sexta-feira, 27 de junho de 2008

Um teste aos Direitos Humanos no Irão

O texto seguinte é a tradução do artigo Treatment of Bahais: A Test of Human Rights in Iran da autoria de Mehdi Khalaji. Foi publicado no site do Washington Institute e tem sido citado por vários blogs baha’is. Mehdi Khalaji é um "visiting fellow" do Wahshigton Institute, e tem abordado o papel da política no clericalismo xiita contemporâneo no Irão e no Iraque.
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Em 14 de Maio, o governo iraniano prendeu seis proeminentes líderes baha’is e acusou-os de "colocar em perigo a segurança nacional". O momento das detenções levou a especulações de que o governo iraniano estaria a tentar associar estes líderes à explosão de Abril num centro religioso em Shiraz, que matou catorze pessoas. Considerando que a instituição clerical iraniana acredita que a existência de minorias religiosas mina a ortodoxia xiita oficial, estas detenções são apenas mais um marco negro no longo e sombrio registo iraniano de protecção de direitos humanos individuais e liberdade religiosa.

Baha’is: uma ameaça à Ortodoxia Xiita

Ao contrário do Zoroastrismo, do Judaismo e do Cristianismo, o Bahaismo surgiu depois do Islão e afirma que lhe sucede. Um elemento central do Xiismo é a crença no Décimo Segundo Iman (também chamado Iman Oculto), um descendente de Ali que deve reaparecer nos tempos do fim. A religião baha'i teve origem com Ali Muhammad Shirazi (1819-1850), que declarou ser a porta para o Iman oculto e posteriormente declarou ser ele próprio o Iman. Ao afirmar ser esta importante figura religiosa, ele desafiou não apenas a instituição clerical, mas também a interpretação oficial dos textos sagrados. Apesar da fé Baha’i exigir explicitamente aos seus seguidores que não participem em actividades políticas, os governantes persas da época (a dinastia Qajar) viram as declarações de Shirazi como um desafio à legitimidade do Estado, pois o rei era o Chefe de Estado de um país xiita. Mais tarde, a dinastia Pahlevi resistiu à pressão clerical para fazer do anti-bahaismo uma politica oficial do governo.


Após a revolução iraniana de 1979, porém, essa política passou a ser aplicada, pois os clérigos viam a fé Baha’i como uma negação da sua legitimidade. Na Constituição da República Islâmica o Estado não reconhece o Bahaismo como religião e proíbe os seus membros de realizarem cerimónias e rituais em público. No tempo da revolução, dezenas de baha’is foram linchados e muitos foram presos. Aos Baha’is não era permitido estudar nas universidades ou trabalhar na função pública. Até no sector privado existem muitas restrições oficiais e oficiosas que dificultam a vida aos Baha’is.

Um presidente apocalíptico pressiona os Baha’is.

De uma forma geral, os baha’is foram tolerados durante a presidência de Muhammad Khatami (1997-2005), e alguns até obtiveram permissão para estudar em universidades oficiais (em vez de recorrerem a programas clandestinos de formação). Mas desde que Mahmoud Ahmadinedjad se tornou presidente em 2005, o governo aumentou a pressão sobre o grupo, expulsando os baha’is das universidades e afastando-os de algumas posições. Em Março de 2006, a Relatora Especial das Nações Unidas para a Liberdade de Religião e de Crença expressou a sua preocupação relativamente a uma carta de 2005 onde vários organismos governamentais iranianos eram instruídos a identificar e recolher informação sobre os Baha’is.

O governo de Ahmadinedjad argumenta que de acordo com a Constituição, o Bahaismo não é reconhecido e por isso não é protegido no Irão. A atitude mais dura do presidente em relação aos Baha’is também é motivada pelas suas visões apocalípticas e o seu apego à ideia do Iman Oculto. Ahmadinedjad, que acredita que o seu governo está sob a supervisão do Iman Oculto, não pode tolerar uma religião que nega a existência do Iman, apesar dos baha’is se manterem afastados da política. Em 23 de Maio, Sayyed Ahmad Alam al-Hoda, o líder das orações de Sexta-feira em Mashad e apoiante de Ahmadinedjad, afirmou que "o Bahaismo não é uma religião nem uma filosofia. Como podemos aceitar que estes soldados israelitas [referência aos Baha’is que têm a sua sede em Haifa, Israel] que têm o sangue um milhão de homens nas suas mãos, sejam livres no nosso país... e cometam qualquer tipo de crime?"

Outros Grupos que enfrentam Discriminação e Violência

Outras minorias religiosas, como os Sufis e os Derviches (ascetas conhecidos pela sua extrema pobreza e austeridade), também têm sofrido sob a República Islâmica. O Sufismo - no qual existem variantes xiitas e sunitas - possui uma interpretação esotérica do Islão. Os seguidores do Sufismo geralmente opoêm-se ao Islão institucionalizado e por esse motivo são frequentemente perseguidos pelo clero xiita. Os Sufis e os Derviches, tal como os Baha’is, evitam actividades políticas, uma atitude que está no âmago das suas crenças religiosas. Mas o governo iraniano vê estas duas minorias como uma ameaça não devido às suas actividades políticas, mas devido à sua própria existência.

A República Islâmica do Irão nunca admitiu que o anti-Sufismo é uma política oficial. No entanto, no Ministério da Segurança existe um departamento especial que recolhe informação sobre os membros da seita. Desde que Ahmadinejad chegou ao poder, o governo intensificou a pressão sobre ambos os grupos. Em Novembro de 2007, a polícia destruiu um centro religioso Sufi no Lorestão e prendeu dezenas de Derviches, em Fevereiro de 2006 destruiu um centro Derviche em Qom. Durante a operação, em que centenas de pessoas ficaram feridas, a polícia prendeu mais de um milhar de Derviches e expulsou o líder da cidade.

Em geral, todas as minorias religiosas não-xiitas e xiitas afastadas da linha principal, sofrem diversos graus de discriminação oficial e não-oficial na educação, no emprego e na aquisição de habitação. Isto até acontece com os sunitas. Apesar de existirem centenas de milhar de sunitas a viver em Teerão, o governo tem bloqueado sistematicamente os seus planos para construção de uma mesquita naquela cidade. O governo foi ao ponto de interromper cerimónias sunitas em parques públicos e até hostilizou sunitas que se reuniram nos jardins da embaixada paquistanesa para fazer orações.

Passos Perigosos na Pressão sobre as Minorias religiosas.

Em 20 de Maio, Gholam Hossein Elham, o porta-voz do governo iraniano, afirmou que a recente detenção de seis baha’is se deveu a motivos de segurança, e não devido às suas crenças religiosas. Declarou que eles estavam associados com "estrangeiros, especialmente Sionistas" e que trabalhavam "contra os interesses do Estado". Apesar do governo não fazer a alegação directamente, alguns observadores afirmaram que as detenções fazem parte de um esforço do governo para associar os líderes Baha’is com a explosão de 13 de Abril em Shiraz, onde morreram catorze pessoas e cerca de duzentas ficaram feridas. Depois de ter negado que a explosão fosse um ataque bombista, os funcionários governamentais contradisseram-se e afirmaram que se tratara de um ataque terrorista levado a cabo por “monárquicos” com ligações aos Estados Unidos e Reino Unido. Alguns dias depois, funcionários do Ministério da Segurança prenderam os líderes Baha’is.

Conclusão

A invocação das preocupações com a segurança nacional é a mais recente forma de perseguição da República Islâmica contra as minorias religiosas. Talvez os líderes iranianos acreditem que isto lhes permita aliviar a pressão de organizações internacionais de direitos humanos por violar a liberdade religiosa. Não obstante, a atitude do governo iraniano em relação às minorias religiosas, sejam elas pequenas seitas reconhecidas (Sufis e Derviches) ou religiões oficialmente não reconhecidas (Bahaismo) deve ser o critério fundamental para avaliar os direitos humanos e a liberdade religiosa no Irão.

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