sexta-feira, 11 de junho de 2004

Crianças Malditas

Há uma fábula que nos conta que um lobo e o cordeiro bebiam água do mesmo riacho quando o lobo percebeu a presença do cordeiro. O lobo começou então a ralhar com o cordeiro; se ele bebia a água do mesmo riacho, então, a água ficava suja. O cordeiro respondeu que tal não era possível, pois ele estava a beber num local mais abaixo do que o lobo. A isto o lobo respondeu que a água que ele queria beber estava suja; e se o culpado não era aquele cordeiro, então era o pai dele. E com esse argumento, matou e comeu o cordeiro.

No canal história tem sido exibido periodicamente um documentário sobre filhos de soldados alemães que estiveram estacionados na Noruega durante a 2ª Guerra Mundial. Algumas dessas crianças foram geradas no âmbito de um programa de expansão da "raça ariana". Após a guerra a maioria dessas crianças viveram um verdadeiro calvário; algumas foram internadas em colégios especiais; foram sujeitas a variados abusos. Socialmente foram sempre rejeitadas. A maioria quando atingiu a idade adulta, tornaram-se pessoas psicologicamente instáveis; o alcoolismo, a depressão e o suicídio atingiram dimensões muito significativas entre eles.

Na prática, esta geração de crianças pagou pelos erros dos seus pais, ou dos dirigentes políticos do país dos seus pais.

Recentemente foi publicado um livro sobre filhos dos soldados alemães que ficaram em França. Tal como as crianças norueguesas, também estas foram o alvo da vingança de uma sociedade castigada pela ocupação alemã. Estima-se que em França entre 1941 e 1945 tenham nascido 200.000 crianças de mãe francesa e pai alemão.

Algumas destas crianças ainda receberam alguma ajuda dos pais alemães; outras conheciam-lhe apenas o nome e procuraram-no na Alemanha; em França, nos anos após a guerra era muito complicados ser filho de pai incógnito e ter cabelo loiro. Se as mães tinham sido presas, as crianças eram entregues a famílias de acolhimento.

Uma dessas crianças conta como sempre esperava ver o seu pai e desejava saber coisas da Alemanha. Quando encontrava algum turista na rua, perguntava: "Deutsch ? Mein vater ist deutsch" ("Alemão? O meu pai é alemão"); nalguns casos mais felizes deu-se o reencontro com os meio-irmãos na Alemanha.

Regra geral, as mães e avós proibiam estes filhos de sair e brincar com outras crianças; queria protegê-los da violência (física e verbal) e nalguns casos proteger a família da vergonha. Os efeitos psicológicos da humilhação e da rejeição foram muito profundos nestas crianças e ainda se fazem sentir.

Os pais destas crianças foram, na maioria, amados por mulheres francesas; um amor maldito (para os valores da sociedade da época ) cujo fruto foram também umas “crianças malditas”.

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