Clericalismo e Anti-Clericalismo
Um dos momentos mais interessantes do Seminário "República e Religiões", organizado pelo Museu da Presidência da República no passado dia 16 de Dezembro, consistiu numa análise da questão religiosa durante a Primeira República. Uma ideia comum às intervenções dos palestrantes (António Araújo[Tribunal Constitucional], António Matos Ferreira[Centro de Estudos em História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa], António Reis[Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova]) assentou no facto do anti-clericalismo não ter sido um exclusivo, nem uma constante, da Primeira República. Os parágrafos que se seguem são algumas das minhas notas pessoais sobre as intervenções a que assisti.
No cenário da questão religiosa da Primeira República existem alguns aspectos que não se podem ignorar. Por um lado, a Igreja Católica da época era muito diferente da actual; vivia ainda marcada pela encíclica Quanta Cura, em que o Papa Pio IX se recusava a aceitar o progresso científico. Por outro lado, a sociedade portuguesa começava a modernizar-se e a secularizar-se; debatia-se qual o papel da religião na sociedade e no mundo. Outro aspecto não menos importante é que o anti-clericalismo se resumia a um anti-catolicismo, pois naqueles tempos não se concebia a diversidade religiosa (nem o ateísmo).
Os conflitos entre o Estado e a Igreja vinham já do tempo da Monarquia. As actividades dos Jesuítas foram questionadas várias vezes, e em 1834 tinham sido expulsos por Joaquim António de Aguiar (tal como em 1758 com o Marquês de Pombal). Ainda durante o tempo da Monarquia, os Jesuítas tinham-se envolvido com o Partido Nacionalista e atacado os Franciscanos. Os últimos governo da Monarquia atacaram a Companhia de Jesus, sendo, por vezes, mais radicais do que os posteriores governos republicanos.
A documentação da época mostra que os republicanos tinham medo dos jesuítas e acreditavam na sua propaganda, que exagerava a sua influência. Os jesuítas eram responsabilizados pela decadência intelectual do país, e três dias após a implantação da República, foram expulsos de Portugal (apesar da Lei da Separação apenas ter sido publicada no ano seguinte).
O laicismo do Partido Republicano teve a tendência de se tornar um laicismo anti-clerical. Em períodos de maior radicalismo anti-clerical, publica-se a Lei da Nacionalização da Propriedade Eclesiástica. Surgem as leis do registo civil e do juramento civil; o ensino torna-se neutro do ponto de vista religioso. O Natal é laicizado como Festa de Família. Em 1911, nenhum bispo exercia funções; estavam todos presos ou desterrados.
Mas a Primeira República também teve momentos de melhor convivência com a Igreja Católica. Com Bernardino Machado proclama-se uma amnistia religiosa e monárquica, e tenta-se o estabelecimento de relações com a Santa Sé. Em 1918, Sidónio Pais revoga algumas leis anti-religiosas e o Estado volta a apoiar a Igreja; em 1926, o Presidente Bernardino Machado fala numa homenagem a Pio XI e elogia-o. O Núncio Apostólico retribui o elogio com um jantar de homenagem.
A revolução de 28 de Maio de 1926 foi recebida com notório agrado por sectores mais conservadores da Igreja Católica. Durante o Estado Novo, a Igreja tentou recuperar privilégios, mas Salazar não deixou essa tentativa ir muito longe. Apesar de ter proclamado a leis como a “Lei dos Crucifixos” (1936), Salazar não revogou a Lei da Nacionalização da Propriedade Eclesiástica. A Concordata de 1940 considerava a devolução à Igreja de todo o património religioso que não tivesse sido afecto a fins públicos; mas, com isso os Jesuítas receberam apenas dois jazigos, pois todas as suas restantes propriedades eram então de uso público. Na prática, isto significou que os Jesuítas perderam definitivamente os seus privilégios com a Concordata de 1940.
3 comentários:
Obrigada, Marco. Por trazeres um "cherinho" do seminário.
A imparcialidade com que falas deste tema é de louvar. Além de que ajudas a desmistificar alguns mitos.
O que escrevi aqui são apenas algumas notas pessoais; não substitui o conteúdo das palestras que, espero, venham a ser publicadas.
Algumas opiniões que se ouvem sobre a questão religiosa na Primeira República, fazem apenas eco da muita propaganda da época. Os historiadores e os investigadores têm de passar essa cortina de propaganda e captar os factos.
Por isso, o Museu da Presidência foi feliz na escolha destas três pessoas para abordar este tema. As suas palestras eram consistentes entre si, apesar de apresentarem perspectivas diferentes sobre o assunto.
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