terça-feira, 16 de março de 2004

A minha visão da Montanha

Cheguei à pouco tempo à blogosfera e consequentemente conheço pouco dos seus meandros; tenho para mim alguns blogs de referência, que são quase de consulta obrigatória. O post do Ivan n'A-Praia é o segundo post sobre uma série de questões ligadas à religião (não encontrei o primeiro post!)

Não pretendo entrar em polémica com o Ivan; apenas dar a conhecer a minha perspectiva da "montanha". Devo dizer que gostei bastante da tua definição de amor divino, tal como gostei também da imagem de Deus como uma montanha e das diferentes perspectivas que os povos têm dessa montanha.

As questões
As questões que te colocaram «o que é essa coisa a que chamam Deus?» «O que esperam dela?» «Em que sentido é que acreditam numa alma imortal libertada do corpo?» «Acham que existe o inferno, e o que é?» são dúvidas que nos podem perturbar toda a vida; mas a religião não tem necessariamente de nos dar uma resposta completamente esclarecedora e definitiva. Ela deixar-nos a dúvida e mostrar-nos como nos podemos fortalecer perante a dúvida.

Por outras palavras: deverá a religião ser encarada como um porto de abrigo contra todas as dúvidas que nos deve dar respostas seguras a todas as questões, ou um estaleiro de reparação que nos reforça e fortalece, permitindo enfrentar um mar de dúvidas, tempestades de questões, e ondas de inquietações? Prefiro a imagem do estaleiro; e confesso que periodicamente venho ao meu "estaleiro" fazer umas reparações e uns melhoramentos; terminados os trabalhos, faço-me de novo ao mar!

Essa coisa a que chamam Deus
Deus está acima de qualquer definição humana. Creio que foi S. Tomás que escreveu que nunca poderemos saber o que Deus é; apenas poderemos saber o que Ele não é.

Acredito que Ele existe, e Se manifesta de tempos a tempos aos povos do mundo, enviando-nos Profetas com mensagens adequadas à nossa maturidade e à nossa capacidade de compreensão. Foi assim que recebemos, entre outros, Abraão, Moisés, Jesus, Maomé, e mais recentemente Bahá’u’lláh. Deus, como Pai, não abandona os Seus filhos, nem os deixa sem a orientação da Sua Mensagem.

Os Profetas que Deus nos envia também podem ser comparados aos sucessivos professores que vamos tendo na escola; cada um desses professores vai-nos ensinando realidades deste mundo, de acordo com a nossa capacidade de aprendizagem; os seus ensinamentos não são contraditórios; pelo contrário, são complementares. E assim, a humanidade vamos evoluindo sob o olhar atento desse Deus Pai.

O que eu espero de Deus?
Pelo que entendi até hoje da Fé Bahá’í, preocupo-me mais com a questão "O que Deus espera de mim?" do que "o que eu espero de Deus?" Não posso olhar para o Criador como olho para o meu patrão de quem espero que me dê um aumento de ordenado, ou que me poupe a uma vaga de despedimentos. Não consigo encará-Lo como "alguém" que me facilite a vida ou me alivie os problemas, mas como "alguém" a que eu devo servir (não vou conseguir livrar-me Dele como me conseguiria livrar de um patrão).

Assim, a questão que coloco é "O que será que Deus espera de mim?" Pelo meu entendimento das escrituras Bahá’ís, sei que Ele espera que eu dê meu contributo para o progresso e evolução da grande família humana; sei que devo respeitar os meus semelhantes e toda a criação de Deus.

Como poderei dar um contributo válido? Que poderei fazer para que a Terra se torne um só país e a humanidade os seus cidadãos? Se por acaso morresse hoje, teria a minha vida valido a pena?
E com o meu filho? Conseguirei transmitir-lhe os valores morais necessários para fazer dele um cidadão digno e válido? Conseguirei incutir-lhe a necessidade de contribuir para a evolução da nossa grande família humana?

São perguntas lixadas! Deixam um gajo à nora... Mas é enfrentando um mar de dúvidas e inquietações como estas que nos fortalecemos; não é certamente no conforto das respostas definitivas e no abrigo das certezas.

Propósito da vida
Acredito que quando morremos a alma continua evoluindo noutros mundos, tal como um bebé quando nasce continua a sua evolução neste mundo. Um bebé quando está no ventre materno tem de se desenvolver fisicamente; depois de nascer para este mundo, o ser humano deve desenvolver-se espiritualmente, pois necessita de qualidades espirituais para a vida que se segue à morte física.

Como conseguir esse desenvolvimento espiritual? Creio que para isso devemos seguir os ensinamentos dos Profetas que Deus nos tem enviado. Claro que isso não é nada fácil... Ainda por cima o nosso desenvolvimento espiritual é um acto voluntário. O ser humano não pode decidir sobre a sua evolução física, mas tem livre arbítrio sobre a sua evolução espiritual.

A ideia do corpo ser uma espécie de gaiola para a alma parece-me interessante; mas tem associada ideia de crime que temos de pagar (isto leva-nos ao conceito de pecado original de Santo Agostinho!); prefiro ver esta vida como uma espécie de casulo do bicho-da-seda onde temos de nos transformar para ficar aptos para uma nova fase da nossa existência.

Como podes ver, Ivan, estou tão perdido nesta vida como tu; apenas tenho outra perspectiva da Montanha.
Outras questões como o inferno, a ressurreição dos mortos, a existência do mal ficam para outro post.

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