quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Colóquio "Mulheres na Religião"

Por iniciativa do Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, do Partido Socialista, realizou-se na passada terça-feira um colóquio sobre o tema «Mulheres na Religião». O evento contou com a presença de representantes de várias confissões religiosas e também de Mário Soares na qualidade de Presidente da Comissão para Liberdade Religiosa.

Afazeres profissionais impediram-me de assistir a este evento; a informação que tenho do que se passou foi-me transmitida por alguns amigos. Os jornais que mencionaram o evento referiram a intervenção de Mário Soares, e destacaram a sua manifestação de desagrado pelo facto das religiões sempre terem rebaixado as mulheres.

Mário Soares tem toda a razão. Num breve olhar pela história das religiões encontramos de episódios que denigrem a posição da mulher; e em todas as religiões encontramos filósofos e teólogos que consideraram a mulher como um ser subalterno ou inferior, e mesmo um fonte de pecado e tentação.

Bastaria ao Presidente da Comissão para a Liberdade Religiosa apontar alguns desses exemplos para fazer valer o seu ponto de vista. Mas o ex-Presidente da República preferiu citar uns versículos da Bíblia e dedicar-se à exegese. E aqui considero que cometeu um erro.

Mário Soares citou o versículo «Não cobiçarás a mulher do próximo, nem o escravo, o boi, o burro, nem nada que lhe pertença» e considerou que neste mandamento a mulher é posta ao nível do boi e do burro.

Mário Soares fez uma interpretação literal do texto sagrado. Ignorou o contexto socio-cultural em que o texto surgiu e os possíveis simbolismos que este contém. Leu-o e entendeu-o como se fosse um texto elaborado por alguém escrito do seu tempo e do seu hemisfério cultural. Tal como os fundamentalistas cristãos e muçulmanos que ele tanto detesta, Mário Soares não consegue entender num texto sagrado algo mais do que o seu significado literal.

Mário Soares deve ser a personagem mais notável da 3ª República. Tem todo o direito de afirmar que «as revelações divinas são fruto da imaginação de quem as escreveu», ou que «não foi Deus que criou o Homem, mas sim o Homem que criou Deus». Mas é triste que o Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa se entregue à interpretação de textos sagrados dando mostras de uma gritante ignorância em matéria religiosa.

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SOBRE ESTE ASSUNTO: Mário Soares lamenta que «religiões rebaixem as mulheres» (O Sol) (também no Diário Digital e no Portugal Diário)

14 comentários:

Anónimo disse...

Como disse no outro post, os anti-religiosos , tal como os fundamentalistas, ignoram o contexto, e fazem interpretações literais dos versos. estas interpretações literais as vezes não se limitam só a escrituras sagradas, por exemplo, foi feita a pergunta ao mario soares "E se, no momento da morte, Deus o visitasse?", se Deus o visitasse?? isto é um pouco como acreditar que o "Paraiso" fica nas nuvens, ou que Deus é um fulano com barba branca e sandalhas. Conheci alguem que me disse que não acreditava em Deus, mas que acreditava num ser superior...

entãoéassim... disse...

O que é que faz, então, este Presidente da Comissão para Liberdade Religiosa, para além de perder uma boa oportunidade para estar retirado (leia-se calado)? Talvez a intenção em defender as mulheres tivesse sido a melhor, mas será que não teve tempo para preparar a intervenção, reflectindo um pouco que fosse?
Os ditados por vezes são um excelente recurso. Desta vez ter-se-ia aplicado, na perfeição, aquele d'"o silêncio é de ouro"...

Anónimo disse...

Dois comentários:

Por uma questão de cortesia, MS – na qualidade de presidente da CRL - não devia afrontar os representantes das religiões com afirmações do tipo “as revelações divinas são fruto da imaginação de quem as escreveu”. Mas cada um tem a educação que tem...

MS tem todas as condições para ser um bom presidente da CLR. Pode e deve falar das práticas religiosas, mas não tem condições para falar de teologia. Neste caso específico, MS poderia ter chamado a atenção para outras formas de ler e entender o texto. Não foi capaz. Preferiu limitar-se a uma interpretação bacoca da Bíblia, ignorando entre outras coisas, que os livros sagrados possuem um estilo literário próprio.

Anónimo disse...

Sendo assim ter escravo também é recomendado!!!
«Não cobiçarás a mulher do próximo, nem o escravo, o boi, o burro, nem nada que lhe pertença»
Agora em relação à mulher, apesar de não gostar da sua figura, devo admitir que concordo com MS num outro sentido da Palavra: «…a mulher do próximo, …, nem nada que lhe pertence».
Ora a mulher não é pertença de ninguém, não é mesmo.

Anónimo disse...

triste é quem o convida para dar opiniões sobre assuntos em que já não devia opinar publicamente como por exemplo sobre Politica. sobre religião, quem a segue (independente de qual) não se move por comentários do Sr.Mario Soares

Pedro Fontela disse...

Quando eu vir igualdade entre os sexos em culturas fortemente religiosas mando calar MS até lá espero que grite muito mais - mesmo que não percebas as nuances todas. Deixar a religião desligar-se da ética cívica é a coisa mais perversa que pode acontecer.

Anónimo disse...

Também penso que Soares tem condições para ser um presidente da CLR. Mas se começa a hostilizar as religiões dizendo que elas são resultado da imaginação, então as coisas podem-se virar contra ele. Talvez ele não esteja a ser bem aconselhado.

Marco Oliveira disse...

Pedro Fontela,

Mas se ele perceber as nuances, e mostrar que são as interpretações literais que levaram a estas discriminações, os seus argumentos ainda ganhariam mais força.

Anónimo disse...

Daniella,

Eu nao interpreto como dizendo que a mulher é pertença do homem, isto fica ainda mais claro se leres o Deuteronomio 5:
"Não cobiçarás a mulher do teu próximo; não desejarás a casa do teu próximo; nem o seu campo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo."
Neste Verso fica claro que esta lei é sobre a inveja e a cobiça, e nada tem a ver com o estatuto da mulher

Anónimo disse...

Meu querido Iuri por favor me mostre o Deuteronomio nº. 6!!!
Em algum lugar está escrito "Não cobiçarás o homem da tua vizinha, nem ..."
Então...

Marco Oliveira disse...

Daniella,
Estás a fazer interpretação literal.
E assim perdes a essência do texto.

Anónimo disse...

Querido Marco qual é a essência do texto? É sobre a inveja e a cobiça?
Que não tem nada a ver com a estatuto da mulher?
Tudo bem, mas se não fosse duma sociedade machista ( naquela época e ainda hoje) a frase poderia ser mesmo : "Não cobiçarás o homem da tua vizinha, nem ..."

Marco Oliveira disse...

Sim, Daniella.
É sobre cobiça.
E noutro contexto cultural e temporal o texto podia ser como dizes.

Anónimo disse...

óptimo...