sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

Fevereiro de 1850: os Sete Mártires de Teerão

Em Outubro de 1848, algumas centenas de babis, fugindo a perseguições populares e ataques de encorajados pelo clero muçulmano, chegam ao santuário do Shaykh Tabarsi [1]. Na esperança de resistir a uma ofensiva do exército governamental decidiram improvisar uma pequena fortificação. No início do ano seguinte, o exército governamental cercou a fortificação e após vários meses de cerco e tentativas de assalto, tudo terminou com o massacre dos seguidores da nova religião.

O episódio de Shaykh Tabarsi foi um choque para as autoridades persas. O primeiro-ministro persa, Amir Kabir[2], estava furioso com a ousadia dos babis – que não tinham preparação militar - em enfrentar o exército governamental, e pelo facto de terem resistido tanto tempo naquele cerco. No início de 1850, em Teerão começou a constar que o primeiro-ministro estava determinado a eliminar definitivamente a "heresia babí", e especulava-se sobre qual seria o seu próximo acto.

Nessa mesma época, um dos tios do Báb, Haji Mirza Siyyd 'Ali[3], passou por Teerão; vinha de Chiriq, onde tinha visitado o seu sobrinho, que se encontrava preso. Vários amigos aconselharam-no a abandonar a capital o mais rapidamente possível; nenhum lugar na Pérsia era seguro para os babís, e para os babís mais conhecidos o perigo era ainda maior. Segundo um cronista, o tio do Báb depois de ser repetidamente advertido sobre o perigo que corria, teria respondido: "Porque haverei de temer pela minha segurança? Quem me dera tomar parte no banquete que as mãos da Providência oferecem aos seus eleitos!"

Uma denúncia às autoridades confirmou os piores receios dos babís; catorze elementos da pequena comunidade foram detidos sob acusação de conspiração contra o primeiro-ministro; entre estes catorze encontrava-se Haji Mirza Siyyd 'Ali. Ficaram detidos na Casa de Kalantar (propriedade do município), onde foram sujeitos a tortura e maus tratos pelos carcereiros, com o intuito de denunciar outros babís. Quando o primeiro-ministro soube que os catorze prisioneiros se recusavam denunciar outros crentes, anunciou que libertaria todos os que negassem a sua fé no Báb. Sob tortura, houve sete que não resistiram, e foram imediatamente libertados.


Casa de Kalantar, onde foram aprisionados os sete Mártires de Teerão
antes de serem executados


Os restantes sete, incluindo Haji Mirza Siyyd 'Ali, recusaram negar a sua fé. Este grupo de sete pessoas eram cidadãos conhecidos; todos tinham amigos influentes que os tentaram persuadir a abdicar das suas convicções religiosas. Um grupo de comerciantes chegou mesmo a oferecer ao primeiro-ministro um resgate pela libertação do tio do Báb; o governante limitou-se a responder que para a libertação os prisioneiros apenas tinham de confessar que não acreditavam "naquela heresia".

Ao saber disto, o tio do Báb declarou: "Negar reconhecer a Missão do Báb seria apostatar a fé dos meus antepassados e negar o carácter divino da mensagem que Maomé, Jesus, Moisés e todos os Profetas do passado revelaram... Apenas peço que me deixem ser o primeiro a dar a vida no caminho do meu bem-amado parente".[4]

Ao contrário do que era costume, a execução foi realizada numa praça pública de Teerão[5]. Ao subir ao cadafalso, o tio do Báb dava louvores a Deus por lhe haver sido concedido o seu desejo. O cronista baha'i da época registou as suas últimas palavras:

"Dai-me ouvidos, ó povo! Ofereci a minha vida em sacrifício no caminho de Deus. Durante um milhar de anos oraste e oraste pelo que o prometido Qa'im[6] se manifestasse... E agora que Ele veio, levaste-O para o desterro num lugar esquecido do Azerbeijão, e havei-vos levantado para exterminar os Seus companheiros... Como meu último suspiro, peço ao Todo-Poderoso que limpe a nódoa da vossa culpa e vos permita acordar do sono da negligência"[7]

Perante uma praça apinhada de gente, o tio do Báb foi decapitado. Seguiram-se os outros seis:
• Háji Mullá Ismá'il-i-Qumi (teólogo)
• Mirzá Qurban-'Ali (dervish)
• Áqá Syyid Husayn-i-Turshízi (Mujtahid [8])
• Háji Muhammad Taqiy-i-Kirmani (comerciante)
• Siyyid Murtida (comerciante de Zanjan)
• Muhammad –Husayn-i-Maraghi'i (funcionário governamental)

Também proferiam umas declarações desafiadoras e suplicavam o perdão de Deus para os seus carrascos. A atitude daqueles sete homens chocou várias pessoas presentes naquela praça; o que levaria aquelas pessoas a enfrentar a morte com tanta coragem e determinação?

Durante três dias os seus corpos estiveram expostos na praça; os habitantes da cidade vieram amaldiçoar os cadáveres, agredi-los e cuspir-lhes. Foram sepultados juntos no exterior da cidade.

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NOTAS
[1] - Conhecido no Islão xiita como tendo sido um dos transmissores das tradições dos Imans.
[2] - Amir-Kabir, foi primeiro-ministro durante três anos e exerceu um poder despótico. O Xá delegava-lhe praticamente toda a responsabilidade da governo da Pérsia e ninguém ousava questionar a sua autoridade.
[3] - Na sociedade persa, título "Haji" indica que se trata de uma pessoa que já fez a peregrinação a Meca; "Siyyid" indica que se trata de um descendente de Maomé.
[4] - Citado em Hour of Dawn, Mary Perkins, p. 175
[5] - As execuções dos condenados à pena capital eram realizadas apenas na presença do Rei ou de membros do governo.
[6] - O Prometido do Islão
[7] - Citado em Hour of Dawn, Mary Perkins, p. 176
[8] – Um Mujtahid é uma espécie de juiz da lei islâmica.

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