sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sam Harris e o Fim da Fé (8)

FIM DA FÉ OU FIM DO DOGMATISMO?

No mesmo livro em que acusa as religiões abraâmicas de serem fontes de muitos males que afligem a humanidade, Sam Harris apresenta opiniões surpreendentes sobre a espiritualidade humana:
A história da espiritualidade humana e a história das nossas tentativas para explorar e modificar dados da consciência através de métodos como o jejum, o canto, a privação sensorial, a oração, a meditação e o consumo de plantas psicotrópicas. Não há dúvida que experiências deste tipo podem ser conduzidas de modo racional. Na verdade estes são alguns dos únicos meios de que dispomos para determinar até que ponto a condição humana pode ser deliberadamente transformada. (p.233)

No coração da religião, esconde-se uma semente de verdade, porque a experiência espiritual, o comportamento ético e as comunidades fortes são essenciais à felicidade humana. No entanto, as nossas tradições religiosas são intelectualmente caducas e politicamente ruinosas. Embora a experiência espiritual seja claramente uma propensão da mente humana, não precisamos de acreditar em nada de insuficientemente comprovado para a concretizar. É óbvio que tem de ser possível juntar a razão , a espiritualidade e a ética no nosso pensamento sobre o mundo. Isto seria o princípio de uma abordagem racional das nossas preocupações pessoais mais profundas. E seria o fim da fé. (p.245)
Imagino que o facto de Sam Harris considerar a espiritualidade como aspecto inerente à condição humana seja surpreendentemente para muitos ateus. Pode ser que algum queira comentar sobre esse assunto.

Como bahá'í também acredito que em cada religião existe uma semente de verdade. Já referi isso em posts anteriores. E também acredito que as “tradições religiosas” (entendo isto como sinónimo de instituições religiosas) têm tido um papel significativo na cristalização e anulação do poder regenerador da religião.

Talvez a ideia mais forte destas palavras do autor d’O Fim da Fé seja a necessidade de harmonia entre espiritualidade e razão. O equilíbrio entre estas duas facetas humanas é também um princípio bahá’í. Mas não penso que esta abordagem racional à espiritualidade humana não seria o fim da fé. Parece-me mais correcto dizer que seria o fim do dogmatismo.

8 comentários:

Héliocoptero disse...

"Embora a experiência espiritual seja claramente uma propensão da mente humana, não precisamos de acreditar em nada de insuficientemente comprovado para a concretizar."

Gostava de saber o que é que Sam Harris entende por "insuficientemente comprovado". Suspeito tratar-se daquela ideia-mestra de não acreditar em nada cientificamente comprovável, o que é 100% correcto na Ciência, mas deixa muito a desejar quando o assunto é religião, coisa que entendo ser mais do campo do passional, emocional ou irracional do que racional. Espero que tenha um elemento de razão na estruturação da experiência e vivência religiosa, sim, mas fazer depender a religião da comprovação científica é, na minha opinião, falhar a lógica da coisa.

Seria mais do que o fim do dogmatismo, porque a experiência espiritual apenas e só pessoal já tem pouco ou nada de dogmático: é pessoal, por natureza subjectiva, o que põe um pouco de parte a extrema necessidade de prova objectiva.

Marco Oliveira disse...

Já referi várias coisas que não gosto no livro do Sam Harris. Mas há também um conjunto de ideias que ele apresenta com as quais concordo. Esta da necessidade da harmonia entre fé e razão é uma delas. Penso que isto é um desafio que muitas pessoas recusam, caindo na superstição ou no materialismo puro.

Também tenho de reconhecer a honestidade e humildade do Sam Harris quando ele por exemplo afirma que não sabemos o que acontece após a morte. Não me lembro das palavras exactas, mas ele diz que tanto religiosos e ateus proclamam os seus dogmas sobre este assunto, mas a verdade é que ninguém tem a certeza de nada.

No fundo, a vida é mesmo para viver com todas estas incertezas.

Héliocoptero disse...

Necessidade de harmonia entre fé e razão, sem dúvida, mas isso implica que se dê a cada o lugar que lhe é próprio em vez de se procurar subjugar uma à outra. Ora, pedir comprovação científica para um artigo de fé tem pouco de harmonia entre os dois campos.

Não é por acaso que se chega a acusar alguns ateus de serem tão "convictos" - chamemos-lhe assim - quanto os fundamentalistas religiosos: os primeiros não concebem qualquer realidade ou sequer valor ao que esteja fora do crivo científico, os segundos não concebem qualquer realidade ou sequer valor ao que esteja fora do crivo da autoridade de Escrituras.

For the record, eu não proclamo a minha opinião sobre o "post-mortem" como sendo uma certeza e muito menos um dogma. A fé e crenças de de cada um são isso mesmo: de cada um!

Anónimo disse...

Blog interessante, a seguir de perto!

Anónimo disse...

A sensação que dá é que o Sam Harris anda à procura de qualquer coisa.

Não gosta do que vê nas religiões, mas suspeita que existe ali qualquer cosia de muito importante.

Héliocoptero disse...

Ele dá sinais de ser um ateu com uma religiosidade latente, mas que hesita em assumir. Daí a ocasional "uma no cravo e outra na ferradura", pelo menos a julgar pelo que o Marco aqui deixa para nós.

Talvez não seja de todo inesperado se daqui a uns anos dermos com Sam Harris, o budista.

Anónimo disse...

héliocoptero,

...ou quem sabe, Sam Harris, o bahái'i!!! ;-)

Héliocoptero disse...

Hmmm... sendo Sam Harris um ateu - ainda que por vezes hesitante - suspeito que, a ter uma religião, ele iria para uma menos teísta como o budismo.

Mas isso é um palpite pessoal e baseado na minha própria experiência. O que é que o Sam Harris vais de facto fazer só ele saberá.