divino.

Sr. Nourizad! Eu acredito que uma pessoa doente precisa a ser tratada, e este tratamento é um processo que pode demorar muito tempo. Eu também acredito que, se o preço para o tratamento de uma pessoa é a dor de outra pessoa ou outras pessoas, esse ciclo não será quebrado. Por isso, desejo que todos nós tentemos quebrar o ciclo de violência. Isso não pode ser posto em prática sem que você, eu e todas as pessoas do Irão trabalhemos para que isso aconteça. Isso obriga-nos a perdoar a nós próprios e a perdoar os outros. Depois de tomar consciência e assumir responsabilidade, isto é algo que as pessoas podem pôr em prática. Esta ideia é algo que eu trabalhei para conseguir alcançar nos sete anos em que estive activo no campo da psicologia.

Sr. Nourizad! Você publicou algumas perguntas que Artin colocou, e eu presumo que a sua intenção era encontrar palavras que possam expressar o que o Artin está a sentir. Pode ter sido uma sugestão para que outros aceitem alguma responsabilidade. Eu desejo que o Artin - e todos nós - consiga tornar o respeito uma condição necessária para todas as interacções. Eu desejo que possamos aceitar que as diferenças de crença, e até que interesses subjectivos e opostos, existem, mas que nenhuma apele, ou exija, o desrespeito. E depois, desejo que sejamos capazes de aprender a expressar as nossas opiniões de forma honesta e com o maior respeito.

Sr. Nourizad! Acredito que, se conseguirmos manter constantemente uma ligação com o espírito humano existente na pessoa diante de nós, independentemente do que ela diz ou faz, nós podemos deixar de ser violentos. Este é o primeiro passo para criar o mundo que desejamos. Acho que você está a dar passos nesse caminho, e ao sentar-se à frente do Artin e da minha mãe mostrou que se move ao longo deste caminho. Aceite os meus parabéns por fazer isso.

Sr. Nourizad! Em conclusão, gostaria mais uma vez de expressar o meu respeito e a minha gratidão. Eu quero deixar claro que, se alguém vê algo diferente do que a minha gratidão e os meus desejos nesta carta, é apenas um sinal da minha incapacidade de expressar o que eu tenho dentro de mim, assim como um lembrete de que preciso de continuar a aprender e a praticar. Como Gandhi disse: "Deixem-nos ser a mudança que desejamos ver no mundo."

Kamran Rahimian
Prisão de Raja'i-Shahr
18 Julho de 2013

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