segunda-feira, 10 de maio de 2004

O Rosto dos Mártires

Quando frequentei algumas cadeiras do curso de Ciências Religiosas da Universidade Católica em Lisboa, conheci uma série de professores interessantes. Numa aula, um desses professores, chamou a nossa atenção para as imagens de Cristo que é frequente encontrarmos: o cabelo bem penteado, a barba arranjada, os olhos claros, um olhar angélico. Teria o Jesus da história essa face e uma expressão assim tão perfeitas?

Na verdade, na nossa tentativa de divinizar santos e heróis, temos tendência a representá-los de acordo com certos estereótipos: os santos com um olhar angélico (de preferência a olhar para cima) e as mãos unidas em oração, e os heróis com um olhar duro e de queixo levantado (com uma mão na espada ou apontando para algum lado de forma determinada). Este tipo de representações tem alimentado o nosso imaginário e está por certo longe da realidade.

A comunidade bahá’í também tem os seus "heróis"; são na sua grande maioria, crentes que preferiram o martírio a negar a sua fé. O facto dos martírios mais conhecidos terem ocorrido no final do Século XIX e no início do século XX permite que existam algumas fotos desses mártires.

Há dias, quando procurava uma referência num livro Bahá'í, passei mais uma vez pela foto de Varqá e seu filho Ruhu’lláh. Esta foto foi tirada em 1896, pouco antes de pai e filho serem executados; o seu único crime foi não negarem a sua fé. Desta vez demorei-me um pouco mais a olhar para a foto.

As expressões destes dois crentes, num momento em que já sabiam o destino que os aguardava, está longe dos nossos estereótipos de santos e heróis. Demorei-me a olhar a foto e senti que é difícil perceber o que lhes ia na alma naquele instante. Particularmente impressionante é a expressão do filho Ruhu’lláh (tinha 12 anos).


Varqá e o filho Ruhu'lláh, na prisão em Teerão, pouco antes de serem martirizados


Quem foi Varqá?

Varqá nasceu em Yazd e era filho de um bahá'í que já tinha estado na presença de Bahá'u'lláh. É recordado como um poeta de prestígio; tinha conhecimentos de medicina e era versado em assuntos religiosos. Foi um dos mais eloquentes divulgadores da causa Bahá'í na Pérsia. Ao longo da sua vida, recebeu várias epístolas de Bahá'u'lláh.

Em 1878, fez a sua primeira peregrinação a 'Akká. Ficou profundamente impressionado com Bahá'u'lláh. Em muitas ocasiões Bahá'u'lláh parecia ler-lhe os pensamentos; noutras recordava-se de sonhos em que se lembrava de ter visto Bahá'u'lláh. De regresso à Pérsia, decide ir viver para a cidade de Tabriz; dedica-se de corpo e alma à divulgação da nova religião. Essas actividades custaram-lhe vários problemas com familiares que não acreditavam na nova revelação, e alguns anos na prisão.

Em 1891 recebeu permissão para se deslocar novamente em peregrinação à Terra Santa; desta vez levou dois filhos e o sogro. Bahá'u'lláh recebeu-os de forma particularmente acolhedora; elogiou-o bastante e atendendo aos seus conhecimentos de medicina pediu-lhe alguns conselhos sobre a Sua saúde. Um dos filhos, Ruhu'lláh (em português "Espírito de Deus"), esteve várias vezes na presença de Bahá'u'lláh; o jovem deixava particularmente impressionados os membros da família de Bahá'u'lláh. As suas conversas revelavam muita maturidade e um conhecimento invulgar sobre a Causa.

A terceira e última peregrinação realizou-se após o falecimento de Bahá'u'lláh; nessa ocasião foram recebidos por 'Abdu'l-Bahá. De regresso à Pérsia, avolumam-se os problemas; as suas actividades são cada vez mais acompanhadas por opositores da Causa. As detenções e os espancamentos sucedem-se; Varqá e o filho Ruhu'lláh são transferidos sucessivamente de prisão em prisão, até serem levados para Teerão. Pai e filho recusam-se sempre a negar a sua fé; Varqá foi esfaqueado pelo chefe da prisão; Ruhu’lláh, depois de assistir à morte do pai, foi estrangulado. Estávamos em Maio de 1896.
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Mais informações sobre Varqá em The Revelation of Bahá'u'lláh, vol. 4, cap. 4; Eminent Bahá’ís in the time of Bahá'u'lláh, cap. 7.

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