Convivência religiosa durante o Estado Novo.
Os parágrafos que se seguem são anotações pessoais de uma intervenção do Pastor Dimas de Almeida [Centro de Estudos de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona], durante o seminário "República e Religiões". A intervenção foi feita numa mesa dedicada ao tema "Resistência, reacção e renovação na convivência religiosa durante o Estado Novo". Espero que o texto completo da sua intervenção seja publicado em breve.
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No séc. XIX estabeleceram-se em Portugal as primeiras comunidades protestantes. Encontraram uma sociedade católica profundamente moldada pelo Concílio de Trento (séc. XVI). O protestantismo português não tem, portanto, raízes histórias que alcançam a Reforma (ao contrário de França onde existe uma minoria Protestante à qual podemos associar uma cultura Protestante).
O protestantismo português era frágil do ponto de vista teológico. Não havia um pensamento teológico sério nas comunidades protestantes, tal como não existia na Igreja Católica portuguesa. A este propósito, é interessante recordar as palavras do Cardeal Cerejeira a um padre que queria estudar teologia em Roma: “Quero nas minhas dioceses santos e não teólogos”.
Durante muitas décadas, a Igreja Católica anatemizou as Igrejas Protestantes, e vice-versa; essa atitude só terminou com o Vaticano II. O protestantismo, considerado como um corpo estranho na sociedade portuguesa reagiu com profundo anti-catolicismo. Só no final dos anos 60 se dão os primeiros passos - tímidos - no diálogo entre Protestantes e Católicos.
O protestantismo português esteve sempre marcado por uma dialética de rotura. Rotura em relação à Igreja de Roma; rotura entre fé e cultura; rotura entre uma teologia de coisas espirituais e uma teologia de coisas materiais. E durante o Estado Novo, esta proposta era tanto mais arriscada pois não havia liberdade religiosa e a PIDE estava à porta.
O Vaticano II e o 25 de Abril deram um grande contributo para a liberdade religiosa. Mas a liberdade religiosa que hoje se vive em Portugal ainda está condicionada pela Igreja Católica, dominante na nossa sociedade. A composição da Comissão da Liberdade Religiosa reflecte esse condicionamento. No entanto, o Vaticano II ainda tem algumas reservas em relação à liberdade religiosa. A Igreja Católica ainda identifica a religião católica como "a verdade"; "Fora da Igreja não há salvação" é um princípio dogmático que ainda não foi abolido.
6 comentários:
Entre os evangélicos ainda está presente a memória da intolerância religiosa. Muito crentes contam, na primeira pessoa, histórias de apedrejamentos, injúrias, cultos interrompidos, descriminação no emprego, etc. Claro que agora os tempos são outros, mas a memória permanece como factor desconfiança.
Talvez entre os protestantes as coisas tenham sido mais pacíficas (falo da segunda metade do século XX). Como diz o Pastor Dimas, foi a partir dos anos 60 que protestantes e católicos começaram os contactos. E essa aproximação pode ter evitado algumas situações mais complicadas.
É interessante reparar que se o ecumenismo aproximou católicos e protestantes foi factor de afastamento entre estes e os evangélicos.
Anonymous #2
“Quero nas minhas dioceses santos e não teólogos”.
- Uma das herança perninciosas do Estado Novo, que por sua vez herdou de algo ou alguém, era a fobia ao intelecto - e isto apesar de a sua fonte de recrutamento para cargos governamentais estar na Universidade.
"É interessante reparar que se o ecumenismo aproximou católicos e protestantes foi factor de afastamento entre estes e os evangélicos."
Mas os evangélicos não são protestantes?
De grosso de entre os protestantes os que conheço melhor, os que julgo terem algum peso em Portugal, são os luteranos, os baptistas e adventistas.
Os anglicanos penso que se consideram católicos (não romanos) e, como tal, não são protestantes.
Anonymous # 2, se me pudesses esclarecer agradecia.
Eu também partilho a ignorância do Moutinho. Sempre pensei que os Evangélicos fossem Protestantes. Mea culpa, mea ignorância.
E já agora, reforço o pedido de esclarecimento. :-)
João Moutinho e Marco
Se nestas coisas de religião as coisas nunca são muito lineares a situação ainda piora dentro do protestantismo, com a sua ênfase na relação pessoal com Deus. Normalmente divide-se o Cristianismo em três grandes correntes: Ortodoxismo, Catolicismo e Protestantismo (há ainda muitas outras igrejas fora desta classificação mas o seu peso numérico é diminuto). Dentro desta classificação ampla os evangélicos portugueses (baptistas, assembleia de Deus, Igrejas do Irmãos, congregacionais, e várias igrejas carismáticas recentes) são protestantes. Ou seja, partilham as doutrinas recuperadas por Lutero e Calvino: a Graça divina como suficiente para a salvação, a centralidade da Bíblia, a relação pessoal com Deus, etc). A grande diferença entre protestantes e evangélicos reside na tal tedência liberal, em termos doutrinários, dos primeiros, que inclui o ecumenismo, e na forma de organização da igreja (as evangélicas não têm hierarquia e são do tipo congregacional - as decisões são tomadas, de forma democrática, em assembleia).
Resumindo: considerar os evangélicos protestantes não está errado. Eles surgem com o movimento da Reforma. Mas se quisermos ser mais precisos podemos dividir o grupo entre protestantes "clássicos" (no caso português: metodistas, prebiterianos e Igreja Lusitana) e evangéliicos. Isto em relação a Portugal. Na Alemanha, por exemplo, a igreja oficial, luterana, chama-se... evangélica.
Mais uma nota:
O anglicanismo, representado em Portugal pela Igreja Lusitana, é protestante. Na sua forma mais institucional (a chamada "igreja alta") é o que talvez se aproxime mais do catolicismo romano. Mas não há dúvida que faz parte do movimento protestante.
Bom, espero ter conseguido retribuir um pouco do muito que tenho aprendido aqui neste blog.
Anonymous #2
Anonymous #2,
Agradeço a explicação!
:-)
Idem!
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