A carta do pai de Artin para Mohammad Nourizad, da prisão de Rajai-Shahr
Sr. Nourizad! Escrevo-lhe da prisão de Raja'i-Shahr [perto de Teerão]. Estou na prisão há cerca de dois anos, e nunca tive um dia sequer de licença. A minha esposa foi presa há mais de um ano, mas só fui autorizado a vê-la duas vezes. Nestes mais de dois anos, foi-me permitido receber a visita do meu filho a cada duas semanas.
A família Rahimian |
Sr. Nourizad! O meu nome é Kamran Rahimian. Sou o pai de Artin, de quatro anos de idade, que você viu quando foi a nossa casa. Você visitou o nosso lar reduzido a três pessoas que, apesar pertencerem a famílias diferentes, formam agora uma família entre eles. A minha mãe, cujo marido foi levado para ser executado há quase trinta anos atrás, carrega nos ombros o peso de todo o sofrimento destes últimos anos. A sua neta de 13 anos de idade, Gina, já teve a experiência de testemunhar a prisão simultânea da sua mãe e seu pai, em 2004. Agora o pai de Gina está na prisão e sua mãe está nos céus. O outro neto da minha mãe é o Artin, que tem ambos os pais na prisão. O que você escreveu fez-me sentir a necessidade de me fazer ouvir, e deu-me a oportunidade de me expressar. Envio-lhe os meus agradecimentos, juntamente com uma mistura de enorme aprovação e enorme tristeza. Ao mesmo tempo, parece-me que você se expôs conscientemente ao sofrimento, a fim de ouvir a dor da minha família.
Sr. Nourizad! Nas palavras que você escreveu, vi que pediu perdão, algo que eu tomei como um desejo de aceitação e compreensão. Você beijou os pés do Artin, e eu vi nisso como um símbolo de respeito e amor. Você reconheceu que muitas pessoas faltavam naquela casa, o que eu entendi como a sua disposição para aceitar a responsabilidade. Ouvi a sua esperança por apoio e justiça para os pais do Artin. Você bebeu água na nossa casa, e eu vi nisso um sinal da sua demonstração de aceitação e igualdade. Deduzi que a sua citação de um hadith [tradição atribuída do Profeta Muhammad] mostrou a importância e o respeito que você afirma estar consciente.
Sr. Nourizad! Eu entendi a acção que você tomou como uma tentativa para trazer objectividade a valores como o respeito, amor, justiça, ajuda, responsabilidade, igualdade, consciência e compaixão. Com as minhas palavras, vou tentar transmitir-lhe a minha gratidão. Também vou afirmar a minha esperança que a compaixão possa ser um caminho para construir um mundo de paz, que leve a justiça e a liberdade a cada tipo de pessoa.
Paz significa a aceitação do pluralismo e da capacidade de vários grupos coordenarem a busca de um objectivo comum - sendo esse objectivo a felicidade e conforto de todos. Justiça significa dar a cada indivíduo a oportunidade de fazer uso de todas as suas capacidades. Liberdade significa o potencial e a capacidade de um ser humano para crescer, evoluir, e preparar-se para a mudança, alinhado com os valores da humanidade, sem qualquer excepção entre os seres humanos, e sem considerar qualquer coisa que sirva para nos diferenciar, como etnia, raça, nacionalidade, sexo, religião e educação. Toda a humanidade foi criada à imagem de Deus.
Ao mesmo tempo, gostaria de aproveitar esta oportunidade para expressar alguns dos meus desejos:
Sr. Nourizad! Você chamou ao Artin uma pequena criança Bahá’í. Eu desejo que o Artin e todas as outras crianças, independentemente da família em que crescem e as crenças em que são educados, possam ter a oportunidade de aprender e adquirir conhecimentos. Eu gostaria que, ao tentar procurar a verdade, eles possam tomar uma decisão informada sobre suas crenças, de modo que suas acções possam ser o produto dessas crenças.
Sr. Nourizad! Frente ao Artin, você ajoelhou-se e beijou-lhe os pés. Considero isso a expressão suprema de amor e respeito, não para com o Artin, mas para com o espírito humano puro. Ao mesmo tempo, não desejo que pessoa alguma seja forçada a ajoelhar-se diante de outra pessoa, por vergonha. Vejo o respeito por cada pessoa como vindo do seu espírito humano, o que é exactamente o que todos nós temos em comum. A estima e o respeito de ambos os lados é igualmente importante e valioso.
Sr. Nourizad! Você pediu ao Artin para que o esbofeteasse e lhe cuspisse. Ouvi este pedido como a sua tentativa de aliviar a sua dor, e sinal supremo da sua honestidade e da sua aceitação de responsabilidade. Ao mesmo tempo, desejo que nenhum corpo humano seja exposto a tal coisa, pois o corpo aloja o espírito humano e o espírito humano é uma demonstração do Divino.
Sr. Nourizad! Eu acredito que uma pessoa doente precisa a ser tratada, e este tratamento é um processo que pode demorar muito tempo. Eu também acredito que, se o preço para o tratamento de uma pessoa é a dor de outra pessoa ou outras pessoas, esse ciclo não será quebrado. Por isso, desejo que todos nós tentemos quebrar o ciclo de violência. Isso não pode ser posto em prática sem que você, eu e todas as pessoas do Irão trabalhemos para que isso aconteça. Isso obriga-nos a perdoar a nós próprios e a perdoar os outros. Depois de tomar consciência e assumir responsabilidade, isto é algo que as pessoas podem pôr em prática. Esta ideia é algo que eu trabalhei para conseguir alcançar nos sete anos em que estive activo no campo da psicologia.
Sr. Nourizad! Você publicou algumas perguntas que Artin colocou, e eu presumo que a sua intenção era encontrar palavras que possam expressar o que o Artin está a sentir. Pode ter sido uma sugestão para que outros aceitem alguma responsabilidade. Eu desejo que o Artin - e todos nós - consiga tornar o respeito uma condição necessária para todas as interacções. Eu desejo que possamos aceitar que as diferenças de crença, e até que interesses subjectivos e opostos, existem, mas que nenhuma apele, ou exija, o desrespeito. E depois, desejo que sejamos capazes de aprender a expressar as nossas opiniões de forma honesta e com o maior respeito.
Sr. Nourizad! Acredito que, se conseguirmos manter constantemente uma ligação com o espírito humano existente na pessoa diante de nós, independentemente do que ela diz ou faz, nós podemos deixar de ser violentos. Este é o primeiro passo para criar o mundo que desejamos. Acho que você está a dar passos nesse caminho, e ao sentar-se à frente do Artin e da minha mãe mostrou que se move ao longo deste caminho. Aceite os meus parabéns por fazer isso.
Sr. Nourizad! Em conclusão, gostaria mais uma vez de expressar o meu respeito e a minha gratidão. Eu quero deixar claro que, se alguém vê algo diferente do que a minha gratidão e os meus desejos nesta carta, é apenas um sinal da minha incapacidade de expressar o que eu tenho dentro de mim, assim como um lembrete de que preciso de continuar a aprender e a praticar. Como Gandhi disse: "Deixem-nos ser a mudança que desejamos ver no mundo."
Kamran Rahimian
Prisão de Raja'i-Shahr
18 Julho de 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário