segunda-feira, 25 de outubro de 2004

Os pobres

É frequente encontrar referências à pobreza nas sagradas escrituras de todas as religiões e em muitos livros sobre religião. Nestes encontramos com frequência o elogio da pobreza e, por vezes, até do ascetismo. Pessoalmente (e isto é uma interpretação muito pessoal) tenho outro entendimento do significado da pobreza.

Qual a diferença entre ricos e pobres, para além das diferenças materiais? Creio que são poucas. Em muitos casos, a única diferença é que o pobre gostaria de estar no lugar do rico. Mas as virtudes e os defeitos, os méritos e os deméritos de ricos e pobres parecem-me iguais. Frequentemente, no contexto das Sagradas Escrituras, creio que seria mais correcto identificar a riqueza com o apego excessivo às coisas deste mundo e a pobreza com o desprendimento. Não me parece que alguém possa ser excluído de Deus por possuir muitos bens materiais; parece-me mais plausível que uma pessoa se auto-exclua, de Deus por apego excessivo aos seus bens materiais (sejam muitos ou poucos).

No livro "As Palavras Ocultas", Bahá'u'lláh escreveu

"Tudo o que se encontra no Céu e na Terra, Eu o destinei a ti, excepto o coração humano, o qual fiz residência de Minha beleza e glória"[1]
Pessoalmente, entendo esta frase como significando que tudo o que está no universo foi feito para nós; podemos usar tudo o que está na criação; mas nãos nos devemos apaixonar por nada do que está na criação; o coração apenas se pode apaixonar pelo Criador; não se pode apegar excessivamente por mais nada. Ou se quiserem, nada na criação se deve interpor entre cada ser humano e o Criador.

É este elogio da pobreza, sinónimo de desprendimento, que me parece ser feito nas sagradas escrituras. A este propósito, a história contada por 'Abdu'l-Bahá, durante uma palestra em Nova Iorque, em 1912, assume um significado especial:
Jesus era um homem pobre. Uma noite, quando Ele estava nos campos, começou a chover. Ele não tinha local onde Se abrigar; por isso, olhou para o céu e disse: «Ó Pai! Para os pássaros do ar criaste ninhos, para as ovelhas um estábulo, para os animais uma toca, para os peixe um local de refúgio, mas para Mim não providenciaste abrigo. Não há local onde possa encostar a Minha cabeça. A Minha cama é o chão frio; as minhas lâmpadas à noite são as estrelas, e a Minha comida é a erva dos campos. E, porém, quem sobre a erra é mais rico do que Eu? A maior das bênçãos Tu não a deste aos ricos e aos poderosos, mas a Mim, pois Tu entregaste-me os pobres. A Mim concedeste-Me esta bênção. Eles são Meus. Por isso, Eu sou o homem mais rico do mundo.»[2]

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NOTAS
[1] – As Palavras Ocultas, Bahá'u'lláh, Persa, nº 27
[2] –
The Promulgation of Universal Peace, 'Abdu’l-Bahá, pag.33-34