quarta-feira, 16 de maio de 2007

Direitos Humanos (9)

A Religião Bahá'í e os Direitos Humanos

"Já percebi vocês são um bocado viciados na questão dos Direitos Humanos" disse-me recentemente um amigo. "E não és só tu. Conheço mais bahá'ís que são muito ligados a esse tema. Tens é de me explicar a razão dessa afinidade."

Aqui vai, meu caro!

Uma simples comparação entre os princípios bahá'ís e os valores defendidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos permite ao observador mais desatento perceber as semelhanças entre ambas. E se tivermos em conta que as religião bahá'í surgiu cem anos antes da publicação da Declaração, poderíamos questionar até que ponto o conceito de direitos humanos se encontra enraizado nesta religião.

Ao contrário da maioria das Escrituras das restantes religiões mundiais, as Escrituras Baha’is possuem numerosas referências aos direitos e à liberdade dos povos; recorde-se que a vida de Bahá'u'lláh pode ser descrita como uma sucessão de exílios, sem que Ele alguma vez tivesse sido julgado ou condenado por qualquer crime. Para os padrões actuais Ele seria considerado um prisioneiro de consciência.

Em 1891, referindo-se à dinastia Qajar que governava a Pérsia, lamentou-se: "Os que perpetram tirania no mundo têm usurpado os direitos dos povos e raças da terra e seguem diligentemente suas inclinações egoístas"[1]. Em várias ocasiões referiu que os seus direitos tinham sido injustamente negados pelos governos despóticos da Pérsia e do Império Otomano. Numa epístola dirigida aos monarcas do mundo, instou-os a "salvaguardar os direitos dos espezinhados e a punir os malfeitores"[2].

Segundo alguns especialistas o sentido da palavra "direitos" (huquq) usado por Bahá'u'lláh está muito próximo do conceito de direito para a mentalidade europeia moderna. A ideia de direitos do Iluminismo começou a ser utilizada por intelectuais e jornalistas do Médio Oriente por volta de 1860, e também por Muçulmanos com educação Europeia que tinham conhecimento da Declaração francesa dos Direitos do Homem e da Primeira Emenda à Constituição Americana.



Bahá'u'lláh usava a palavra “direitos” em oposição à tirania e despotismo. Mas era crítico da liberdade no sentido de licenciosidade moral; à semelhança dos primeiros pensadores republicanos americanos rejeitava a ideia de John Stuart Mill de que os indivíduos tinham o direito de fazer o que lhes agradasse desde que não fizesse mal a outros (na verdade poucos pensadores religiosos concordam que a moralidade privada seja pouco importante ou que crimes sem vítimas - como a prostituição - possam ser legalizados).

No Kitab-i-Aqdas, Ele criticou a licenciosidade por ser geradora de sedição, imoralidade e desordem pública. Por outro lado não rejeitou os aspectos positivos da liberdade: "aprovamos a liberdade em certas circunstâncias e recusámos sancioná-la noutras."[3] E acrescentou: "A verdadeira liberdade está na obediência às leis de Deus". Mas entre estas leis encontram-se a liberdade e os direitos políticos. Em 1889 escreveu a uns crentes: "Em verdade a liberdade, a civilização e os seus requisitos aumentam de dia para dia".

Os sucessores de Bahá'u'lláh na liderança da Comunidade Bahá'í continuaram a expressar a importância dos direitos humanos. Em 1912, durante a Sua visita aos Estados Unidos, 'Abdu'l-Bahá afirmou:
Bahá'u'lláh ensinou que deve se deve adoptar e reconhecer um padrão comum de direitos humanos. Aos olhos de Deus, todos os homens são iguais; não há distinção ou preferência por qualquer alma no domínio da Sua justiça e equidade”. [4]
Mais tarde, em 1925, Shoghi Effendi escreveu:
[Os bahá'ís] devem ter o mais rigoroso cuidado na salvaguarda dos legítimos direitos pessoais e civis de todos os indivíduos, seja qual for a sua carreira ou posição na vida, e independentemente das suas origens raciais, religiosas e ideológicas. Em assuntos relacionados com esses direitos não é permissível fazer distinções, discriminações ou mostrar preferências. [5]
Foi em 1948 que a Comunidade Internacional Bahá'í foi admitida como Organização Não-Governamental das Nações Unidas. Uma das suas primeiras tarefas foi a apresentação de uma proposta de Declaração de Direitos Humanos; esse documento tinha por título A Bahá'í Declaration of Human Obligations and Rights.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é hoje encarada pela Comunidade Baha’i como um extraordinário contributo para a paz mundial[6]. Para os bahá'ís, os princípios ali enunciados – tão próximos dos princípios da sua religião – são normas universais cuja implementação deve ter a maior prioridade e cuja defesa é uma obrigação de cada ser humano.

------------------------NOTAS
[1] - Epístolas de Bahá'u'lláh, Lawh-I-Dunyá (Epístola do Mundo)
[2] - A Proclamação de Bahá'u'lláh, Advertências aos Reis e Governantes do Mundo
[3] - Selecção dos Escritos de Bahá'u'lláh, sec. CLIX
[4] - The Promulgation of Universal Peace, pag. 182
[5] - Carta de Shoghi Effendi dirigida aos Bahá'ís do Irão, Julho 1925 (disponibilizada pelo Departamento de Pesquisa da Casa Universal de Justiça)
[6] - A título de curiosidade refira-se que a expressão “Direitos Humanos” surge mais de 400 vezes nos documentos publicados pela Casa Universal de Justiça e pela Comunidade Internacional Baha’i.

3 comentários:

José Fernandes disse...

Magistral, Marco, magistral!
É uma lição que nunca deveríamos esquecer, mas que infelizmente às vezes nos olvidamos dela. É importante que estas coisas venham a público e que se referênciem as suas origens. Temos de perder alguma falsa modéstia e explicar, bem explicadinho que algumas coisas que neste momento a Humanidade está a usufruir, tinham já sido anunciadas pelo Báb, Bahá'u'lláh e 'Abdu'l-Bahá. Temos mesmo de dizer isto ao mundo!

Anónimo disse...

Estarei participando de um debate sobre caminhos práticos sobre tolerância religiosa. Será em Palmas, Tocantins. Ver programação no www.movimentopelavida.com
Estarei tomando de empréstimo algumas de suas anotações. Farei comentário da fonte.
Saudações,

Marco Oliveira disse...

Vai dando notícias do evento, Carlos.
:-)