A Escritura, na maioria das religiões, também consiste na transcrição de histórias sagradas que durante muitos séculos foram transmitidas oralmente de geração em geração. Desta forma a escritura tem um paralelo com as tradições orais das culturas tribais e tradicionais. Este aspecto das Escrituras levam à preservação dos mitos que ajudam a explicar ao crente como é que as coisas se tornaram aquilo que são.
Apesar de algumas pessoas usarem as Escrituras de forma pessoal, a maioria faz uma experiência comunitária das Escrituras. O recitar das Escrituras numa atitude de sinceridade e devoção seja em privado ou em comunidade, resultará com frequência numa experiência religiosa. Muitas Escrituras, porém, estão escrita numa linguagem que está para lá da compreensão da audiência. Nesses casos não é a leitura ou a compreensão da Escritura que cria a experiência religiosa, mas a audição do recitar ou entoar e da atmosfera que isto causa. As Escrituras estão por vezes escritas numa forma que as tornam adequadas para serem cantadas de forma a criar uma atmosfera. Este cântico é efectuado de acordo com uma tradição, Na sinagoga judaica o gabinete do chantre foi criado para a pessoa que efectua o cântico litúrgico. A Bíblia pode ser cantada de acordo com as tradições gregoriana, arménia, grega, russa e outras. No Islão, a maior parte do Alcorão está na forma de prosa ritmada, que é especialmente tocante quando cantada. Entre os bahá’ís do Médio Oriente, a Escritura é geralmente cantada em vez de lida, apesar desta prática não se ter espalhado muito noutras comunidades. No Hinduísmo considera-se que o cantar dos mantras concede poderes especiais. Nos mosteiros budistas, as Escrituras são cantadas em intervalos regulares durante o dia (uma prática chamada paritta, no Budismo Theravada). Ouvir esses cânticos numa atmosfera de um local sagrado como uma igreja ou um templo é em si uma experiência religiosa para muitos crentes.
Moojan Momen, in The Phenomenon of Religion: A Thematic Approach, pags. 103-104
5 comentários:
"Desta forma a escritura tem um paralelo com as tradições orais das culturas tribais e tradicionais" -
Daí provem a necessidade de manutenção de ritos. Vemos o exemplo da Igreja Católica Romana que mantém certos rituais, pouco alterados ao longo de várias décadas.
Creio que não é a isso que o Moojan Momen se refere.
No Antigo Testamento existem textos que referem os Patriarcas (Abraão, Isaac, Jacob). Se bem me lembro daquilo que aprendi na Universidade Católica, é muito provável que os Patriarcas tenham sido figuras míticas de diversas tribos, sobre as quais existiam diversas tradições orais. Nestas tradições orais, mais importante que a autenticidade histórica do relato, é a mensagem moral e espiritual que esta transmite.
Estas tradições orais sobre os Patriarcas viram a passar a escrito durante o exílio na Babilónia, quando os anciãos temeram que as tradições se perdessem.
A fusão e integração daquelas culturas tribais produziu um sincretismo de valores morais que estão na génese de uma parte daquilo que hoje conhecemos como Judaísmo. Isto é, obviamente, uma explicação muito resumida. Talvez o Nuno Guerreiro consiga indicar alguns sites com informação mais detalhada sobre este assunto.
Sobre os rituais propriamente ditos este livro do Moojan Momen tem uma série de considerações interessantes que publicarei mais tarde.
"A Escritura, na maioria das religiões, também consiste na transcrição de histórias sagradas que durante muitos séculos foram transmitidas oralmente de geração em geração."
Estava a pensar na necessidade de de se manter rituais para que a tradição e crença se mantenha, no caso de civilizações de cultura oral, isto é, quando não existe um sustentáculo escrito.
"Estas tradições orais sobre os Patriarcas viram a passar a escrito durante o exílio na Babilónia, quando os anciãos temeram que as tradições se perdessem."
É provável que quando estas tradições foram escritas já estivessem um pouco alteradas do original.
Uma cultura oral tem uma fluência sempre diferente de uma cultura escrita.
Sincretismo?
Eu acho que nenhuma religião gosta de ser chamada de sincretista. É sempre depreciativo. É do género: "Misturaram uma série de coisas e não têm nada de novo a apresentar".
Kris,
Tal como entendo o sincretismo, parece-me que ele existe em todas as religiões.
Jesus Cristo disse que vinha trazer mais um mandamento ("Amai-vos uns aos outros") a juntar aos existentes. Depois ao longo dos séculos o Cristianismo foi incorporando valores platónicos (com Sto. Agostinho) e o aristotélicos (S. Tomás). A Reforma e o Concílio do Vaticano II também podem ser vistos como momento de assimilação de novos valores.
O Islão na sua génese também apresenta valores comuns ao Judaísmo e ao Cristianismo. Na religião Baha'i acontece o mesmo; só o facto de aceitar os fundadores das grandes religiões mundiais como Mensageiros Divinos dá logo o mote para esse sincretismo.
É curioso notar que as comunidades religiosas e o pensamento religioso) tendem a evoluir quando se abrem e assimilam de forma coerente outros valores. Quando essa abertura não existe, as comunidades ficam fechadas sobre si, sem perceber o mundo que as rodeia (em alguns casos criam-se mesmo condições para o surgimento de grupos radicais ou fundamentalistas).
Enviar um comentário